Vimos aqui o problema do “cérebro indutivo”.
O problema na América Latina hoje é que esse cérebro indutivo se acostumou a uma vida de consumo graças ao modelo da livre iniciativa, inventada nas revoluções liberais de 1800.
Muita gente confunde a livre iniciativa com capitalismo e capitalismo com concentração financeira, ganância, incentivador de pobreza. É o caminho mais fácil, mas não o mais eficaz.
(Eu chamo capitalismo de empresismo e não vejo nada no horizonte melhor do que esse modelo, precisando de fortes ajustes com a chegada da Revolução Cognitiva.)
Há um problema que toda espécie animal enfrenta no mundo: sobrevivência.
Quanto mais complexidade demográfica temos em uma espécie, mais sofisticado terá que ser o seu modelo de governança para que possa resolver o problema básico da sobrevivência.
Minha tese é de que mais complexidade demográfica pede necessariamente mais descentralização do poder e da produção, através de aumento de autonomia do cidadão/consumidor para enfrentar as crises cada vez mais sofisticadas.
Assim, temos que analisar o mundo e nós no planeta como uma espécie que precisa a cada dia se alimentar para chegar no dia seguinte.
Essa complexidade diária e inapelável será a base de todo o ambiente produtivo.
A saída que nossos ancestrais inventaram é a criação de um modelo descentralizado, em que cada um cuida de uma pequena parte do problema da complexidade, através do seu próprio negócio, motivado por alguma coisa, que chamamos de lucro (mas pode mudar).
O problema é que, como disse antes, nosso cérebro se acostuma com o que é natural e passamos a achar que várias conquistas da humanidade são dela mesmo, tais como podermos consumir produtos e serviços quando quisermos.
Isso foi inventado e construído ao longo dos últimos 200 anos.
Há, com o costume, o que podemos chamar de “invisibilidade da livre iniciativa”.
Ou seja, tudo o que temos nos parece natural e nos dá a falsa ilusão de que tudo que fizermos contra os problemas do mundo, podemos contar com os resultados da livre iniciativa, pois elas são “naturais”.
A livre iniciativa não faz propaganda dela mesma, pois ela é muito pragmática e tem outras coisa a se dedicar. Porém, é fácil que um conjunto de pessoas, que não TEM A RESPONSABILIDADE DE MANTER A RODA GIRANDO possam ver as injustiças, que sempre existirão, e considerar que o problema da sociedade é da livre iniciativa, pois tudo que ela produz, o seu mérito, é invisível.
Assim, começamos um processo de achar que vamos resolver os problemas da sociedade, esquecendo que boa parte dos problemas que foram superados depende fortemente da liberdade de produzir, que a livre iniciativa permite.
O processo é danoso, pois começamos a ir contra uma das grandes invenções da modernidade, que nos permitiu salta de um para 7 bilhões de pessoas no mundo.
E entramos em um processo de passado, quando, justamente, agora é o momento de aperfeiçoar a livre iniciativa, descentralizando-a mais e mais, a partir das novas tecnologias disponíveis de produção e participação colaborativa.
É quase como se estivéssemos, depois de vários anos no mar, chegando a uma praia e uma onda nos levasse para trás, ainda mais longe da areia.
Ao longo dos últimos anos, a livre iniciativa se preocupou em produzir, mas não fazer propaganda de seus méritos, que pareciam implícitos, quando um conjunto grande de pessoas não vinculadas e não comprometidas com o setor produtivo, fez um efetivo trabalho contra essa invenção.
Hoje, colhemos o preço dessa campanha vazia de propostas, mas de fácil difusão.
A livre iniciativa virou vilã das injustiças do mundo.
O grande problema é que esse erro de diagnóstico nos levará, como já está levando, a crises em que milhões de pessoas entenderão que, em nome de melhorar, tiramos uma carta fundamental do castelo de carta que é a base do estado moderno.
Sairemos de tudo isso muito mais tecno-liberais, resta saber em quanto tempo e qual será o valor do sofrimento a ser pago.
Veja um áudio que fiz sobre este tema: