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Versão 1.1 – 23/07/2013

mascaras

  • Quando Moisés desceu com os 10 mandamentos debaixo do braço, encontrou seu povo adorando o bezerro de ouro.
  • Quando Lutero releu criticamente a bíblia e resolveu interpretá-la de forma diferente da Igreja, viu que os santos não faziam sentido. A Reforma Protestante, a partir de 1500, na Alemanha, promoveu a destruição (literal) das estátuas. Não há símbolos até hoje nas igrejas luteranas. (Veja o filme.)
  • Quando os jovens no Brasil tomaram as ruas em junho de 2013  dirigiram sua raiva para os atuais símbolos de poder (os palácios, os bancos, as lojas).

Em todas situações que um símbolo obsoleto não mais representava um novo momento, a partir de uma nova tecnologia cognitiva.  Tudo isso faz parte do questionamento dos símbolos do poder e de status, ambos interligados, mas que não se conseguia ver o papel da tecnologia nesse questionamento.

Podemos, seguindo a linha dos filósofos contemporâneos como Foucalt e Bourdieu, superar a visão mais simplista  de poder de que há apenas uma separação entre aqueles que são donos dos meios de produção e os que não são.

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Tais autores (devem haver outros ainda não encontrados – ajudem) trabalham com a construção do poder em cada organização humana, independente sistemas políticos-econômicos, que se estabelece por elementos simbólicos.

Bourdieu defende o conceito de capital simbólico (veja os filmes e ganhe tempo)  e Foucalt toca no assunto quando aborda a microfísica do poder (veja os filmes e ganhe tempo).

Podemos imaginar, assim,  que toda a sociedade precisa de autoridades – aqueles que são autores – que tem não só o poder central, , mas todos os outros em torno dele nas diversas organizações sociais, responsáveis por tomar as decisões por nós e regular as fluxos das trocas, sejam elas tangíveis e/ou intangíveis.

O problema não é tê-los, ou não, mas como tê-los, regulá-los e fazer com que tenham mais princípios coletivos do que individuais, melhorando a  narrativa  que justifique seus atos.

Estas autoridades, sejam elas macro ou micros, constituem uma grande teia de poder, que se estabelece em toda a sociedade (em todas elas) e cria, de forma mais ou menos aberta, o seu modus-operandi.

Nossa capacidade de sermos sociedades mais ou menos eficazes depende da qualidade das nossas autoridades, que se expressam em narrativas que criam para se estabelecer no poder, através de uma taxa de aparência, que está mais próxima do que se diz com o que se faz. E do que se faz por interesses mais coletivos e/ou individuais.

Cabe a este enorme conjunto de autoridades estabelecer com mais capacidade de participação e influência as regras:

  • – de funcionamento social;
  • – do método de ascensão de um cidadão não-autorizado para um que seja autorizado, através dos critérios de ascensão, eleições, concurso, contratação, etc;
  • – de definição do que é de fato “verdade” aeita, através do controle do fluxo das ideias, tais como revistas acadêmicas e meios de comunicação de massa.

Tais autoridades se mantêm em seus cargos e funções de três maneiras, com taxas distintas de convencimento sobre a sociedade:

  • pela força – que elimina normalmente a circulação de pessoas e ideias, evitando a voz dissonante, sem narrativa;
  • pela alta taxa de controle dos fluxos das ideias – que estabelece a circulação das ideias, mas de forma quase unidirecional, com uma baixa qualidade de narrativa , que procura vencer pela repetição e pelas técnicas do marketing político/social;
  • pela baixa taxa de controle dos fluxos em multicanais – que permite uma sociedade mais rica de diálogos e de construção/reconstrução com uma taxa  mais alta das narrativas, na qual se procura vencer pelos argumentos, em vários canais de participação.

Ao analisar todas as sociedades, podemos perceber diferenças de qualidade de narrativa das autoridades em uma democracia mais amadurecida, tal como a Finlândia, Dinamarca e o Brasil, por exemplo, que são elementos que podem (e já são) estudados pela sociologia e a política.

Porém, há um fator tecno-condicionante, além das teorias política/sociológica atuais, que é o fator tecnológico como um elemento determinante nessa relação.

Independente da maturidade democrática, a capacidade de diálogo e conversa e de se estabelecer mais diálogo, depende das limitações das tecnologias cognitivas, pois elas define a qualidade das conversas e a taxa da qualidade das narrativas existentes.

Por mais, que na Dinamarca se estabeleça um diálogo e narrativas melhores do que no Brasil, ambas as narrativas estarão limitadas pelo modelo cognitivo de uma mídia de massa versus uma Internet, que expande e potencializa esse diálogo, afetando a qualidade da democracia em ambos os países.

As tecnologias cognitivas com suas limitações são usadas por todas as nações e o uso continuado estabelece um modelo de controle de fluxos, mesmos em países com uma qualidade melhor de narrativa. Há um fenômeno que vou chamar provisoriamente de “ditadura cognitiva”, que é o uso continuado de uma dada tecnologia cognitiva, que tem alguns aspectos:

  • a) sua limitação intrínseca;
  • b) o aprendizado pelas autoridades em usá-la que empodera a organização em detrimento do poder do cidadão.

O uso continuado, assim, vai aos poucos reduzindo gradualmente a qualidade da taxa de narrativa das autoridades, baixando a qualidade do diálogo em todas as sociedades, mesmo aquelas mais amadurecidas.

Um meio de comunicação de massa unidirecional, que permite o aumento do controle das ideias, vai, aos poucos, intoxicando a sociedade. As autoridades vão baixando a qualidade da narrativa e a população gradualmente vai aceitando.

Há, assim, um “bezerro de ouro” que vai se construindo, pois passa a se adorar cada vez mais a autoridade aparente, a celebridade construída pelo marketing, pelo bom uso do ambiente cognitivo disponível e não  por um mérito mais coletivo. Quem reconhece o mérito é sempre uma outra autoridade com algum interesse de manter o status quo. Muitos apontam os efeitos do capitalismo sobre esse fenômeno, que pode ter seu quinhão, mas estudamos muito pouco ou quase nada a influência do próprio ambiente cognitivo, suas mudanças e seus limites para fortalecer esse tipo de cenário.

É como se fosse uma espécie de buraco negro que vai atraindo, ao longo do tempo, mais buraco negro, cada vez mais fortalecendo uma falsa narrativa e se alimentando dela, criando um círculo vicioso, tornando as autoridades cada vez mais falsas, menos meritocráticas e menos representativas.

Quanto mais temos limitações nas ferramentas tecnológicas mais as narrativas da sociedade tendem a empobrecer, pois passam a ser menos controladas de fora para dentro, aumentando a taxa de aparência e reduzindo o diálogo, gerador de uma narrativa de melhor qualidade.

Não é à toa que a palavra de ordem que surge é a trans-(a) parência.  Note que a palavra transparência significa transpor aquilo que é aparente.

Assim, podemos afirmar que se temos um longo período de uma dada tecnologia cognitiva que reduz o diálogo, há um acomodamento cognitivo-afetivo por parte da sociedade e uma aceitação da baixa taxa de narrativa das autoridades de plantão. Ama-se cada vez mais as falsas autoridades, com falsas aparências, um falso amor, tornando a tomada de decisões cada vez menos eficazes, pois cria-se uma miríade do real.

(O caso típico é a crise financeira americana provocada pela falsa-regulação das adoradas agências reguladoras, que estavam, como ainda estão, totalmente controladas por quem deveriam controlar.)

As autoridades passam gradualmente a serem autoridades aparentes, ou falsas-autoridades, desprovidas de uma narrativa mais consistente.

(Vê-se isso quando o governador do Rio é perguntado sobre o uso indiscriminado do helicóptero e ele responde que o faz, pois todos fazem, não há argumentos, apenas uma narrativa superficial, que se estabelece pelo controle dos fluxos e não mais em uma sociedade mais dialógica.)

Há, assim, um falso amor, pois há que haver amor/respeito entre as autoridades e a sociedade.

Este gap entre a falsa-narrativa e a procura de uma narrativa de mais qualidade, pois tudo são narrativas, é a base do conflito entre a velha ordem impressa/midiática e o mundo jovem 2.0  do novo tecno-ambiente cognitivo.

  • Moisés desce da montanha com a tábua escrita, que questionava o oral. O Bezerro fazia sentido em um mundo sem a palavra escrita, que permitia melhorar a qualidade da narrativa;
  • Lutero  levanta na sua revolta a bíblia impressa, que questionava o oral/palavra manuscrita de baixo acesso. Os santos faziam sentido em um mundo sem a palavra escrita impressa. No filme, volto a sugerir que veja, a batalha é o tempo todo por uma narrativa baseada em argumentos e não em falsos-símbolos.
  • O mesmo acontece no Brasil, empoderado pela Internet versus as autoridades de baixa qualidade de narrativa, voltadas claramente para seus próprios interesses. Mais do que representar o egoísmo ou o capitalismo, estas autoridades representam o ambiente cognitivo passado.

Para fechar, que ficou longo, podemos dizer que há uma influência na relação da escolha e permanência das autoridades nos tecno-ambientes cognitivos, pois elas se sustentam com uma baixa qualidade de narrativa, a partir do controle das ideias que uma dada tecnologia cognitiva permitem depois de um longo tempo de uso e domínio pelas organizações de plantão.

Ao se alterar esse cenário, que se dá rapidamente com a chegada de uma nova mídia que aumenta a taxa de diálogo e a estima dos cidadãos,  a falsa-narrativa fica cada vez mais evidente. Há, assim, uma desilusão, um desamor pelos símbolos, pois se percebe a sua falsidade, daí a raiva.

Foi o que provocou muitas revoluções no passado: a incompatibilidade entre as o modelo de governança das autoridades de plantão, criadas a partir de um ambiente cognitivo, e um novo ambiente que sobe muito rapidamente a exigência da qualidade da narrativa, tornando impossível que as antigas autoridades consigam se superar.

Não é um problema do que se diz, mas sobretudo o que se acostumaram a fazer, o que Bourdier chama de hábitos sociais.

A grande dificuldade é superar essa raiva e o desamor para tentar constituir no lugar um novo modelo de autoridade, com taxa de narrativa de mais qualidade, mas isso só pode ser construído usando os mesmos elementos que o revelaram: o novo ambiente cognitivo, através do seu novo potencial, no caso a comunicação algorítmica, que não se baseará mais apenas no querer quebrar, mas no construir, o que dá muito mais trabalho e exige alta capacidade de abstração e formulação.

Este é o nosso macro-desafio do século XXI.

Mas falo disso mais adiante.

One Response to “A anatomia sociológica do “você não me representa””

  1. Fica até difícil comentar. Essa análise faz muito sentido, é muito redonda.

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