Versão 1.2 – 09/09/13
Estou lendo “Como tornar nossas ideias claras” – de Charles Peirce, um dos filósofos pragmáticos americanos.
Lá pelas tantas, ao comentar Descartes, ele escreve:
Quando Descartes se lançou à reconstrução da filosofia, o seu primeiro passo foi (teoricamente) permitir o cepticismo e abolir a prática dos escolásticos, em procurarem na autoridade a última fonte de verdade. Feito isso, procurou uma fonte mais natural dos verdadeiros princípios, e julgou encontrá-la na mente humana; passando assim, pela via mais directa, do método da autoridade para o da aprioridade, como descrevi no meu primeiro artigo. A auto-consciência dar-nos-ia as verdades fundamentais, e decidiria o que estaria de acordo com a razão. Mas pois que, obviamente, nem todas as ideias são verdadeiras, foi levado a reparar que a primeira condição de infabilidade era de que tinham de ser claras.
Note que é interessante aqui que Descartes é o primeiro filósofo fronteiriço entre o mundo oral/manuscrito para o escrito impresso. Ele é de 1596. Se formos situar essa época, podemos dizer que ele está a 150 anos depois da chegada do papel impresso. E uns 80 anos pós primeiras revoltas protestantes, nas quais a Igreja foi dividida entre Luteranos e Católicos.
Antes de Descartes, tivemos como pensador de peso Martinho Lutero que era um teólogo-filosófico, que exigia o direito de interpretar a bíblia de outra maneira diferente da de Roma. Até então, o cristão era obrigado a pensar como a Igreja, qualquer pensamento, mais do que discurso, diferente da Igreja, em última instância do papa, era sujeito à inquisição.
Isso pode ser visto no filme Lutero, aqui.
(Note na cena da inquisição que é dito em inglês, você é obrigado a acreditar “to believe” nas ideias do papa.)
Diferente do que analisa a filosofia até aqui, antes das teorias da antropologia cognitiva, podemos constatar que novas mídias reintermediadoras que chegam (como o papel impresso e a internet) criam um movimento de descontrole das ideias na sociedade. E que há um fluxo de mais e menos poder das autoridades que se estabelecem como os “donos da verdade”, conforme o tempo de maturação daquela mídia como controladora do fluxo de ideias.
Note este trecho:
“Quando Descartes se lançou à reconstrução da filosofia, o seu primeiro passo foi (teoricamente) permitir o cepticismo e abolir a prática dos escolásticos, em procurarem na autoridade a última fonte de
verdade”.
Tal afirmação parte da ideia de algo evolucionista, de que até aquele momento a humanidade tinha sofrido aquela opressão e finalmente teríamos, a partir dali, um novo movimento, como se tivéssemos superado uma etapa humana, mas acredito que não é superável, é cíclico.
Arrisco a propor de que as mudanças nos ambientes cognitivos criam ciclos de controle e descontrole de ideias e isso vai marcar os ciclos filosóficos.
Quando temos um aumento de controle das ideias, de retração, necessariamente teremos um forte movimento de reforço das autoridades e todo o movimento filosófico que virá depois, será meio Descartiano (naquilo que ele tem de questionador). Ou seja, de questionamento da fé e da crença nas autoridades por respeito, baseado na emoção e a procura de uma racionalização do pensamento, procurando reinterpretar as “verdades” impostas por uma dada ditadura cognitiva.
- O ciclo renovador é sempre racionalista.
- E o conservador mais emocional, que aposta nas imagens vazias da tecno-ecologia passada, que foi, aos poucos, perdendo o significado do discurso em função do controle das organizações sobre os indivíduos.
A duração de uma mídia controladora das ideias, ao contrário, tenderá a nos levar para um movimento emocional da confiança nas verdades pelas autoridades, como estamos vivendo agora, o que nos levará a movimentos “Descartianos” de questionamento ás autoridades.
É um ciclo anti-autoridade e pró-autoridade na sociedade, conforme o momento das revoluções cognitivas. Assim, apesar de mudanças radicais que temos no modelo do pensamento, ele não é evolucionista, mas além de todos os micro-contextos e temperamento dos filósofos, condicionados pelos ciclos de controle e descontrole de ideias.
Dessa maneira, é preciso questionar os conceitos de modernidade e pós-modernidade, que marca a construção da história da filosofia baseada em critérios de filósofos aéreos (ver mais aqui).
Nada há de terreno nessa divisão.
A filosofia e o pensamento humano, como temos visto na Antropologia Cognitiva, são fortemente marcados pela contração e expansão das ideias.
É possível rever toda a história, a partir desses movimentos, alterando a consciência, um pouco o que diz Hegel, ao defender a ideia que a consciência é história, sim histórica e variável, conforme as tecnologias que temos para ajudar nosso cérebro a se expandir.
Que dizes?
[…] Essa visão é – apesar de estarmos em pleno século XXI – resultado do que estamos chamando de “ditadura cognitiva e seus efeitos“. Diferente do que achava antes, não vivemos evoluções filosóficas, mas períodos de controle e descontrole de ideias, o que nos leva a uma visão não evolucionista do pensamento humano, detalhei mais isso aqui. […]