Sobre os limites das topologia atual da Ciência, sugiro a leitura do seguinte artigo, que fala do impasse da Ciência atual: A XXI-century alternative to XX-century peer review.
Há em curso uma ainda incipiente, mas profunda revisão do fazer científico, que se resume em mudar o modelo atual de revisão pelos pares, que já mostra sinais de cansaço para um novo que está sendo chamada lá fora de “Open Peer Review systems” (revisão pelos pares de forma aberta).
(É bom que se esclareça que o termo open/aberto dá margem a diferentes interpretações, como ocorre como governo aberto, por exemplo. Há pessoas que entendem open peer review apenas como o fim do anonimato dos pareceristas. E há gente, que é o caso desse artigo acima citado, que propõe uma mudança no modelo como um todo, incorporando colaboração e a publicação sem nenhum parecer, que seria pós-moderado e não pré-moderado).
A defesa aqui é de um novo modelo de fazer ciência, que vai na linha do Clay Shirky, que nos leva a publicar para filtrar e não filtrar para publicar, o que muda completamente a maneira de se pensar a publicação acadêmica.
Não não existe apenas uma forma de se fazer isso, existem vários modelos de pós-moderação e antes que você ache que a ciência vai virar um caos é preciso abrir a mente para entender os atuais problemas e as soluções propostas.
Hoje, um conjunto de experiências por aí demonstram que o modelo do pós-moderado é bem eficiente, desde que seja feito por um novo tipo de profissional que conheça os macetes para evitar ruídos, vandalismos e possa construir um ambiente que gere relevância de forma barata e rápida.
O modelo dos pares se encaixa aqui nos meus escritos na metáfora do líder-alfa de resolver problemas complexos. E o novo que vou chamar de Ciência 2.0 é do formigueiro, criando inteligência de forma mais barata e eficaz, através da “comunicação química” das redes digitais.
Gostaria, entretanto, de chamar a atenção que esse artigo é uma análise de um modelo topológico de gestão que não é exclusivo da ciência. É algo matricial em todas as áreas que denota um modelo de tomada de decisões e de gestões adotado que está obsoleto.
Não conseguimos resolver problemas como esse da foto abaixo, com uma guardinha apitando na encruzilhada!!!!
Tal topologia, que é fortemente marcada pela chegada da escrita no mundo há 5 mil anos e massificada nos últimos 500 gira em torno de um líder-alfa, que decide, a partir do que consegue reunir de dados e informações.
A topologia da matilha, já disse aqui várias vezes, funcionou bem para um mundo menos habitado e, portanto, menos complexo. Com a explosão das megacidades e a chegada de 7 bilhões de pessoas sem planejamento prévio nos deu como quase única alternativa partir para imitar algo próximo da comunicação química das formigas, através de rastros digitais que aumenta a nossa eficácia, pois cada uma que passa deixa o rastro para outra que vem – eis o grande ganho da rede.
O artigo que citei acima tem o mérito de tocar o dedo nas feridas do modelo da matilha, no caso apontando os defeitos da atual Ciência, que, repito, se aplica a todos os outros. Não sugere como mudar, mas apenas mostra claramente que é preciso usar as novas tecnologias para combater velhos vícios evidentes, que tem tornado a ciência mais um espaço, entre tantos outros da sociedade, intoxicado.
Vamos ao detalhamento do artigo de Grazia Ietto-Gillies.
A autora defende que o atual modelo de aprovação pelos pares não consegue mais resolver os problemas da ciência diante da complexidade do mundo atual. A sugestão é sair do modelo de aprovação de artigos pelos pares para o novo Open Peer Review systems, que não é, no caso dela, apenas do fim do anonimato, mas de um novo modelo de publicação.
O modelo atual segue a lógica do mundo impresso, da matilha e do líder-alfa, com todos os seus impasses:
- O material é enviado para alguém;
- Esse alguém cria critérios de edição;
- Organiza todo o material, seleciona a partir de dado critério;
- Publica o que considera pertinente;
- E, no caso da ciência, através da aprovação por pares (outros pesquisadores).
O modelo funciona para jornais, revistas, acadêmicas, ou não, mas serve também para a tomada de decisões nas organizações. Alguém, com uma posição hierárquica definida pela sociedade atual, tem o poder de tomar decisões, a partir de critérios estabelecidos.
Ela levanta os problemas que nos deparamos com um modelo desse tipo com o aumento vertiginoso de artigos pedindo para serem publicados e esperando na fila:
- como avaliar que um artigo tem qualidade?
- como reduzir o custo para torná-lo público ( o que implica em um custo a mais para bibliotecas, pois têm que pagar por isso)
- como reduzir o tempo entre a finalização do autor e a leitura pelo público?
A autora lembra que a avaliação dos pares muitas vezes tira o pesquisador de sua área de interesses para avaliar o artigo de outro pesquisador, que necessariamente não é do seu interesse. O que atrasa a pesquisa do primeiro, prejudica o segundo, pois é avaliado por alguém (nem sempre de boa vontade) que não estuda o mesmo assunto.
Destaca que a leitura é feita de forma a privilegiar o que temos como nosso paradigma em mente, criando um problema para ideias inovadoras e diferentes de quem tem que dar o parecer. Pior ainda: ela aponta que esse tipo de avaliação vai criando um “modelo de pensamento” que vai obrigando os autores a seguir uma dada linha, se quiser ver seu artigo publicado.
O problema tem se agravado, segundo ela, pois mais e mais há artigos para receber o parecer, o que reduz o tempo de avaliação, tornando tudo cada vez mais superficial. Os custos aumentam e a verba que poderia ser destinada para outros fins vai toda para um processo caro de publicação, pois é preciso arcar com o custo da aprovação pelos pares, que vai embutido nas assinaturas para as bibliotecas.
O modelo dos pares, segundo ela, cria ainda critérios duvidosos de qualidade, pois o critério da escolha dos pareceristas nem sempre é tão eficiente. Cita o caso de pesquisadores mais experimentes que pedem para pesquisadores mais jovens darem opiniões. (Isso ocorre também na justiça, no caso de juízes, que vivem o mesmo problema.)
O nó, segundo a autora, mais grave é que o sistema, apesar das falhas, define a vida profissional dos pesquisadores.
- Quem consegue ser publicado em revistas prestigiadas, sobe;
- Quem não consegue, idem, idem, para ou desce.
Ou seja, cria-se um corpo que passa a definir os rumos da ciência, através de uma válvula nem sempre eficaz. Tais critérios criam assim um modelo de abertura ou fechamento de portas, o que (digo eu) cria um modelo de pensamento cada vez mais único e intoxicado que reduz a capacidade de oxigenação. Que é o problema central de uma ditadura cognitiva, que se expande em todas as áreas.
A autora lembra que uma revista de prestígio tem a rejeição de 90% de seus trabalho, o que faz com o que o pesquisador vá batendo de porta em porta com seu artigo, o que acaba o levando a se render, retirando ideias novas ou que fazem parte de sua pesquisa, para ceder ao que quer os editores, criando um modelo que ao invés de criar novidades, caminha-se para a conservação das ideias.
Quem não se rende ao modelo, vê seu artigo rejeitado, por sua vez, sua carreira pendente, com pouco prestígio. O jovem autor com ideias diferentes acaba tendo, penso eu, a escolha de sofia: ou eu mudo a minha maneira de pensar e me adapto, ou a minha carreira não deslancha.
Assim, o modelo de pares para a autora esbarra no:
- tempo de publicação, que implica pela ordem:(a) o autor pode querer estabelecer prioridade intelectual;
(b) a comunidade de pesquisa se beneficiaria de libertação antecipada de resultados e de potencial adicional desenvolvimentos posteriores à interação entre leitores e autores, além disso, algumas pesquisas pode ser muito relevante para a vida humana ou para o negócio e para a economia;
(c) para alguns acadêmicos atrasos podem levar à perda de mandato com efeitos a longo prazo.
E ainda:
- nem sempre eficaz critério de escolha dos artigos;
- e um modelo mental de pensamento que passa a ser hegemônico e seguido para quem quer seguir carreira e ver seus artigos publicados.
Neste último vou citar a íntegra:
A distorção possível de caminhos de pesquisa (…) que sob pressão para ter publicações em revistas de topo, pode ter a inclinação para trabalhar em áreas, paradigmas, estruturas ideológicas aceitáveis específica de uma dadarevistas, guiando seu comportamento e trabalho para cumprir as metas – incluindo de se adaptar aos critérios de um periódico específico – em vez de fazer avançar a investigação e ciência”.
Ou seja, cria-se uma hegemonia do pensamento.
Quem pensa igual a mim, vai adiante. Quem pensa diferente, fica por aí na periferia acadêmica.
A autora chama a atenção que novas ideias serão facilmente descartadas quanto mais o modelo persistir na avaliação de cima para baixo.
A proposta de um novo modelo 2.0, chamado aqui de procura resolver as seguintes questões de um novo modelo que:
- é mais eficiente e barato;
- reduz o período de tempo entre o fim de um artigo e o aparecimento em domínio público e, portanto, a sua disponibilidade para o público leitor em potencial;
- diminui substancialmente a probabilidade de fechar a porta de publicação às obras inovadores de pesquisa;
- elimina os textos pouco relevantes (pobres);
- juntamente com a função de avaliação desempenha uma função de interação dentro da comunidade de pesquisadores.
O novo modelo permite que obras sejam publicadas com o que sugere Clay Shirky nesse novo mundo, que antes filtrava para publicar e agora publica para filtrar, criando uma construção social, através da interação direta dos leitores (pareceristas anônimos) que ajudam a chegar nas metas acima propostas.
Outras vantagens, segundo ela:
• A abordagem bottom-up é susceptível de dar uma melhor avaliação por causa da grande número de contribuintes potenciais contra os árbitros poucos na ex-ante de cima para baixo;
• Quem vai ler os documentos pertinentes e críticas gravação tendem a ser pessoas interessadas no
tema específico e, portanto, suas críticas são susceptíveis de ser relevante;
• Os comentários convida as pessoas a revelar sua identidade ao invés do anonimato.
Se analisarmos o diagnóstico que o autor faz, iremos aplicar isso a todos os problemas que temos hoje de agências que deveriam fiscalizar, mas não tem pernas, empresas que deveriam ser inovadoras, mas não conseguem, governos que deveriam ser mais eficientes, mas esbarram nos impasses do modelo de gestão/comunicação da matilha.
É uma discussão rica que passa por toda sociedade.
É preciso dizer, entretanto, que no novo modelo não é novo e está ainda em desenvolvimento, mas é, com certeza mais eficaz do que os atuais, vide Wikipédia, que é o modelo aproximado do que a autora está propondo, de forma muito mais sofisticada.
É isso,
que dizes?