Nós habitamos um mundo cultural, portanto, inventado – Ferreira Gullar, da minha coleção de frases.
É meio engraçado, mas o mundo político brasileiro tem vivido as última semanas em torno da definição ou da confusão sobre estes três conceitos: versão, dados e fatos.
Antes que me chamem de petista ou tucano, minha posição é a seguinte:
- O Governo não quer apurar os fatos, pois teme que seja verdade.
- E a oposição, pelos mesmos motivos, por medo de ser mentira.
Para quem se habilitar, convido à discussão teórica sobre o tema, sem paixões, please.
Lina Maria Vieira, ex-secretária da Receita Federal, diz que tem fatos sobre um encontro com a Ministra da Casa Civil Dilma Roussef.
Eu estou dizendo a verdade!
Esteve com Dilma.
É um fato ou uma versão?
Esta teria pedido, de forma velada, para interrromper um processo fiscal contra o filho do Sarney.
É um fato ou uma versão?
O que é preciso para um fato virar de fato um fato? 🙂
Registros, dados e mais dados para diminuir o espaço das versões.
No fundo, um fato é uma versão trabalhada e bem articulada com dados, sempre mais e mais aproximada para evitar dúvidas, que, dependendo do ponto de vista e interesse, sempre vão existir, apesar de tudo que for apresentado.
Não existe, filosoficamente, a verdade, mas uma aproximação dela, com um conjunto de registros, que nos permite ir na direção de ir diminuindo a margem de dúvidas e impedindo o surgimento de versões.
As imagens (fotos) e principalmente tevê são registros que deixam menos margem de dúvida, pois
uma imagem vale por mil palavras;
OU
o que os olhos não veem, o coração não sente.
Na verdade, a luta pela verdade é sempre tentar preencher as canaletas das versões com dado, criando fatos.
A verdade é sempre uma utopia, a ser perseguida com a menor margem de erro possível!
O homem foi à lua?
Fotos, filmes, depoimentos..
(Mesmo assim tem gente que duvida, pois a versão é a mãe da manipulação, da crença em tudo que não pode ser provado, o que alguns até chamam de fé.)
Quanto menos dados sobre determinado acontecimento, mais e mais a dona versão é chamada para confundir…ainda mais em disputas eleitorais.
Uma versão só vira fato, com dados.
Que deveria ser o papel da Ciência, da Justiça, da Imprensa, de qualquer cidadão, não deixar, nem reproduzir, o que é ainda apenas uma versão e não um fato.
(Adoro a cena do filme “Dúvidas” quando o padre diz que a fofoca é um espalhar penas de ganso do alto de um prédio. Impossível, depois de feito, voltar atrás.)
Ou seja:
Tudo é sempre versão, até prova (dados) em contrário!
Vejamos.
O problema de Lina Vieira, me parece, que a memória dela, por algum motivo cognitivo, ou outro qualquer, não tem se mostrado um bom suporte, para transformar a versão, através de um conjunto de registros, aí sim, em fato.
- Um fato é uma versão trabalhada, a partir dos dados disponíveis.
- Quanto mais dados confiáveis, menos versão.
- Quanto menos dado, mais versão.
Ela não lembra a data do encontro privado e não tem feito, a meu ver, muito esforço para recordar!
Nem o marido, (não sei se é casada), a mãe, o pai, os amigos, os parentes podem ajudá-la a se recordar do dia que pela primeira vez foi ao gabinete para uma reunião privada (secreta?) com a ministra mais importante do governo!!!
Pior: ninguém pergunta o básico para fazer a ponte entre versão e fato:
De manhã? De tarde? Perto do almoço? Chovia? Fazia sol? Perto da segunda? Perto da Sexta? Se preparou de forma especial para um encontro tão importante? Com que roupa? Fez as unhas? Foi no cabelereiro? O que fez antes? O que fez depois? Comentou com alguém em casa? Perto do Natal? Bem antes? Perto de alguma festa de comemoração na Receita? Não há registros de entrada? Fotos? Videos?
(Parece que foi em dezembro ou próximo, conforme vi na Tv.)
Ninguém, nem a oposição, a meu ver, quer, ou consegue, transformar a dita versão em fato.
Os dados ali são cada vez mais líquidos.
O Brasil, aliás, é o país das muitas versões e poucos fatos e dados.
(Não é à toa que a Petrobras deu esse nome “Fatos e Dados” ao blog dela, quando quis combater as versões, que acredita que circulam na sociedade sem comprovação. Não estou defendendo a Estatal, mas apenas mostrando como os conceitos estão aí sendo usados.)
Vejam, pois, como os conceitos são importantes, como já dizia Espinoza:
A maioria dos erros consiste apenas em que não aplicamos corretamente o nome às coisas – Espinosa, da minha coleção de frases.
Vi o depoimento de Lina Vieira na Tv Senado e nenhum senador tentou, também não sei se de propósito, aprofundou a versão, em fato, colhendo dados concretos, para, enfim, termos um fato, no caso, político, administrativo, fiscal, etc….
E o país, num mar sem dados e fatos, derrapa em versões…
Concordas?
Tenho um podcast que fala também da diferença entre dado, informação, conhecimento e sabedoria.
Muito bom – uma reflexão lúcida, que pega na veia do jornalismo e da política brasileiros!
Já vou distribuir entre meus alunos o texto!
nepô, este teu post emenda com perfeicao no anterior sobre dado, informacao, conhecimento e sabedoria… na minha opiniao vc tem compartilhado nao o teu conhecimento com estes posts mas sim a tua sabedoria ! fico irritada com a falta de vontade da imprensa e dos politicos em se aterem aos fatos baseados nos dados que certamente escondem por motivos obvios demais… o fato e que nos consideram burros e manipulaveis o suficiente para que continuem agindo assim… com nosso voto complacente, submisso e reincidente… em nome da fe [sei la em que] prontos sempre a dizermos: AMEM !!!! estou aguardando ansiosamente a noticia que o mercadante nao vai renunciar a presidencia do partido como comentou ontem apos aquele arquivamento de denuncias… tudo muito obvio ululante… a quem interessar possa…
Ana e Suely,
é um longo caminho que temos pela frente: usar as ferramentas da colaboração para reduzir as injustiças atuais e ver outras surgirem na pós-Internet.
Mas, como diz um filósofo, vamos viver a “peça de teatro” que a nosso contemporaneidade ensaiou para nós,
vamos adiante,
valeram comentários e visitas,
Nepô.
[…] São fatos, não versões. […]
[…] No caso de problemas sociais, nossa ferramenta de observação, serão construídas, a partir do método de coleta de dados, de estarmos realmente nos baseando em fatos e não em versões. […]