Tudo que existe quando você nasceu é absolutamente normal – Douglas Adams – da minha coleção de frases.
O ser humano, diferente dos animais, não cria nos seu próprio corpo “ferramentas” para sobreviver.
Não temos garras, mas facas.
Não temos peles, mas casacos.
Não temos rabo, mas escadas.
Optamos enquanto espécie por desenvolvermos um poderoso cérebro, que cria os instrumentos para para sobrevivermos.
(Um livro interessante que vai fundo nesse assunto é o de Gordon Childe “O Homem faz-se a si próprio“, que comprei na Estante Virtual.)
As ferramentas (luvas, sapatos, óculos, binóculos, carros, aviões, computadores) são as tecnologias que criamos para lidar melhor com o meio ambiente.
Somos, por isso, mais versáteis.
Vestimos e tiramos.
Diferente do mamute que criou pelos durante milênios da Era do Gelo e quando esquentou, foi extinto.(Leiam Childe.)
As tecnologias são criadas para que possamos nos manter vivos.
E são atualizadas, melhoradas, evoluem em função das mudanças na escalada humana cada vez mais numerosa, complexa que a tudo invade, do Ártico à Marte.
Assim, temos nossas necessidades de população que se expande e demandam cada vez mais –> mais e mais tecnologias.
Gui Kawasaki no seu livro “Regras para revolucionários” lembra que toda tecnologia quando adotada, envolve inicialmente um grupo pequeno e depois se massifica, quando cai no gosto popular.
Ele lembra, entretanto, que nem o uso nem a venda dessa tecnologia pode ser medido pelo grupo de aficcionados inicial, pois estes farão uso em uma dada direção, mas que rapidamente com a popularização isso tenderá a mudar.
Há um encantamento com ela que deturpa seu uso que será feito de forma diferente quando massificada.
Na verdade, toda a tecnologia nova que vem ao mundo só é utilizada, pois atende de alguma forma uma necessidade humana.
Quando se encaixa, se massifica.
Quando é apenas viagem na maionese do seu inventor, desaparece.
Assim, essa fase inicial da tecnologia, na verdade, não se caracteriza por uma cultura, mas por uma adaptação, uma atualização de uma necessidade que era feita de uma forma e passa à outra.
E terá seus neófitos que a utilizarão de uma dada maneira, mas que com o tempo, popularização, ela servirá à humanidade com todas as suas demandas.
Note que a necessidade continua a mesma, mas a forma como a resolvemos é atualizada, o que, às vezes, dá a impressão que está surgindo uma nova necessidade, quando, na verdade, é apenas uma alteraçao de velhos hábitos.
No post “A ilusão da Twittosfera” afirmo que o Twitter é mais uma das muitas possibilidade humanas de se comunicar, através da Internet, que atualiza outras tantas.
Não gera uma cultura, apenas um encantamento provisório dos primeiros usuários, que se deliciam com a nova possibilidade, criando um clima ilusório.
Algo como ocorreu com o telefone.
Imagina quantas pessoas ficavam ligando para os outros no início, criando a telefonosfera???
Depois, entrou na rotina.
Adoro essa frase da minha coleção:
“Uma tecnologia só é uma tecnologia, se você nasceu antes dela” – Alan Kay
Assim como ocorreu com a própria Internet, blogs, orkuts, etc…
A tecnologia não tem alma. O ser humano tem alma, ou pelo menos, subjetividade.
A cultura não se dá pelo uso de dada tecnologia, mas o que conseguimos gerar através dela, seja por que ferramenta for.
Aí vem uma palavra interessante> incorporar.
Veja a frase de uso comum:
Quando incorporamos dada tecnologia, ela se torna invisível.
(Um post que gosto: “Em busca do computador invisível“)
Este termo in-corpor-ar.
É trazer aquela coisa externa para o nosso próprio corpo.
Ou seja, “cognitizamos” o carro.
(Tenho um artigo sobre isso: “Em busca do computador invisível“.)
Não há mais carro, pois o que há é eu vou para tal lugar.
O como é secundário.
O Twitter, assim, será, aos poucos, “invisibilizado”, como um telefone.
Ele é um meio para nos comunicarmos, não um fim em si mesmo, portanto, não gera cultura, mas viabiliza cultura.
O que há hoje não é cultura, mas encantamento!
Assim, me parece mais próximo da verdade dizer, desculpe Lévy, mas que também não há uma cibercultura.
Há a cultura do mundo que tem agora a Internet como um elemento de geração importante.
E nela que a maioria das pessoas produzem suas subjetividades.
Quanto mais emprestamos nossa subjetividade, mas a Web (e todas as ferramentas que a melhoram) se tornarão invisiveis.
É uma atualização importante da forma de se produzir cultura, mas não uma cultura tecnológica, nem mesmo uma tecno-cultura.
Cultura apenas.
O resto é viagem temporária dos nerds.
Ou seja, uma cultura na qual a rede (hoje enquanto está visível) é um fator fundamental.
Focarmos na ferramenta como elemento central da mudança da cultura é olhar para a tinta e não para o polvo.
Ou seja, é o ser humano em uma nova etapa, em uma nova forma de se expressar.
Sob esse ponto de vista, a Twittosfera é apenas uma adaptação de uma latência que tínhamos.
Note que o Rodney no comentário que faz nesse post, diz assim:
“Um bom exemplo do que você está apontando são as diversas discussões sobre a (indesejada) orkutização do Twitter”.
A orkutização do Twitter é a popularização da ferramenta que servirá à grande massa.
É o mesmo que dizemos hoje da popularização da rede, que se deu através do Orkut.
O Orkut, na verdade, foi uma evolução da Internet.
Lá, os usuários ganharam rosto, interesses (comunidades) e puderam mostrar a sua rede de amigos para os demais.
Não houve uma Orkutosfera, apenas uma nova tecnologia evolutiva que nos deu mais recursos para resolver nossos problemas de informação e comunicação em um mundo cada vez mais urbano e anônimo.
A Internet melhorou, ficou mais humana com o Orkut, assim como está ficando mais dinâmica e humana com o Twitter, apenas isso.
Aumentamos a cada dia a possibilidade de colocar nossas subjetividades para fora, “destecnologizando” a ferramenta.
É, assim, a cultura humana se utilizando de novos meios para expressar suas antigas perplexidades.
Não é, assim, a cultura da rede sempre temporária e ilusória, mas a cultura humana também (e agora) através da rede.
Concordas?
Genial!
Outro dia vi o Muniz Sodré ser crioticado como pretensioso ao criticar Pierre Levy. Bem, sou a favor desse olhar analítico quanto aos discursos muito exagerados de “geeks” e compradores de teorias. Gosto do twitter como ferramenta de relacionamento social, assim como outras ferramentas. Bem, dizer mais é desnecessário, pois o Profesor Nepomuceno foi genial.
abraços e parabéns
Thiago,
grato pelo apoio, me lembra de te dar mais um ponto na média..;)
abraços,
Nepomuceno
Olá Nepô, li o seu post de ontem e fiquei bem pensativa, mas não soube o que comentar. Quando li o de hoje me surgiu uma dúvida: você afirma que não estamos diante de uma nova cultura e sim diante de novas formas de nos relacionarmos entre si possibilitadas pela tecnologia.
Então… fui atás da definição de cultura. Acho que com tantas informações minha cabeça deu um nó a ponto de não saber mais exatamente o que é, e encontrei o seguinte:
“São práticas e ações sociais que seguem um padrão determinado no espaço. Se refere a crenças, comportamentos, valores, instituições, regras morais que permeiam e identifica uma sociedade. Explica e dá sentido a cosmologia social, é a identidade própria de um grupo humano em um território e num determinado período” (segundo o antropólogo Edward Burnett)
A minha indagação é a seguinte: se a tecnologia não promove uma mudança em práticas sociais e em comportamentos, porque não muda a cultura? Será que o avanço da tecnologia já não está tamanho a ponto de mudá-la?
Na minha monografia defendi com todas as minhas forças que estamos diante de uma cibercultura, possibilidade aberta pela a ampla difusão da tecnologia entre nós. E realmente acreditei nisso, mas agora estou confusa.
Vanessa,
respondendo:
A minha indagação é a seguinte: se a tecnologia não promove uma mudança em práticas sociais e em comportamentos, porque não muda a cultura?
Eu não disse que não mudava a cultura, mas atualiza a cultura. O problema é que a tecnologia possibilita mudanças, mas ela não é a cultura.
É um problema de meio e de fim, que me parece que fica invertido.
Será que o avanço da tecnologia já não está tamanho a ponto de mudá-la?
Sim, eu não disse que não muda a cultura, repito, se deu a entender isso, posso rever o texto depois, mas o que se trata é de uma mudança cultural, que atualiza nossas necessidades, mas não se tem a cultura tecnológica, mas a cultura, que a tecnologia revigora.
A idéia da cibercultura é, inclusive, defendida pelo Lévy.
Agora, começo a repensar essa idéia.
Trata-se da cultura humana que agora conta também com as redes e não o contrário, pois as redes farão parte da nossa vida.
Nossos filhos nem sabem que existe essa tecnologia: REDE.
Para eles, é o lugar em que os amigos deles estão para conversar, fazer trabalhos, etc….
Melhorou ou piorou?
abraços,
grato pelos comentários,
Nepomuceno.
Vanessa, ainda complemento.
Se todos formos digitalizados e passarmos a morar dentro dos computadores.
Aí sim teremos uma cibercultura, pois estaremos morando dentro da rede e seremos cibercidadãos.
24 horas em rede.
Por enquanto, ainda bem,,,o scaner aqui de casa ainda não está me auto-escaneando ..;)
abraços,
Nepô.
Pô, não sou seu aluno não. estudo na UFF
Mas podemos acessar a rede a qualquer momento, vivemos conectados quando não por computadores por celulares. Podemos interagir com o espaço urbano através das redes, trazemos o ciberespaço para o nosso cotidiano, fazemos compras, acessamos nossa conta corrente, conversamos com amigos ou não, participamos de grupos de discussão, podemos até experimentar roupas!
A nossa relação com o espaço urbano muda, a nossa relação entre os nossos também. Produzimos e consumimos a informação de uma forma diferente.
Quanto ao espaço físico, as tecnologias móveis criam novas dinâmicas de movimento e podem instituir processos nômades ao criar deslocamentos de corpos e de informações no ciberespaço. Ex: Quando estamos viajamos e nos conectamos a internet pelo celular.
As conexões wi-fi, por exemplo, elas caracterizam a rede não só como um ponto de acesso à internet mas como um ambiente de acesso à internet. Pra mim, é como se a rede transcende-se aos limites físicos dos aparelhos digitais, ultrapasse as barreiras virtuais do ciberespaço e no ambiente das cidades modernas se difundisse como o ar envolvendo os usuários, neste caso, somente em certos lugares sob o raio de cobertura de um hotspot sob a conexão wi-fi.
Me entende agora?
Será que estou ficando louca?rs
Beijos
Vanessa
Estamos todos encantados com esse novo lugar, o mundo online, e fica difícil entender uma visão mais do alto como a que você está apresentando.
Sai para dar uma volta antes de te responder e acho que vou precisar escrever um post para desenvolver o que estou pensando.
Resumidamente:
Todos concordamos que a cultura humana está mudando. Trocamos a intolerância pelo desejo de tolerar e já se fala em admirar em vez de tolerar as diferenças. Conquistamos a liberdade de amar quem desejamos independente de sexo, credo, cor, cultura classe social apesar dos atritos que sobrevivem. O capitalismo predatório está sendo substituído pelo capitalismo socialmente responsável.
Isso me lembra que não foi a suposta cibercultura que começou tudo isso, mas o procon. Eu vi o procon nascer… E antes do procon houve as associações de bairro e nos EUA os sindicatos.
As tribos humanas haviam crescido demais e viramos grandes massas sem rostos, sem alma onde a morte de 50 milhões de pessoas (na Gripe Espanhola) mal merece citações em filmes.
Já são uns 100 anos de intensos esforços para recuperar nossa humanidade e resgatar o espírito comunitário.
Em algum momento até agora falei em tecnologia? Internet? Cibercultura? O que me parece que estou dizendo é humanismo.
Tudo que separa os humanos está sendo execrado. Da política à religião, dos cartéis da cultura às corporações que nos consomem como baterias da forma que poderia ter sido denunciado em Matrix, o filme.
As ferramentas de comunicação são a grande ferramenta dessa mudança cultural, assim como foram as caravelas que levavam Marco Polo até outras culturas estreitando os hiatos entre culturas.
Sou humanista secular e adoraria que todos adotassem o termo cultura humanista, mas nesse momento de encantamento creio que não temos como escapar da cibercultura, mas aposto que ela será lembrada como a cultura hippie em uns 50 anos: pessoas loucas que no meio de um monte de absurdos ajudou a moldar uma nova era e depois foi absorvida desaparecendo na multidão a não ser por uma ou outra pessoa saudosista que insistirá em usar um Palm da 3Com 😉
Thiago, eu me confundi. 😉
Grato de qualquer forma.
Vanessa, claro que não está. louca
Estamos com a rede, mas não dentro dela. Continuamos a dormir, comer, viver fora dela. Existe a cultura geral com a rede. E hábitos que adquirimos em rede. Se quiser chamar cibercultura tudo o que você faz em rede, para efeito de corte, ok. Mas não podemos considerar que essa sub-cultura dominará todo o resto, que é muito maior.
Roney:
“As ferramentas de comunicação são a grande ferramenta dessa mudança cultural, assim como foram as caravelas que levavam Marco Polo até outras culturas estreitando os hiatos entre culturas.”
Note que as ferramentas de comunicação POSSIBILITAM mudanças.
Vejo muita gente usando a rede e ficando cada vez menos humano, não se conectando nem consigo, nem com os outros, se fechando dentro dela. Involução ou Evolução?
Não acredito que a rede trará felicidade:
http://nepo.com.br/2009/04/17/seremos-mais-felizes-com-a-internet/
Nem acho que estamos evoluindo enquanto humanos como você afirma:
“Já são uns 100 anos de intensos esforços para recuperar nossa humanidade e resgatar o espírito comunitário.”
Nestes últimos 100 anos, que marcaram o fim da escravidão no último país escravocrata (Brasil), numa fase qual 40 milhões de africanos foram arrancados de suas casas para serem mortos ou explorados em todo o mundo (Ler 1808).
Tivemos duas grandes e dezenas de várias pequenas guerras, os massacres na União Soviética, vários micro holocaustos….
Não acredito mais no poder da rede como impulsionador de por si só de mudanças, mas na rede como possibilitador de mudança, que é bem diferente.
O que, no fundo, está no centro da discussão que estamos travando.
O humanismo, a meu ver, começa em cada pessoa, estando presente, sendo ela e procurando contribuir no mundo com o seu Dharma:
http://nepo.com.br/2009/05/07/qual-e-teu-dharma/
E, através de uma ética pessoal, que se multiplica, trabalhando para mudar o que está no seu caminho, junto com os outros.
A mudança passa por cada um, muito pelo como eu faço e depois o que eu faço, muito mais do que pelo o que eu faço e depois eu vejo como.
O velho papo do fim e do meio.
Sugiro que se aprofunde na história da mídia, lendo principalmente a chegada do livro e verás que muito do que você discute aqui vai aparecer ali.
E terá uma visão mais profunda do que podemos fazer. Um livro que te recomendo:
A sociedade do Futuro do Toynbee, tem umas viagens meio doidas de celibato e ditadura mundial, mas tirando isso é algo que dá uns certos insights, compre na Estante Virtual.
forte abraço,
nepomuceno
valeu a inquietação.
Concordamos que a tecnologia é ferramenta e não agente de mudança, mas continuo achando que estamos vivendo um momento mais acelerado da evolução humana… Mesmo sabendo que a crença geral é que estamos involuindo.
Roney, tudo é ponto de vista.
A realidade é turva. São várias, aliás.
Espero, entretanto, que eu esteja sendo pessimista demais e você realista. E que consigamos ver uma luz de humanidade maior no final do túnel.
Aliás, todo meu esforço – por menor que seja – vai nessa direção.
Te agradeço as provocações, me inquietaram bastante.
Vamos trocando.
abraços,
Nepomuceno
Acho que faltou Marshall McLuhan na sua reflexão sobre as tecnologias como extensões do homem. Mas foi bem ver algumas referências desconhecidas por mim.
Enfim, Carlos, acho que vc não está bem seguro sobre o que muda a cultura, ou que cultura é essa que muda. Eu estava pesquisando estes dias sobre a história do rádio, das dificuldades iniciais e depois sobre a revolução que esse novo meio causou na vida das pessoas. Fiquei impressionada e tentando imaginar como seria para uma pessoa sentar numa cadeira, colocar fones de ouvido, vestir uma roupa de noite, apenas para ouvir um concerto que estava sendo executado no Metropolitan. Ou ainda, na Inglaterra, as pessoas colarem o ouvido no rádio para poderem ouvir a previsão do tempo, informação tão cara a quem vive em uma ilha sujeita às correntes.
Eu acho que todo o passado da humanidade deve ser levado em consideração, quando formos avaliar se uma nova tecnologia muda ou não uma cultura. Pelo que eu vejo, leio etc muda sim, muda bastante. Confirma e solidifica algumas características e faz desaparecer outras.
Este mesmo rádio que um dia foi “o grande meio”, hoje já não é tanto incensado assim. Ele existe, ele permanece e adaptou-se aos novos consumidores, que hoje estão mais voltados a outras tecnologias de comunicação, mas, de vez em quando, retomam aquelas outras, porque elas lhes servemm de alguma maneira. É como aquela velha metáfora: você tem um carro, mas, de vez em quando, vc precisa pegar sua bicicleta para passear no parque, onde um carro não entra.
Desculpe a divagação.
Pinky, concordo interamente com você, para você ver que estamos falando a mesma coisa.
Veja que em meu artigo eu digo que atualiza a cultura, mas não limita à cultura a uma tecnologia, como se passássemos a viver dentro das máquinas, o que não é verdade. Há uma forma diferente de relação com a informação, comunicação e conhecimento, mas não podemos chamar a cultura ampla – que é humana – reduzindo-a a uma cultura tecnológica, o que nos levará a uma distanciamento – a meu ver – da realidade.
É isso, grato pelo comentário, vamos avançando e melhorando a forma de dizer as coisas,
Nepô.
[…] idéia de twitosfera, cibercultura e outras esferas são uma ilusão do nosso deslumbramento inicial como nos mostra brilhantemente o Carlos Nepomuceno? Provavelmente […]
[…] (Mais sobre o livro de Childe que escrevi.) […]