Temos uma admiração pelo Estado como nossos antepassados tiveram com a Igreja.
Note que o projeto “igreja católica” foi algo muito bem concebido para criar uma aura de sagrada e acima dos problemas mundanos.
O padre não trabalha, não casa, não tem filhos.
É um cara que não tem as mesmas preocupações dos fiéis, desinteressado e, por isso, ele é superior aos demais humanos, tem uma pseudo-paz e pode atender e compreender os problemas dos pecadores.
Assim, ao longo do tempo, transferimos essa aura imaculada da Igreja para o Estado.
O Estado seria algo, como a igreja e os padres, que estaria acima da sociedade e pode resolver os problemas das pessoas de forma desinteressada.
As pessoas que trabalham no Estado, diferente dos empreendedores, não teriam seus próprios interesses, pois não haveria o lucro e as pessoas, atendidas por ele, estarão protegidas da ganância.
Assim, fizemos uma relação Estado (puro) e empreendedorismo (impuro). Bem e mal, o que vai se somar depois à esquerda e direita. Causas nobres e causas perversas, etc.
Isso é o que se vende e cria-se o mito, uma forma de pensar a solução dos problemas de maneira geral, pensando em modelos estatistas, como uma forma mais “pura” e mais “limpa” de resolver todos os problemas.
O estado ganha o estado de solução boa para qualquer problema, pois há um desinteresse, versus uma solução perversa que é o da iniciativa privada, o que afastaria a iniciativa privada, perversa, de algumas áreas de atuação.
(De fato, nossa visão de iniciativa privada é a que temos do século XX de monopólios que dominam o estado e não de um possível ambiente de livre iniciativa aberta, meritocrática e competitiva.)
Assim, de um lado teríamos os interesses mundanos e no outro não há, pois os servidores com suas estabilidades no emprego, sua forma de servir à população, como servidores públicos, são a melhor solução para os problemas, que seriam os padres modernos, acima do lucro e dos interesses.
Há uma aura sagrada no Estado Imaculado.
O problema é que entre o mito e a realidade, existe um abismo.
A realidade é outra.
Qualquer organização, seja ela pública e privada, tem seus interesses corporativos, pois todo ser humano acorda de manhã com uma ponta de preocupação de como vai pagar as contas no final do mês, ou melhorar a sua vida.
Assim, um servidor público, normalmente, é, antes de tudo, mais uma pessoa interessada em resolver o seu próprio problema e depois os dos demais. Bem como seu chefe, o chefe do chefe dele e o chefe maior, que está pensando nas próximas eleições, tanto em termos de fundos para a campanha como de votos.
Há nas entranhas do estado uma rede de interesses, como há também na Igreja, que é velado para justamente se criar um mito de que ali é um espaço sagrado, sem lucro privado, mas com outro modelo de “lucro!” que podemos chamar de “lucro estatal”.
Quanto mais seguro e protegido for este servidor e quanto menos cobrança tiver de fora (da sociedade) para dentro, mais ele, ao contrário do que se diz, vai se voltar para os seus próprios interesses e não o contrário.
O que move o ser humano, de maneira geral, para sair da sua casca corporativa individual é o risco de que ao atender o outro de forma inadequada vá haver algum prejuízo na sua capacidade de sobrevivência no curto, no médio e longo prazo.
Obviamente, quem em toda regra há exceções (pessoas que não se movem por esse tipo de foco), mas isso não pode definir políticas gerais.
Assim, uma das reformas fundamentais que temos que fazer no Estado é introduzir a competição e a cobrança do consumidor, vinda de fora para dentro, para fazer com que haja uma luta para que cada servidor/chefe/chefe do chefe/chefe máximo preste um melhor serviço para a sociedade.
Deve haver uma pressão para que o servidor público mantenha uma taxa elevada de serviço ao público.
Ou seja, o “padre estatista” tem seus interesses, que muitas vezes são opostos aos da sociedade.
Uma das formas é sair da armadilha estatista e transferir serviços para a iniciativa privada com a garantia da livre concorrência, via legislações que protejam o consumidor e não grupos de empresas.
Quando falamos em desestatização de serviços e produtos e o repasse deles para um ambiente de competição meritocrática, não estamos, na verdade, trocando um ambiente sem interesse para outro com interesse.
Estamos, na verdade, mostrando que talvez um ambiente em que o interesse seja mais transparente, sem ilusões mitológicas, possa ser mais fácil de ser gerenciado do que aquele que as esconde.
E que a dinâmica da relação organização-consumo seja mais meritocrática.
O mito do estado desinteressado, agravado pelos problemas de corrupção que podem ocorrer, de indicações não técnicas, de redução do poder do consumidor/cidadão nos leva a repensar o papel do estado.
E rever a sua passagem para um mercado privado competitivo.
Dessacralizando a ideia de que temos hoje de que Estado significa um espaço acima do bem e do mal.
Que dizes?