Não é possível que o país de Paulo Freire não consiga criar uma pedagogia que ensine de fato as crianças – Edmar Bacha;
Galera, continuo nessa discussão da futura escola que anda pingando no blog de diversas maneiras, a partir das palestras do Santo Inácio.
Temos um debate fundamental, conceitual, filosófica de fundo, que já abordei um pouco aqui.
Mas vamos recolocar de outra maneira a questão.
Conhecimento para a maioria é fim em si mesmo.
Quanto mais conhecimento, melhor será a pessoa.
Quanto mais ler, mais estará “pronta” para o mundo.
É o conhecimento bancário (Freire), acumulativo, quantitativo.
Quanto mais sei, sou.
(Bom lembrar que Hitler tinha uma biblioteca de 36 mil livros, o que mostrou que conhecimento nem sempre nos torna melhor, caindo por terra uma corrente iluminista que acreditava no mito de quanto mais eu leio, mas sábio sou.)
Para outros (onde me incluo) conhecimento deve ser meio.
Quem geralmente vê conhecimento em si mesmo, não leva em conta que nosso cérebro é uma arma competitiva para sobreviver e viver melhor.
É a velha corrente da Rapunzel, que vai ficar lá no alto da torre, olhando o pessoal lá embaixo pedindo para que jogue a transa.
(Seria essa a torre de marfim perdida?)
“Joga a transa do conhecimento, Rapunzel!”
“Quem eu? Não, fica aí embaixo que a vida me enoja!”
Diz ela, com cara de poucos amigos e amigas.
E volta para seu auto-estudo-beco-sem-saída!
Porém, tem outra turma, que volta ao princípio do princípio.
Adão mordeu a maçã da árvore do conhecimento, pois sacou se não parasse para pensar não saía daquele paraíso chato e sem graça. 😉
Sem conhecimento, o homem seria hoje apenas ossos há muito digeridos na barriga de tigres e leões – uma espécie prá lá de extinta.
Desenvolvemos o cérebro por uma questão de sobrevivência para quebrar coco, para fazer fogo, a roda e inventar o Twitter. 😉
Desse povo que acredita que conhecimento é meio para o homem avançar no mundo, nos dividimos em dois times.
O primeiro mais cheio de curvas, que gosta de dar uma volta em Florianópolis para ir da Barra à Ipanema.
E o que querem chegar mais rápido, de maneira mais eficaz, produtiva e barata.
(Não confundir isso com preparar para o “mercado”!)
Se ensinamos assuntos – como na escola hoje – pode-se resolver problemas, mas é um processo mais lento e caro.
E tem como efeito colateral – a alienação e a falta de motivação.
O que não quer dizer que valha para todos, mas para a grande maioria.
O mundo hoje pode gastar tanto e ser tão ineficiente separando o mundo por assuntos?
Ou temos o caminho mais direto?
É uma questão de método (de ensino.)
Mostra-se os problemas e vamos juntando os assuntos necessários para resolvê-los.
Neste caso, desenvolve-se a parte do cérebro que resolve problemas, a linkadora, a criadora, a articuladora, num mundo cada vez mais em rede e com excesso de informação.
Nesta, o senso comum é wiki, criado, inventado, mudado o tempo todo.
É uma escola criativa, mutante, em que todos aprendem, incluindo o professor.
Uma escola 2.0, em rede colaborativa.
Ou valorizamos a atual?
Nela desenvolve-se principalmente a parte do cérebro memorizante, aguardante, consolidante, num mundo que precisa inovar?
Uma escola em rede hierárquica?
Nesta, o senso comum é um substantivo, uma coisa, parada, moldada.
(Que, aliás, é a lógica da gestão de conhecimento. Juntar para depois criar, quando der.)
Uma escola doutrinadora.
E aí dirão os mais conservadores:
Mas não é esta a escola que formou nossos filhos e netos?
Sim, mas o mundo não saltou de 1 bilhão de habitantes para 8 bilhões em 200 anos?
E não se conectou mais?
E não se globalizou?
E não ficou mais complexo?
Esta escola ajuda a resolver nossos novos dilemas em rede?
Caiu a seguinte ficha esta semana.
O ensino por assunto e hierárquico – é um meio de ensinar.
O ensino por problemas em rede; outro.
Cada um serve para determinado ambiente.
Dão resultados, sem dúvida.
Mas a questão toda é que a escola por assunto, newtoniana, foi criada para um mundo de 400 milhões de habitantes, espalhados em civilizações separadas, na qual um índio matava um macaco e ia para casa dormir.
Hoje, mata-se o macaco e no dia seguinte está no Twitter, no Facebook, o Grenpeace está na porta protestando e um fiscal do Ibama já vem com a multa.
Pois um macaco está dentro de uma rede ecológica, hoje concebida e preservada!
São 7 bilhões conectados com celular no bolso e vontade de intervir na mão.
Ou seja, interconexão civilizatória, mundo chato, plano, complexo e lotado.
Quantas decisões um índio tomava por dia?
E quantas temos que tomar hoje?
Centenas cada uma mais complexa e com mais implicações, vide macaco.
Mas temos que ver qual é o mais adequado para cada civilização, já que estamos migrando de uma “A” para outra “B” com a chegada da rede digital colaborativa.
O primeiro método, por assunto, é mais lento e caro.
O segundo, por problema, mais dinâmico e barato.
O primeiro serviu a um mundo estático, na qual a escola era instituição doutrinadora e mantenedora do status-quo.
O mundo hoje não pode mais perder tempo em doutrinar, pois precisa criar e se reiventar o tempo todo.
A boa escola antiga não serve mais ao sistema.
Doido? Pois é.
Sim, este mesmo que chamamos de capitalista.
O mundo fala hoje em criatividade destrutiva.
Estranho né?
E por isso, por baixo, pelos novos alunos que entram, que vão virar professor.
E por cima: pelo desejo de quem coloca os filhos na escola e quer um estudante adequado ao ambiente produtivo da vez.
E ainda mais do alto: o setor produtivo que precisa de gente que saiba tomar decisões cada vez melhor e mais rápida, articulando mundos de informações divergentes e espalhadas!
Finalmente, a escola vai mudar!
Pois a sociedade começa a olhar para a escola e pensa:
Olha o monstro que criamos?
Hoje tudo é complexo.
Até pedir café que vamos tomar (descafeínado? com adoçante? com grão árabe ou colombiano?)
(Um primo meu contou, quanto estive lá, que em Vancouver se sabia se o cara era da cidade pelo tempo que levava para pedir um café; quanto mais, mais era local. Quanto menos, mais gring0.)
Ou seja, a escola está caindo de madura, pois mesmo aqueles que acreditam no conhecimento como ferramenta, parte da premissa antiga: temos tempo para formar e o cara se vira depois.
Hoje, o garoto já nasce com um Ipod no ouvido, antes do médico dar uma palmada, e já tem saber se baixa Axé ou Rock Progressivo? Atualiza a ROM ou deixa do jeito que está?
O paradigma é outro.
O cérebro é flutuante e linkante.
A escola devia ser asa delta e é âncora.
Algo vai entrar (como já está entrando) em choque.
Por fim, para fechar o caixão desse post que já tá longo.
O problema da ecola, a meu ver, é o problema de custo/benefício para a civilização atual.
E as implicações indiretas, motivação dos agentes envolvidos (professores /alunos / família/sociedade.)
Me digam se na escola atual existe vida e movimento?
Está lenta, chata, cara, improdutiva.
Professores e alunos alienados, estou mentindo?
(Li, coloco depois, não sei onde, que quanto menor a nota do Enem, mais o candidato quer ser professor. Triste, não?)
O conhecimento cada vez mais mutante circula em outro tempo e a escola tem que se ajustar a ele.
Quanto mais cedo uma criança aprender a lidar com problemas e decisões, agregando assuntos e pessoas para resolvê-los de forma holística, ética e ecológica, melhor!
Essa é a mudança que está aí.
E que vai exigir uma nova escola na virada de uma civilização para outra.
Hora de mudar!
Concordas?
Muito bom, bem sacada a mudança da escola hierárquica para em rede… Realmente tudo se encaixa. Se estamos vivendo um momento de rede globalizada, para o mundo funcionar melhor, tudo tem que migrar para esse conceito tb. Os alicerces da sociedade é um reflexo da organização da própria sociedade, pelo menos deveriam ser.
O que vejo é que a teoria da cauda longa está chegando às escolas. Não acredito que a maioria da população precise de uma educação diferenciada hoje, mas já vemos surgir pequenos pensantes que não se adaptam mais à estrutura atual de ensino.
A questão é que nem a escola e muitas vezes nem os pais estão prontos para essas crianças-agentes-de-mudança, e mais… Será que surgirão escolas específicas para essas crianças? Eu nunca fui muito fã do construtivismo mas minha visão era como aluno, agora acredito que posso ter um outro olhar e talvez seja a solução temporária… Mesmo porque, logo logo aparece outra geração que precisará de outros métodos. 🙂
E eu fico aqui, lembrando do pessoal da UNE lutando pela Reforma Universitária e hoje já acho que é uma perda de tempo gigante… Gastando esforços para manter a mesma estrutura, quando a galera lá que nem pensa em faculdade ainda tem outras necessidades.
Lucia e Vinicius,
a ficha que caiu é essa: a escola foi boa, mas passou.
Lembra a frase:
Acredito que a escola entra nisso.
O mundo mudou e – a escola que é um ambiente de suporte ao mundo – tem que mudar.
Não mudou antes, pois o sistema não queria.
Agora, quer.
Vejamos os próximos capítulos…
Bjs e abraços,
valeram visitas e comentários,
Nepô.
O tema escola 1.0 é tão provocativo que preciso me conter para não ocupar muitas linhas.
E isso porque ainda nem abordamos as possíveis variações de ESCOLA privada e pública.
Faço um recorte, então.
Em nenhuma das duas o PENSAMENTO é exercitado, provocado ( se nos permitem uma generalizacão).
Ilustro um exemplo do exercício de pensar com crianças.
Ao realizar um trabalho audiovisual com crianças e professores da Educacão Infantil, precisávamos gravar os áudios que seriam combinados com as imagens criadas por elas. Tratava-se da história da Chapeuzinho Vermelho, escolhida pelo grupo ( 5 anos de idade) para ser encenada, fotografada, ilustrada e transformada em uma vídeo fotonovela.
A primeira ação da história identificada pelo grupo era o pedido feito pela mãe da protagonista para que levasse uma cestinha de comida para a vovozinha que morava na floresta perigosa onde, provavelmente, existia um lobo (conclusão das crianças).
Como não queríamos que as falas fossem estereotipadas, decoradas, solicitamos às crianças que inventassem como elas diriam a fala de cada personagem.
No momento de gravar a fala da menina que interpretava a mãe da Chapeuzinho, ligamos o gravador e ela nada dizia.Depois de alguma insistência para que ela falasse, finalmente ela se pronunciou e disse indignada:
– Por que a mãe não foi levar a cesta da vovó em vez da Chapeuzinho?
A partir dessa pergunta interrompemos as gravacões e junto com aquele grupo de 14 crianças mergulhamos em uma discussão maravilhosa.
Pausa para pensar alto (e juntos), isso é muito bom! Deve começar lá na Educacão Infantil e nos acompanhar por toda a vida.
A ESCOLA está dando espaço/tempo para o pensar (alto e silencioso) juntos?
Monica, sua história é maravilhosa…
Sempre achei a mãe da chapeuzinho vermelho um caso de polícia…
Hoje, ela chamaria o boytime para entregar 😉
valeu a visita e comentário,
Nepô.
Estou lendo Daniel Bell, “O advento da sociedade pós-industrial”, e na página 195, captei essa pérola:
Acho esse argumento maravilhoso para abrir debate com os professores.
Acrescentaria ainda a ideia do Lévy de que vivemos agora em um mundo que todo nós não exerceremos mais a nossa profissão do jeito que a iniciamos.
Pergunta-se: não é um crime o que estamos fazendo com as nossas crianças nas escolas paralisantes?
Me digam
Nepô.
Já fiz esse desabafo no meu blog. Neste desabafo eu falo sobre como acho que a faculdades (escola, etc…) deveriam ser. http://www.buscandonainternet.com/2008/05/i-have-dream_29.html. Até me atrevo em pedir que os colaboradores deste site, desculpe Nepo, possam ir ao post e façam os seus comentários. Também seria de muita importância nepô que vc o pudesse fazer. Tudo o dito aqui sempre achei que já deveria ter acontecido. Minha geração passou muito tempo ouvindo dos universitários da época que faculdade isso faculdade aquilo e hoje vejo faculdade nada. Abraços.
E de assustar o descompasso entre escola e mundo. Tenho uma amiga que ensina em uma grande escola tradicional de Salvador. Uma vez ela tentou implementar uma dinâmica de criação de textos via blog, criando blogs coletivos para os alunos exporem e comentarem textos um dos outros. A iniciativa passou por grandes problemas com os coordenadores que não conheciam o suporte e muito menos o meio tecnológico. No final, a experiência foi muito positiva para os alunos, mas não se repetiu nos anos seguintes. Medo da tecnologia?
Ainda pior: nesse semestre fui chamado para dar uma palestra sobre Tradução, mercado e academia, na graduação em Letras da UFBA. Fiquei espantado com o baixo nível de informação sobre coisas básicas como Google, redes sociais e formas de interação. Há também uma resistência e, em parte, um medo sobre como usar tanta coisa. Mas esse é um pensamento equivocado. Basta criar as experiências certas para os alunos entenderem que as ferramentas são complexas, mas não foram feitas para serem usadas apenas por usuários super avançados.
É muito assustador perceber que não só os muros da Escola 1.0 precisam ser urgentemente derrubados, mas os da Universidade 1.0 também. O descompasso entre o aprendizado e o que acontece no mundo continua cronicamente piorando. Hora de mudar!
“Boa parte das empresas morre não por fazer coisas erradas, mas por fazer a coisa certa por um tempo longo demais – Yves Doz”. Acho que passa muito tempo fazendo coisas da mesma forma, e as coisas boas também. a outra é achar que só se cresce acertando, pelo contrário, só se cresce errando. O problema também é que o cerne do compartilhamento que se vê/ouve muito discutido na área do conhecimento, deve ser adotado em tudo: empresa compartilhada e não de um só dono. escola compartilhada e não sendo dirigida por um, ensinado por outro, etc… Se apenas um deter um determinado objeto de desejo apenas esse determinará o que deve ser feito.
Quando faço a minha palestra eu não me furto de falar a verdade pros ouvintes, por que a palestra é dada em Faculdades daqui do DF. Não economizo em dizer que a faculdade não me encantou, que temos muitos professores que não ensinam, e são muitos não são poucos não. O MEC exige mestres ensinando e os mesmos não ensinam nada. Saiu uma reportagem aqui no Correio Braziliense dizendo que o MEC fez uma pesquisa e constatou que 35% das faculdades não tem em seus quadros os profissionais que são exigidos compor o corpo docente, não existem mais. Afirmo eu: 35% é pouco, gira em torno de uns 60%, sabe por que? Por que até pra ensinar em faculdade no Brasil vc não precisa ser competente, vc só precisa de QI (quem indique) e QM (quem mantenha). Infelizmente tenho que usar palavras dos comuns pra expressar minha indignação com o quadro do ensino em geral nop Brasil. E o pior de tudo, há uma discussão hoje de que o problema do ensino é que o fundamental não temsido focado nos governos, que quem mais tem investimentos são as faculdades. Posso até concordar com isso, mas então me digam o que temsido feito com os investimento snas faculdades?
João e Ernesto, acredito que agora mais do que saber que tem que mudar é saber como mudar. Foi o que percebi nas minhas palestras.
João, li o seu texto, gostei a ideia de uma convenção permanente é boa.
Isso exige muito equilíbrio.
abraços,
Nepô.
Arrumando a poeira aqui, achei esse texto antigo do Dimenstein, que complementa bem a discussão:
De volta para o futuro
http://aprendiz.uol.com.br/content/hidritroch.mmp
Destaques em negrito:
A leitura mais detalhada da pesquisa do Ibope reforça o que o Datafolha já tinha detectado sobre os jovens -aliás, uma conclusão encontrada numa pesquisa feita pela MTV.
Diante de tanta informação, cresce cada vez mais a confusão e, logo, a demanda por orientação para se saber o que é relevante. A escola não terá função se os professores apenas repetirem conteúdos, isso pela simples razão de que se pode encontrá-los em qualquer hora e em qualquer lugar, devidamente interativos. O bom professor será um gerenciador de curiosidades -e ele próprio terá de ser um curioso.
Esse é o principal recado do Enem, o resto é detalhe. Ninguém lerá um jornal impresso se estiveram apenas reproduzidas as informações no dia anterior. Assim como já não se compra um CD porque se pode baixar a música pela internet. Em essência, o que se está demandando é mais qualificação da mão de obra, só isso.
Tenho colecionado levantamentos feitos com jovens mostrando a dificuldade de se adaptarem aos empregos pela inabilidade em focar, aprofundar e sintetizar. Estudos de psicólogos de Harvard definem como uma das principais habilidades contemporâneas a capacidade de síntese o que, traduzindo, significa saber o que é relevante.
Bom, né?
[…] (Veja mais a polêmica do conhecimento como um fim em si mesmo.) […]
Mais um dado para o cenário:
Há apenas meio século, a maioria das empresas permanecia na lista das 500 maiores por 65 anos, hoje sobrevivem por cerca de dez – dados da Consultoria Standard & Poors – Luc de Brandabere.
Um mundo que muda…
Bom, eis um bom exemplo do que seria um ambiente no qual os nossos filhos irão entrar:
http://www.portaldoeconomista.org.br/noticias/a-inovacao-destruidora.html
No artigo, destaco:
Existe algo, contudo, que chama a atenção nesta trajetória e nesse afã de assumir risco, de aprender com as tentativas e os erros, com os sucessos e os fracassos, de questionar a ordem estabelecida e a autoridade, de apostar definitivamente na dissonância cognitiva.