Podemos dizer, assim, que a CI com a Internet participativa está vivendo a sua primeira grande macrocrise existencial, pois os seus fundamentos básicos – e todo o trabalho que foi feito até aqui – não conseguem dar respostas suficientes para lidar com as mudanças em curso.
A necessidade da criação de uma Ciência que ajudasse a lidar com um volume cada vez maior de informação foi pressentida no pós-guerra e teve suas bases definidas 20 anos depois como uma Ciência humana (aplicada) criada para nos ajudar a lidar melhor com os ambientes cada vez mais complexos da informação e do conhecimento (BUSH, BORKO, Saracevic).
Vivemos nesse período de quase 60 anos dentro, podemos dizer, de uma “normalidade”, com alguns poucos sobressaltos, pois a tarefa de lidar com a informação, ou promover a sua gestão era feita dentro de um ambiente conhecido, milenar.
Nestes ambiente, um gestor era responsável pelos documentos e o usuário apenas um consumidor.
O gestor incluía, organizava, classificava os dados, conforme suas premissas.
Para este e em torno deste ambiente informacional fechado, que filosofamos, teorizamos e desenvolvimento metodologias e tecnologias na CI.
Tivemos, verdade seja dita, mudanças recorrentes do aumento exponencial do volume informacional e da chegada de novas tecnologias, principalmente a massificação dos computadores de grande porte, em 1940; microcomputador, a partir de 1980 e da Internet, digamos sóbria, na sua primeira fase.
Nesse processo houve necessidade de seguidos ajustes metodológicos/tecnológicos que pudesse ajudar nas atividades dos profissionais da área.
Podemos dizer que a CI conseguiu dar conta desse recado, com os tropeços normais de toda a Ciência.
A chegada da segunda fase da Internet, mais fora de contexto (podemos dizer muito louca?) na sua fase participativa, criou um impasse, pois além de uma nova tecnologia cognitiva, com suas ferramentas colaborativas e participativas, os pesquisadores da informação viram surgiu algo bem estranho e heterodoxo – que não constava do manual da área.
O que Barreto definiu como sistemas abertos da informação, no qual os usuários passaram a ter um papel cada vez mais ativo, assumindo, em diferentes modelos, em parte ou totalmente, várias funções que eram do antigo gestor informacional.
O modelo de controle e gestão dos ambientes de informação e conhecimento (tal como o Wikipédia, Youtube, Facebook, que era algo que se imagina que não podia ser alterado – mudou.
Diante destas questões, começaram a “pipocar” na sociedade um novo modelo de gestão bem distinto dos conhecidos, pois não se estava apenas mudando a tecnologia, mas a cultura dos ambientes informacionais, criando-se uma nova forma de consumir e gerir a informação.
O susto, mais do que tudo, é de que: o controle dos ambientes de informação e conhecimento mudam com o tempo. E não tínhamos (e ainda não temos) a menor suspeita dos motivos.
Eis a crise primeiro paradigmática, que nos leva a outra prática, como duas imãs siamesas !
Nestes novos ambientes:
- – um gestor deixa de gerenciar diretamente os documentos, sobre os quais tinha pleno controle de inclusão e modificação;
- – e se vê obrigado a permitir que usuários não só incluam documentos, mas os criem, modifiquem, referenciam, de várias formas.
Há, hoje na sociedade, diversos ambientes nos quais todo o modelo desenvolvido pela CI nos últimos 60 anos é pouco útil, pois as metodologias foram criadas para um ambiente que tinha um tipo de controle e não para esse novo tipo.
Não houve, assim, nestes 60 anos da CI uma mudança dessa natureza, o que justifica não haver filosofias, teorias e metodologias prontas para lidar com a novidade.
Eis o desafio da CI, recomeçar a partir de uma percepção que:
- A história da informação não é feita de continuidade, mas de ruptura;
- Que esta ruptura parte de novas tecnologias;
- Que, como demonstrou Lévy, com usa análise histórica e a comparação com outras rupturas (fala, escrita, digital) de que esse fenômeno é algo recorrente sobre o qual temos muito poucos estudos.
É claramente o que Kuhn chama de crise paradigmática: quando as antigas soluções não servem mais para os novos problemas.
Não é lógico isso?
É como se houvesse uma “traição” de um objeto tão conhecido, que, só agora, depois de 60 anos, vem mostrar uma nova faceta. Ou seja, há uma modificação do objeto (ambiente de informação) o quenos leva a procurar uma nova forma de lidar com um novo tipo de controle sobre os ambientes de informação e conhecimento, dependendo da nova tecnologia cognitiva que surge.
E nos parece que a tendência é de que estes novos ambientes de periféricos, passem a hegemônicos, ao longo do tempo, criando um novo modelo informacional ainda desconhecido.
É preciso encarar de frente esse desafio e assumir o momento da “anormalidade” da CI e aceitar que a revisão deve ser feita, pela ordem, se quisermos uma certa coerência: filosófica, teórica, para, só então procurar novas metodologias, tecnologias e a melhor formação do novo profissional para lidar com esse novo contexto.
Tal crise, nos leva de volta ao laboratório, com a necessidade emergente a recorrer de forma intensa ao lado de Ciência Pura, que Borko sugeriu existir, no qual temos que discutir, de novo, a relação do ser humano com os ambientes de informação e conhecimento.
O que nos leva a rever alguns princípios dos ambientes cognitivos, a saber, eles….:
- – já se alteraram antes?
- – quando se alteram?
- – por que se alteram?
- – o que essa alteração traz para a sociedade?
- – qual é o DNA desse novo modelo de controle?
- – e, por fim, como gerenciar esses novos ambientes para que os ambientes possam continuar gerando significado?
Tal crise existencial nos leva à uma revisão filosófica-teórica, que se desdobra:
- – aprofundamento dos estudos filosóficos teóricos das rupturas dos ambientes de informação e conhecimento na história, tal como fez Lévy, Man, Brigs, Burke, Hewitt, Masuda, Murray, Chartier;
- – necessidade de ampliação de pesquisas macro-informacionais, que tenham como foco os estudos de ruptura nos modelos de controle destes ambientes da informação na história, um novo campo de estudo encabeçado pela inglesa, Toni Weller, denominado IH (Information History).
- – até que ponto a tecnologia cognitiva é neutra e até onde ela nos condiciona?
- – se exerce uma influência, de que forma, em que medida, em que contexto?
- – o quanto somos condicionadores e o quanto somos condicionados?
Podemos dizer, assim, que a CI com a Internet participativa está vivendo a sua primeira grande crise existencial, pois os seus fundamentos básicos e todo o trabalho que foi feito até aqui não consegue dar respostas suficientes para lidar com as mudanças em curso.
Sim, é preciso um recomeço, porém com outra maturidade, já que já temos pesquisadores formados, escolas, estruturas, que podemos nos ajudar a tornar esse desafio mais viável e fácil, desde que partamos das perguntas mais pertinentes.
Mãos à obra!
Que dizes?
Nepo, artigo brilhante! Tenho me preocupado muito com essa questão e como bem diz Pierre Lévy, somos todos bibliotecários. Não cabe mais um departamento, uma biblioteca como um setor. Vejo um sistema de informação gerencial permeando toda a instituição/organização e novos processos de captura e categorização dessa informação já começam a surgir a partir de wikis, taxonomias, tags….O profissional da informaçao tem de ir nessa direção, buscando mais a liderança desse processo de organização informacional aberta onde vc tem de tratar o que é produzido internamente e externamente num ambiente colaborativo para estimular a inteligência coletiva. Repositórios ajudam e organizam, mas nào cumprem essa função.
Renate, do ponto de vista técnico o repositório sempre vai existir, pois é o espaço de armazenamento dos documentos, onde estão contidos ideias….registradas. O que temos agora é que administrar esses repositórios, no qual mais gente pode incluir, alterar, etc….e aí temos um desafio.
E esses comentários? Serão tratados e recuperados? Quem vai gerenciar esse conhecimento? Um assunto muito rico para uma boa discussão em uma aula de GC do curso de biblioteconomia, o pessoal aqui está fervendo!!!!!!!! rs
Até