Para entender situação desconhecida, lançamos mão de elementos conhecidos e, por causa disso, não conseguimos entendê-la – Proust – da coleção;
O conhecimento humano é feito de dois movimentos:
Descoberta – Fenômenos que sempre existiram (menos mutantes) que encadeamos de forma diferente: lei da gravidade, da relatividade, evolução. Nestes casos, colocamos um óculos novo para ver algo que já estava lá, mas não víamos direito;
Ser cobertos por fatos novos – Uma pandemia, uma mutação genética, um tipo de doença provocada pelo excesso de poluição, a Internet. Nestes casos, não só o fenômeno não estava lá, mas os óculos que usávamos precisa ser ajustado. (A Internet está nesse segundo caso.)
Vamos detalhar.
Por exemplo, quando Einstein sintetizou a teoria da relatividade, o que ele fez?
Leu muita gente, contou com alguns novos instrumentos, alinhavou teorias antigas e criou uma nova visão sobre algo que já existia, pois nada do que ele percebeu já não existia antes.
Os átomos estavam lá, o tempo, o espaço.
O cérebro dele foi associativo e sintético pra produzir: e=mc2.
Digamos que ele des-cobriu, tirou o véu de algo que existia e conseguiu dar uma nova roupagem, uma nova síntese, que permitiu ver as coisas de nova maneira.
É uma observação sobre fenômenos existentes com um novo óculos.
Obviamente, que para ele chegar aonde chegou contou com os acertos e erros dos cientistas passados e um conjunto de novas tecnologias.
Podemos até dizer que temos objetos menos mutantes, tal como a terra, os átomos, os elementos químicos, que vamos descobrindo, que demoram mais tempo para evoluir e se alterarem.
São objetos que estão lá e para compreendê-los, somos nós que trocamos de óculos, tais como a compreensão melhor do universo, com telescópios e sondas cada vez mais sofisticadas.
Porém, existem aqueles que o objeto estudado se altera mais rapidamente no tempo, é mutante, tal como a sociedade humana, os grupos de animais, que migram, mudam, se adaptam, evoluem, etc.
E nós precisamos ir ajustando a lente do óculos ao mesmo tempo que vão mudando, com teorias que sofrem rupturas não só por que mudamos de óculos (grandes insights), mas por coisas novas que acontecem com estes objetos.
É um processo sempre dos dois lados (o objeto que muda e nossa visão do objeto).
São elementos mais mutantes que são mais afeitos a fatores conjunturais, que mudam mais constantemente para os quais as teorias são mais mutantes também.
O importante dessa distinção para o nosso caso em particular é compreender que a Internet é um fenômeno que nos cobriu, não foi descoberto.
Não é algo que estava ali há 50 anos e agora estamos trocando o óculos, como foi a sacação de Einstein sobre a relatividade.
É algo que explodiu e, ao mesmo tempo que vemos a sua evolução, temos que ir trocando de grau do óculos ao mesmo tempo, que torna mais complexo o estudo do fenômeno.
Mais: o estudo de elementos sociais carrega um forte grau de interesse o que nubla ainda mais o estudo, pois as forças procurar reforçar posições, situação, por exemplo, que um astrônomo ou um arqueólogo não sente tanto.
O que reforça esse fato é que nenhuma ciência social (incluindo as de comunicação e da informação) previu que de tempos em tempos o ambiente social, através da comunicação, informação e conhecimento entrava em processo de ruptura radical, com vários fatores atrelados.
Já trabalhei aqui com o pai dessa descoberta.
Lévy, que conseguiu perceber as etapas na história e colocar a Internet em perspectiva de forma fácil de ser compreendida.
Sem os conceitos de Lévy fica ainda mais difícil entender o fenômeno.
Ele é um estudioso de um fenômeno mutante (Internet) que veio à terra sem um planejamento humano consciente.
Ou seja, ninguém quando começou a pensar e desenvolver a Internet tinha a noção da dimensão que o fato ia tomar.
Que estava fazendo algo na mesma dimensão da escrita ou da fala, por exemplo, com forte impacto na sociedade presente e, principalmente, futura.
Fomos cobertos pela Internet e estamos tendo agora que conseguir – no olho do furacão – descobrir suas características para entender melhor o futuro e suas alternativas.
Pior: em torno da visão do que é a Internet entra um conjunto de interesses, de dogmas, o que nos dificultam ver o processo com clareza, pois se é algo de continuidade, continuamos do mesmo jeito com algumas mudanças.
Essa é a panela teórica que estamos envolvidos.
Compreender um fenômeno novo, com novos óculos em um panorama coalhado de interesses dos mais distintos.
Mas uma boa teoria, entretanto, deve ser capaz de nos ajudar a reduzir a taxa de incerteza futura.
A maioria dos pensadores tenta encaixar a Internet com outras mudanças de mídia, tal como o jornal, o rádio e a televisão.
E nos parece óbvio que existe um DNA de desintermediação que está presente na rede digital, que não aparece claramente em nenhum destes fenômenos anteriores da mídia, a não ser a chegada do papel impresso, por exemplo.
E que esse DNA de desintermediação (a consequência mais impactante) é que deve ser analisado de nova maneira pelas ciências humanas com um novo óculos, refazendo conceitos que tínhamos sobre a sociedade, o ser humano, colocando um peso e características diferentes nos fenômenos da informação, comunicação e conhecimento.
Ou responder a questão central:
O que acontece na sociedade quando um ambiente cognitivo de massa possibilita uma forte desintermediação como estamos vendo agora?
As cartas estão na mesa sendo embaralhadas e distribuídas.
Os óculos precisam ser ajustados.