O homem tecnológico colocou a floresta à mercê do homem, invertendo a situação anterior quando o homem é que vivia à mercê da florestas –Arnold Toynbee – da minha coleção de frases.
Quando estávamos na caverna, tínhamos três tipos de formas de nos comunicar, como diagnosticou Lévy:
- Um-um – eu dialogando como o outro, ou você me mandando fazer algo, etc;
- Um-muitos – alguém falando para os demais sobre algo;
- Muitos-muitos – uma discussão ampla de um grupo sobre determinado assunto.
O crescimento da população humana nos espalhando pelo planeta e nos multiplicando fez com que precisássemos de tecnologias cognitivas informacionais para nos liberar daquele espaço.
Se continuássemos presos à cavernas, não poderíamos nos expandir pelo planeta!
Todo o movimento de criação de novas tecnologias cognitivas sempre foi e irá na direção de nos liberar de alguma forma de determinado espaço, algumas vezes do tempo, expandido para um ser inanimado tecnológico nossas impossibilidades físicas.
Assim, criamos para nos expandirmos no planeta as seguintes tecnologias para nos liberar do espaço da caverna, ao longo do tempo, para cada uma das seguintes interações:
um-um – o grito, o telégrafo, o telefone, o telex, o fax, o e-mail, o MSN, o Skype;
um-muitos – o tambor, o sinal de fumaça, a escrita na pedra, no papel copiando (livros copiados), no papel imprimindo (livros impressos), os jornais, o rádio, a tevê, os sites e os portais sem comentários;
muitos- muitos – a conversa em grupo, o rádio amador, as teleconferências, as ferramentas colaborativas na Internet, tais como os blogs com comentários livres e redes sociais, que se iniciam com os fóruns, chats, IRCs, etc.
Ou seja, não estamos na rede “inventando” a colaboração, a conversa muitos-para-muitos, mas apenas tornando-a possível a distância, como um processo natural de expansão, principalmente para atender à demanda de 7 bilhões de almas, que precisam de dinamismo para sobreviver nesse planeta inóspito.
O interessante é que podemos observar que existe, assim, dois conceitos em separado.
- O muitos-para-muitos sem tecnologia, como ideologia, conceito, forma, uso para construir ou se chegar a determinadas soluções em grupo, que é opcional, uma forma de lidar com as coisas no presencial, para a qual não estamos muito preparados, em função da nossa educação cada vez mais isolada, egoísta, etc;
- E o muito-para-muitos viabilizado pela tecnologia, a colaboração em rede a distância, que é, a partir de determinadas ferramentas, colocadas como condição, tais como o comentário em um blog, ou a participação de alguém em um termo no Wikipedia, ou numa lista de discussão. Não se opta por ideologia nestes casos, mas pelo simples fato que ali é “desse jeito que funciona a coisa”
Ambos os conceitos aparecem e começam a dialogar de novo, entrar muitas vezes um conflito, impondo à sociedade a redefinição do termo co-laborar (trabalhar juntos), como ocorreu, por exemplo, na palestra do HSBC.
Ou seja, se por um lado temos algo totalmente novo: a colaboração em rede a distância, via aparelhos digitais.
Há um resgaste de algo totalmente antigo e esquecido: o diálogo em volta da fogueira.
Ora seremos futuristas; ora saudosistas.
É nesse equilíbrio que está o sucesso da implantação de projetos 2.0 nessa nova sociedade!
Exemplos de conceitos e propostas de muitos para muitos sem nehuma tecnologia, mas com resultados comprovados e reconhecidos no passado:
- A metodologia Paulo Freire em sala de aula, na qual o professor é um facilitador e a troca entre os alunos é fundamental para construir conhecimento. Cada professor tem a liberdade de ser mais ou menos vertical;
- A metodologia de Augusto Boal que sugere que o espectador pode interromper a peça de teatro a qualquer momento, planejada para discutir dado problema e procurar soluções em grupo, a partir do impasse;
- O modelo de recuperação dos Alcóolatras Anônimos e similares, que estabelece que a cura para o alcoolismo precisa de reuniões e troca de experiência entre os doentes. Um alcoolista pode optar por outros métodos para combater o problema;
- As terapias de psicanálise em grupo. Existe também a individual;
- Os congressos acadêmicos. Quem não quiser ir, não vai.
Ou seja, a colaboração não começou hoje, mas ela, por necessidade humana de expansão no planeta, foi viabilizada na rede digital a distância, impondo e resgatando uma nova cultura colaborativa ao mundo, chamando a atenção para essa grande possibilidade comunicacional que, após muitos anos de Idade Mídia deixou de fazer sentido.
E agora se recoloca como um item básico da nossa sobrevivência.
Sozinhos não lidamos com esse volume de informação infernal!
Ou seja, estamos já conseguindo – na Web – colaborar e viver o muitos-para-muitos e o nosso desafio agora é resgatar essa maneira de resolver problemas como ideologia, como conceito, resgatando as idéias de colaboração que estavam esquecidas, que foram bloqueadas pela força das antigas mídias.
É importante afinar o conceito e o trabalho muito-para-muitos ideológico, conceitual, com as novas ferramentas.
E recolocá-la na nossa sociedade, que tende ao eu-laboro, ao invés do eu-laboro, ao eu resolvo tudo sozinho, como vemos bem no modelo do cinema americano Indiana Jones, Duro de Matar, Rambo, etc…
Assim, as práticas de participação, a la Paulo Freire e Boal, se atualizam, pois a filosofia de colaboração, agora vira uma cultura hegemônica, saindo do que era alternativo para o centro do capitalismo cognitivo.
Estranho, né?
E você o que diz?
Oi Nepô, olha eu aqui de novo…
Do meu pequeno leptop, digitando esse conciso texto que sai das fibras óticas da capital do Amazonas, estou pensando nos caracteres digitados por vc acima. Sempre achei que Paulo Freire e Boal estavam bem a frente de seu tempo, não só por questões ideológico/progressistas, mas principalmente por um método dialógico/democrático simples e real, que mexe com as estruturas do que ficou conhecido como pedagogia e teatro do oprimido. Não sei se podemos fazer uma “internet do oprimido”, mas a produção e fluxo que dela emana e cresce não tem retorno.
Acho que ainda falta um longo caminho nesta nova plataforma para que esses muitos falem a muitos de forma que essa massa anônima possa ouvir e se fazer ouvir totalmente. Mas, como bem dizem, uma boa caminhada começa com um bom passo, parece que começamos, enfim.
Lucas, valeu.
Que Manaus fique cada vez mais 2.0 .)
abraços,
Grato pela visita,
Nepô.
Nepô
Como sempre, brilhante na contextualização daquilo que aparenta ser tão inédito, e na desmistificação da novidade tecnológica. O realmente difícil é o aprendizado social do muitos para muitos, e não a adoção da ferramenta mais na moda…
É sempre um prazer ler o seu texto fluido e caliente.
Um abraço
Sérgio Storch
Sérgio,
legal.
Este post é daqueles que de consolidação de vários pequenos insights que dão um insightão 😉
Grato pelo apoio e visita,
Nepomuceno.
[…] colaboração antes da Web 2.0 era opcional, agora é uma cultura embutida em uma tecnologia emergente e, como será arma competitiva, tende a se disseminar mais e mais, impulsionada principalmente pela […]
[…] Como disse aqui no blog esta semana há em curso dois movimentos colaborativos na sociedade atual. […]
A frase síntese que é de uma simplicidade franciscana e uma profundidade abissal é “sozinhos não conseguimos lidar com este volume de informação infernal!” Todo o resto parte daí! O método já existia, Paulo Freire e Boal que o digam, mas a necessidade ainda não. Pelo menos não como agora!
Marcos, concordo.
E aí está a diferença.
Antes havia uma latência, um desejo alternativo, mas numa mídia unidirecional.
O aumento populacional pressiona o modelo restritivo e explode em colaboração, como necessidade de sobrevivência, mas não é movimento dado, porém, construído.
Apesar de que a colaboração involuntária, importante e pré-condição para a outra,
valeu a visita, vamos em frente,
Nepô.