Se você me perguntar como eu me defino politicamente, já posso te dizer: sou um liberal digital.
Muita gente não gosta da palavra liberal, pois lê neoliberal e acredita que um liberal é aquele que defende tudo que aconteceu no mundo no século passado, toda a concentração e empoderamento das organizações, incluindo o estado, contra os cidadãos/consumidores.
Diria que se os pais da república – os liberais clássicos – entrassem no túnel do tempo e caíssem no século XX diriam que voltou-se à monarquia e é preciso reinaugurar a república e o próprio capitalismo. Eles criaram um modelo para uma dada complexidade, mas que não funciona para a complexidade atual.
Precisamos entender que na macro-história o mundo vive dois movimentos, conforme as Revoluções Cognitivas da vez:
- O de descentralização, quando o cidadão é empoderado por mídias descentralizadoras, o que vimos a partir de 1450, com a chegada do papel impresso, que originou o capitalismo e a república. E a partir do fim do século XX quando disseminamos em larga escala a Internet, quando vamos reinventar o capitalismo e a república, criando o pós-capitalismo e a república digital.
- E o de concentração, que ocorre quando as melhorias sociais nos permitem crescer demograficamente, mas não temos instrumentos tecnológicos para gerenciar as organizações, o que nos leva à concentração de poder.
Nos movimentos de descentralização temos uma reestruturação social, o que nos permite crescer domograficamente, como fizemos de 1800 para cá de 1 para 7 bilhões, mas isso nos traz, entretanto, a obsolescência dos nossos modelos sociais, políticos e econômicos.
Há toda uma disputa dentro do mesmo ciclo, que chamei de redomas tecno-cognitvas, quando esbarramos nos limites tecnológicos de participação da sociedade, o que vai, aos poucos, empoderando as organizações num movimento do “rabo balançando cada vez mais o cachorro”.
Ou seja, o século XX foi o século no qual saltamos demograficamente e não tínhamos ferramentas para controlar as organizações. O que fez com que elas, como faz parte da nossa espécie, passassem a mandar em nós, sejam as públicas e privadas que ganharam cada vez mais poder e concentração. O século passado, assim, não foi o da falência da república e nem do capitalismo, mas a falência do modelo analógico de resolver problemas.
Revoluções Cognitivas têm o papel de abrir um grande portal para se fazer um macro-ajuste sistêmico na sociedade, não abandonando o que conquistamos, mas aperfeiçoando, através das novas ferramentas de participação disponíveis.
Uma revolução cognitiva empurra os limites da participação social para mais longe e isso nos faz poder entrar com uma nova cultura (via empreendedores de todos os tipos, inclusive políticos) para que inovemos na sociedade que temos.
Assistimo hoje, assim, o início da passagem de um modelo de Governança da Espécie Analógica (2.0) para um Digital (3.0), na qual um conjunto novo de ferramentas matemáticas nos ajudarão a lidar melhor com a nova complexidade de 7 bilhões, aumentando a diversidade social do planeta.
Um movimento liberal, assim, na acepção do termo, é um movimento de resgate dos valores democráticos dos liberais clássicos, que resgata a defesa intransigente do cidadão/consumidor contra TODAS as organizações analógicas (sejam elas públicas ou privadas), que estão se servindo da sociedade,
Hoje, somos um cachorro sendo balançados pelos rabos.
Num movimento liberal digital, por exemplo, estaremos e estaríamos do lado dos meninos que quiseram há anos no Brasil criar um site em que vizinho emprestava dinheiro para vizinho, mas o banco central impediu que fosse adiante.
Num liberalismo digital, ou liberalismo 3.0, temos que defender a desregulação que impede que a inovação floresça e que cada cidadão possa criar o seu próprio banco, se quiser, por exemplo.
Um liberal digital incentiva radicalmente o movimento do software livre, dos aplicativos de táxi, dos aplicativos de carona compartilhada, da fiscalização completa do estado do cidadão com celular. Da abertura da ciência para a sociedade, via plataformas digitais. Liberalismo digital rima e incentiva o empreendedorismo e a inovação, que vai tirando o poder dos monopólios ineficientes e recriando de baixo para cima a nova sociedade.
Os liberais clássicos, assim, imaginaram há três séculos um sistema político e econômico, que pudesse fazer frente à complexidade de 1800, com 1 bilhão de almas, e agora nós temos que pegar o bastão deste pessoal (grato a eles) e fazer com que possamos criar um novo modelo para criar uma sociedade que comporte 7 bilhões de pessoas.
Ou seja, quem se diz progressista no século XXI não pode aceitar as fronteiras impostas pelo mundo analógico. Precisa começar uma nova estrada de algum ponto e este ponto são os valores dos nossos antepassados que tanto fizeram por nós e agora estão sendo chamados para nos ajudar.
O ponto de partida para a reconstrução do que temos, não se percam, são os valores dos criadores da república e do capitalismo, os liberais clássicos, que foram aos gregos para imaginar o que temos hoje.
Nós temos a missão de ir a eles (estudá-los) para recomeçar o caminho e inovar a partir deles. Ou seja, não é ficar neles e nem ignorá-los. Mas fazer o que eles fizeram com os gregos. Viram o que tinham e aperfeiçoaram.
São os valores filosóficos clássicos, turbinados com metodologias e tecnologias digitais que nos interessam!
Estamos refundando, portanto, a sociedade de 7 bilhões de humanos, pois nossas fronteiras se alargaram com a chegada da Internet, assim como tinha ocorrido com o papel impresso.
Existem poucas certezas e muitas dúvidas, as poucas certezas que tenho são:
- – que o cidadão tem que voltar a ganhar poder;
- – que este poder passa pelo digital sem as atuais intermediações analógicas;
- – que as organizações têm que voltar a servir à sociedade;
- – e que isso vai se dar com redes cada vez mais abertas, nas quais a sociedade terá muito mais poder de barganha do que tem hoje;
- E que os valores fundadores da república e do capitalismo precisam ser resgatados e não combatidos.
Qualquer sistema político e econômico tem que ser muito mais dinâmico do que o atual, aumentando a diversidade humana que terá como desafio, nos manter vivos com um melhor nível de qualidade possível.
Isso nos ajuda muito a limpar a névoa que cobre esse nublado período de passagem, no qual o retorno a ambientes ainda piores e ainda mais centralizados aparecem como salvadores da pátria.
Uma crise só é, assim, superada quando temos um bom diagnóstico e um bom tratamento.
É isso, que dizes?