As coisas não são o que são. Mas são o que somos – Talmude- da minha coleção de frases.
Quando em maio de 68 os estudantes foram às ruas consideravam que a ideologia ia mudar o mundo.
Talvez, todo ser humano engajado com a humanidade guarde a fantasia que a sua geração, seus contemporâneos farão a diferença.
Que as mazelas do planeta começarão a ser resolvidas, a partir de agora, justamente conosco.
O que nos leva a viver uma certa arrogância ilusória.
A ideologia pura – como um motor de mudança – foi para o saco, como disse bem o Cazuza, pós-desbunde:
“Eu quero uma ideologia para viver!”.
A história mostra – conforme a interpreto – que as grandes mudanças sociais foram um misto de ideia (com apelo popular), veiculada de forma satisfatória (com as tecnologias de informação e comunicação da época), pelas pessoas com capacidade de “fazer os outros dançarem” , no momento propício.
O computador e a Internet são herdeiros do movimento cultural pós-68, pelo direitos civis e pela liberdade de escolhas individuais do parceiro sexual, às roupas, passando pela postura de vida e também o direito de publicar.
Foi o que sobrou e motivou os pais desses engenhocas a trazerem para o mundo algo novo, que revolucionasse as mídias.
A nova ilusão da vez: a revolução social, não pela ideologia, mas pela tecnologia.
Saber a importância da nova mídia para mudar o futuro é uma coisa. Outra, é achar que a mudança da mídia é o objetivo final, é outra bem diferente!
(Tenho discutido isso aqui veja post.)
Castells em “Galáxia da Internet“, diz sobre a Cultura da Internet:
” (…) é uma cultura feita de uma crença tecnocrática no progresso dos seres humanos, através da tecnologia, levado a cabo por comunidades de hackers que prosperam na criatividade tecnológica livre e aberta, incrustrada em redes-virtuais que pretendem reiventar a sociedade, e materializada, por empresários movidos a dinheiro nas engrenagens da nova economia.”
Há, entretanto, limites, fronteiras, que vamos tocando com nossos mouses.
Gostaríamos que não existissem, não gostamos de olhar para elas, mas estão ali, esbarrando nos nossos monitores.
O livro impresso permitiu que um conjunto de autores se visse livre da censura da Igreja e da monarquia.
Criamos uma indústria editorial, que passou a criar um novo filtro, não mais ideológico-teológico, mas a garantia do direito universal da expressão, desde que com apelo comercial.
- Se vende, vai.
- Se não vende, fica.
A “fazenda editorial e midiática” estabeleceu as cercas delimitadas pelo custo/benefício.
Com a rede, páginas pessoais, blogs, redes sociais expandimos, sem dúvida, estas fronteiras.
O custo despencou!!!
E tivemos a ilusão de que não haveria limites para as cercas.
Se posso publicar de graça, o mundo irá me ler!
Doce ilusão!
O problema é que existem outros fatores que se mostram hoje limitantes, novas cercas, diferenciadas do passado, da Idade Mídia, mas existentes.
- há uma limitação física cognitiva das pessoas, tanto em termo de tempo disponível e de interesse. Nem tudo eu consigo ler, ver e ouvir;
- isso significa que podemos publicar, mas corremos o risco – da grande maioria, cada vez mais – de não ser lido, visto e ouvido, levando-nos a desistir, deixando meu navio blogueiro multimídia à deriva, fantasma;
- mais: como no passado, nem todos têm algo de interessante a dizer, há bloqueios cognitivos (acreditaram em tudo que lhe contaram e repetem), além do perfil (mais tímidos, calados, receptores), como de ordem social (não tiveram capacitação para isso, até têm ideias a serem publicadas, mas infelizmente não sabem como);
Há, assim, uma nova fazenda, com novas cercas.
Um espaço mais amplo, é fato , do que na Idade Mídia ou Média, do livro impresso ou dos meios de comunicação de massa, mas com fronteiras invisíveis.
Bombam na rede, podem ver:
- Aqueles que se relacionam com algum tipo de mídia de alguma forma, os midíaticos dependentes;
- Ou os independentes de mídia que trazem realmente algo diferente pelas suas idéias, ou algo de nicho, que irá atender a uma parcela específica, não coberta pela mídia, que ou farão uma aliança com ela mais adiante, ou incorporarão essa atividade a sua fonte de sobrevivência ou aqueles poucos que resistirão até a morte, mesmo sem patrocínio.
A cerca hoje existe, mas é mais sutil, delicada, invisível.
É um muro social não de pedra e tijolo, mas controlado “por satélites”.
As pesquisas mostram que em uma lista de discussão 80% das mensagens são enviadas por 20% de seus participantes, algo similar acontece no Twitter, Facebook.
No livro “Tempo de pensar fora da caixa” Ricardo Neves lembra a regra do sociólogo italiano Vilfredo Pareto (1848-1923) que diz que há uma estranha assimetria na natureza e na vida de forma geral, em que grande parte das coisas é de responsabilidade de uma pequena parcela, ou:
“É uma minoria animada que faz a maioria dançar“.
Na verdade, por essa ótica, na fase do livro, da mídia, os “multiplicadores” ou “apadrinhados do rei da mídia” tiveram voz, em detrimento dos outros 90% ou 80% que não tinham chance.
As barreiras agora são menos evidentes, há um espaço maior para a meritocracia, tudo depende de o que você diz e a sua capacidade de se relacionar na rede e chamar a atenção – as novas fronteiras, entretanto, criam suas injustiças (e como):
- Há pensadores interessantes que não tiveram e não têm marketing.
- E há pensadores que repetem a mídia, que são apenas marketing vazio, mas ….como estão dentro da fazenda….prosperam e nem sempre a capacidade social da rede consegue trazé-los à luz.
Quando vejo estes estudos de 80% e 20% não questiono a sua validade, mas acho que podemos olhar para eles de forma distinta.
Os conservadores usam essa regra de Pareto como uma forma de justificar e consolidar o poder de uma dada elite.
Os que querem mudar essa realidade, onde me incluo, acreditam que é importante sempre manter aberta a porta para os outros 80%, capacitando-os e estimulando-os, em um processo de participação cada vez mais gradual e ativa.
E ainda fazendo com que os 20% mais falantes possam realmente representar mais e melhor a “voz dos 80%” dos que hoje preferem apenas aplaudir e, quem sabe, participar mais e mais amanhã, subindo sempre um degrau na escada da participação.
É uma utopia, que move e moveu muitos transformadores do mundo, que acho que vale à pena nutrir.
O sonho – que já foi meu – de querer mudar o mundo pela tecnologia, me parece uma nuvem cada vez mais fina, se dissipando no vale do silício (se me permitem).
Passou a fase.
Agora, é ver como mudamos o mundo com tudo isso.
Estamos vivendo, no fundo, um acomodamento de expectativas.
As regras mudaram sim, se alargaram, na “fazenda do direito universal de se expressar”, mas existem regras.
A batalha pela melhora, aí sim, da condição humana continua, só que em outro paradigma.
Queremos o direito de nos expressar para mudar o mundo e não o contrario, certo?
Pergunta-se, enfim:
Será que não estamos querendo demais da Internet?
Será que não estamos esperando que ela faça sozinha o nosso trabalho?
Será que não estramos transferindo para ela o que o humano não conseguiu realizar até hoje – se reiventar?
Hoje, quando cantamos pelas ruas esbaforidos pelos celulares que queremos uma tecnologia para viver, pode se indagar:
Será suficiente?
Me digam.
Carlos,
Considero que a “meritocracia” é utópica. Muitas vezes, busca-se um objetivo, difícil, quase impossível, que é facilmente alcançado por outros, mais próximos da elite do momento.
Os mesmos empecilhos e (des)estímulos da era pré-Internet estão presentes agora.
Na realidade a tecnologia não é o centro da ação, mas, sim, o indivíduo. Aí, então, os vícios e as virtudes continuam os mesmos. A nos esclarecer, dispomos de pensadores, desde a Grécia Antiga até a atualidade. Aristóteles, Hobbes, Locke, os contemporâneos e outros bem conhecidos formadores de opinião. E também muitos formadores de currais ideológicos.
Até os anos de 1980, os currais eram reais (midia, eleitorais, ditatoriais), agora corremos o risco de os ter na esfera virtual, muito mais abrangentes e efetivos (mídia, censura na Web, propaganda ideológica).
A tecnologia deve ser útil ao indivíduo, embora o homem cada vez mais viva em função da tecnologia.
Seus textos são muito oportunos. Nos levam a pensar e nos informam.
Quem são se preocupa, não inova.
Luiz Ramos
Oi Carlos,
A internet é algo ainda muito novo. Algumas pessoas esperam demais dela, outras simplesmente não acreditam ainda e grande parte não entende, mas usa ainda assim por acreditar que este é o “futuro”.
Essa internet está tentando mudar sim o mundo em diversas áreas diferentes. De uma forma geral, como pessoas ficam muito presas em suas áreas, não conseguem identificar o todo.
– Se observar bem, a indústria da música e filmes está sendo obrigada a mudar! As gravadoras ainda brigam com a internet, processando, criando proteções contra cópia, fechando sites P2P (compartilhamento de arquivos, o que não é ilegal, mas a justiça ainda não sabe como lidar com isso também).
– Com os filmes o mesmo acontece, locadoras estão fechando, pois comprar um DVD pirata é praticamente o mesmo preço de alugar o filme na locadora.
– A velocidade da informação aumentou significativamente, fazendo assim com que as empresas reduzam a qualidade de seus textos para priorizar esta agilidade. Isso mudou os sites de notícias.
– O mercado de tradução está mudando, clientes brigam com os tradutores, pois querem agilidade e custo baixo ao invés de qualidade, preferem traduções por máquina com apenas revisão humana e os tradutores ainda não querem fazer.
– Os jornais impressos estão perdendo vendas, pois as pessoas estão começando a preferir as notícias online.
– A área de jornalismo, com o caso da Petrobrás, por exemplo, também está sendo afetada.
E em todos os casos, as empresas não sabem ainda como fazer para ganhar dinheiro neste novo mercado.
Neste caso, todos querem que as coisas continuem funcionando como era antes. A justiça não sabe o que fazer e hoje temos todas estas brigas jurídicas que uma hora vão acabar.
Acredito eu que a “tecnologia” ganhe e as gravadoras, tradutores, jornalistas etc tenham que mudar, como aconteceu com o surgimento do livro.
Uma vez isso acontecendo, caímos justamente neste ponto: a questão de quem terá voz na internet.
Aqui todos podem falar, todos tem este direito, esta oportunidade. Mas nem todos são ouvidos/lidos.
Como você muito bem colocou, 20% fala e 80% apenas participa, o que gera os grupos de formadores de opinião.
20% ouve os 80%, filtra as informações, organizam isso e publicam. Eles são conhecidos e creditados por terem relevância, por saberem o que estão falando e assim caímos em um ciclo.
Pessoas estão nascendo hoje e ganhando importância na internet. E assim como aconteceu com a televisão, onde o espectador tende a acreditar fielmente no que se está sendo dito, acontece hoje com os formadores de opinião.
Porque nem todos são lidos/ouvidos? Além do problema do excesso de informação, nós não queremos ter que pensar e correr atrás para ter certeza se aquela informação ou opinião é realmente válida. Nós queremos simplesmente ler algo e acreditar, saber que aquilo é verdade! E assim vão crescendo e tendo cada vez mais importância os formadores de opinião.
No futuro temos a chance de ter outras TVs, Jornais e Barsas, mas com o nome de blogueiros. Tendo que apurar a informação para divulgá-las, tornando o processo mais lento.
É claro, vai continuar existindo o pequeno, os grupos fechados que debatem sobre um determinado assunto e onde você pode obter informações em velocidade incrível, como acontece no twitter e em grupos de discução hoje. Mas estes continuarão sendo pequenos grupos. Os mesmos que se reuniam em praças ou eventos privados, mas agora com mais espaço e mais facilidade de serem encontrados.
Bem, escrevi demais, espero não ter me perdido no meio, mas a conclusão é que a ferramenta não muda a sociedade, ela apenas dá espaço para que isto aconteça. As vezes consegue, as vezes não.
Atualmente estamos no meio desta briga, quem vai ganhar? As gravadoras ou a distribuição ilegal de músicas?
Eu tenho o meu palpite, mas o de vocês, qual é?
Bruno,
que bom que veio e comentou.
Veja que estamos – por tudo que você disse – ainda nas mudanças para dentro, internas, envolvendo empresas e pessoas que lidam diretamente com a informação ou a distribuição desta (indústria de música.).
A Internet, conforme coloco neste post, tem seus limites e barreiras, por mais que não gostemos.
Sem dúvida, ela já trouxe várias mudanças, mas ainda do ponto de vista – do dentro para dentro, em alguns casos pontuais, de dentro para fora, mas ainda muito perto do mundo informacional.
Temos que começar a fazer o movimento – agora – de dentro – usando seus recursos, para fora.
Em relação a pergunta:
“Atualmente estamos no meio desta briga, quem vai ganhar? As gravadoras ou a distribuição ilegal de músicas?”
Acredito que teremos novas empresas que vivem da música aliados a usuários que gostam dela.
Todos irão ganhar, exceto aqueles que não quiserem esse novo mundo.
Haverá sempre produtores e distribuidores de bens culturais e usuários interessados em consumi-los.
O como é mutante e quem entender isso, vai estar sempre “no mercado”.
Grato pela visita;;;
————
Luis, concordo em gênero, número e grau, principalmente de que devemos voltar aos filósofos para não perdermos o bonde da história, gostei bastante da frase:
“A tecnologia deve ser útil ao indivíduo, embora o homem cada vez mais viva em função da tecnologia.”
abraços,
Nepô
primeiro devo dizer que tenho passado alguns instantes preciosos nesse site, parabêns….
segundo, citar cazuza foi maestria… ideologias, as pessoas estão procurando isso por ai, algo que possa mudar o mundo… criticasse a utopia, mas ainda se sonha com ela. vejo professores desiludidos o tempo todo, mas que esperam ainda que remotamente um futuro…
o problema é que o futuro não é mais como antigamente, cresce acreditando que a minha geração mudaria o mundo, ouvi isso o tempo todo, mas hoje quando olho a minha geração tnho medo pela proxima.
as conquistas da geração de 68 resultaram em uma geração que muitas vezes não sabe pelo que lutar, ou então se dividem em um zilhão de lutas diversas. minha geração não viu nenhuma ditadura (pelo menos aqui no brasil), não viu grandes guerras, e quando a guerra chegou parecia tão longe que foi muitas vezes dificil acreditar. mesmo sendo bonbardiados por todas as midias.
por fim fecho com montenegro.. minha geração não quis sonhar pois que sonhe a que há de vir….
Adna. comentei lá no seu blog:
http://adnaclima.blogspot.com/2009/05/passeando-pela-blogsfera.html?showComment=1245065915956#c1347038907665516506
abraços,
Nepomuceno
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