A encruzilhada filosófica do século XXI passa pela relação do ser humano com a tecnologia. Temos duas vertentes que nos levam PARA ESTRADAS COMPLETAMENTE DIFERENTES: a de uma espécie natural que usa a tecnologia a seu bel-prazer e a Tecno-espécie, na qual a tecnologia exerce mutações constantes na espécie, muitas que não temos controle.
Temos um sério problema filosófico diante de nós, que se desdobra em um grande desafio teórico e, por sua vez, nos leva a questões metodológicas graves, pois o cálculo de cenário do futuro pode conter um erro grosseiro, ao dar uma nota muito baixa para as tecnologia no geral e nas cognitivas em particular.
(Sim, a filosofia, quando está voltada para problemas, não é algo que não tem repercussão nas nossas vidas!)
A encruzilhada filosófica do século XXI passa, assim, a meu ver, pela revisão da relação do ser humano com a tecnologia.
Já que podemos colocar o seguinte embate:
- A tecnologia é neutra – que é a visão hegemônica do século XX: nós fazemos dela o que quisermos para o bem ou para o mal;
- A tecnologia é parte integrante da espécie – que é a visão que proponho para a revisão do século XXI: somos uma espécie simbioticamente tecnológica, vivendo contínuas mutações em nós e quando há determinadas mudanças tecnológicas (principalmente cognitivas) a espécie entra em mutação radical, alterando primeiro a sua plástica cerebral e depois a tecno-economia, a tecno-política e, por fim, a tecno-sociedade.
É comum questionamentos do tipo: E a questão do poder? E a questão do dinheiro? E a questão da exploração do homem pelo homem?
Eu responderia que temos que falar agora do tecno-poder, do tecno-dinheiro e da tecno-exploração do homem pelo homem, demonstrando que tudo isso é TAMBÉM fortemente regulado pelas tecnologias, que interferem nesse cenário de forma muito mais ativa do que imaginavam os teóricos do século passado.
Não está se querendo aqui matar outras forças (e as teorias que as analisam), mas apenas problematizá-las com os efeitos tecnológicos, pois estes são FORTEMENTE subdimensionados!
Disso se desdobra:
- Quando se analisa o futuro baseado na visão da neutralidade tecnológica olhamos para a sociedade e acreditamos que mudanças estão ocorrendo, a partir das “redes sociais” (não acho esse conceito eficaz) farão mudanças importantes, mas nada que modifique a fundo cenários e planejamentos estratégicos, pois a sociedade seguirá um curso contínuo.
- Quando se analisa o futuro baseado na visão da Tecno-espécie, da tecnologia e humano como uma simbiose em constante mutação, começamos a ver um horizonte completamente diferente, a partir das “redes sociais” com profundo impacto no cenário e nos planejamentos estratégicos, pois Tecnologias Cognitivas são disruptivas e provocam profundas rupturas.
O primeiro cenário é de continuidade e o segundo de profunda ruptura. Não há muito o que se discutir. Um vai para o polo norte e outro para o sul.
Sem perdão!
Como é algo muito longe um do outro é que se pede um certo tempo de reflexão antes de comprar a sua passagem!
Nada, absolutamente, nada do que tenho trabalhado dito, desenvolvido nas minhas teorias pode ser compreendido se essa questão da Tecno-espécie não for profundamente discutida.
Muitos dirão – e já ouvi isso por aí – de que AGORA sim com tanta tecnologia ao nosso redor, estamos vivendo uma EXCEPCIONALIDADE na nossa história e temos que começar a encarar as tecnologias mais a sério.
Pouco eficaz!
Isso é uma forma de não querer revisar o passado e a base filosófica do Século XX, que nos colocava com uma ESPÉCIE NATURAL, que usa/usava as tecnologias, de forma boa ou ruim, a nosso critério.
Nós não somos uma espécie como as outras, pois quando em uma caverna lá no passado jogamos todas as nossa fichas na capacidade cognitiva de criar próteses para solucionar nossos problemas – e fazer disso o nosso diferencial evolutivo, nos definimos como algo COMPLETAMENTE diferente dos demais.
(Veja o debate que fiz sobre este tema na Turma Básica da Iplan no vídeo abaixo.)
O que temos de novo no Século XXI não é essa mudança humana que está acontecendo agora por que temos MAIS TECNOLOGIA. Sempre fomos uma Tecno-espécie.
O que há de novo é o aumento radical da complexidade demográfica nos últimos 200 anos, que nos faz ter mais e mais uma sofisticação cada vez maior da nossa tecno-sociedade. Isso somada à radicalização da globalização, a formação de megalópolis e o aparato de trocas que criamos aumenta a taxa de viralidade tecnológica, gerando uma mega-pandemia universal sem controle.
Isso é novo!
Tal cenário nos leva mais e mais a reduzir tremendamente a velocidade da chegada à massificação e os efeitos das novas Tecnologias Cognitivas (as mais potencialmente disruptivas), o que faz com que os fenômenos sociais que eram mais invisíveis passem a ser mais visíveis, já que o impacto que era sentido depois de várias gerações, agora ocorrem na mesma diversas vezes.
Ou seja, a percepção da Tecno-espécie agora é muito mais evidente, porém lá atrás quando levamos milhares de anos da invenção da linguagem até a escrita e conseguimos diversos avanços, as tecnologias já estavam em nós e por nós simbioticamente, mas os efeitos das mudanças eram de longo prazo, o que nos dava a falsa impressão de espécie natural e de tecnologias neutras.
Eram apenas mais invisíveis, mas eram agentes de mutação, como são hoje, mas com efeito de longo prazo.
Por fim, defendo que não se trata de um “endeusamento” da tecnologia, pois longe de mim achar que foi ela que foi para as ruas o ano passado aos milhões no Brasil.
Defendo que tecnologias – hoje e sempre – principalmente as cognitivas modificam áreas do nosso cérebro e que provocam mutações mais ou menos radiciais na espécie.
Assim, na ordem teríamos:
- – massificação de novas tecnologias cognitivas;
- – uma nova plástica cerebral;
- – uma demanda por novos modelos de organização, a partir dessa plástica cerebral;
- – um novo ambiente que permite que essa nova plástica entre em ação e possa se disseminar.
Vou radicalizar ainda mais.
Pressinto que o cérebro dos garotos que foram para as ruas ano passado já não conseguem mais respeitar as autoridades atuais, pois a nova plástica cerebral interfere na relação seguidor-seguido, que era uma no mundo oral-escrito e será outra no mundo digital.
Essas mutações inconscientes e sem controle nos fazem conviver com uma nova espécie, que já está aí, com uma plástica cerebral mais rebelde, que exige mudanças sociais.
Trata-se de uma plástica cerebral procurando um modelo de tecno-sociedade que a represente!
Ou seja, acredito que a Revolução Francesa, por exemplo, se inicia com a Revolução da Plástica Cerebral iniciada em 1450, que vai criando um novo desrespeito pelas autoridades vigentes, em função do papel impresso, que vai desregulando algo dentro de nós e que depois, mais adiante, esse cérebro, que tanto procurou, acha, enfim, um novo modelo mais adequado e mais compatível com a chegada da República.
Você tem todo direito de discordar de tudo isso, mas o dever de problematizar estas questões se tem ou quer vir a ter alguma influência em decisões futuras.
É isso, que dizes?
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[…] passamos pela encruzilhada filosófica do Século XXI e admitimos que somos uma […]
Excelente artigo!
Tinha escrito um comentário grande, concluindo o que comentei no Facebook, mas dei reload sem querer na página e perdi o texto…=/
Vamos fazer o seguinte: conversamos ao vivo na semana que vem e, se você quiser, eu reescrevo o comentário, ok?
Abs!