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 “Muito do que é estratégico relevante é cognitivamente distante” Giovanni Gavetti – da coleção de frases;

 

Foto: Thelma Vidales

 

Estive semana passada na Petrobras para a palestra de Pierre Lévy, aqui no Rio.

(Finalmente, Lévy ao vivo, a cores e em 3D.)   😉

Lévy tem se dedicado mais recentemente a desenvolver uma nova linguagem, um projeto prático que visa facilitar a interpretação dos códigos da rede.

Quer humanizar o que ainda é não humanizável na rede digital, tal como os resultados do Google, de tal forma a você mexer dentro dele, poder manipular os algoritmos.

Só vamos poder ver se tem valido a pena não tê-lo escrevendo mais e mais, na hora que sair algo concreto, que possamos experimentar.

No seu último projeto prático, não se massificou, como foi o caso do software da árvore do conhecimento.

Foto: Thelma Vidales

Tenho dúvida se este é o melhor caminho dele (mais prático do que teórico), mas quem sabe agora ele acerta?

Porém, com certeza, o forte de Lévy é a sua rara capacidade associativa/sintética que consegue criar um cenário. baseado na história humana,  mais factível das mudanças que estamos passando com a chegada da rede digital (Internet) e escrever isso, como sugere Einstein, de tal forma que qualquer vovó entende.

Levy está a uns 20 anos na frente, assim como esteve em 99, quando avaliou a partir da história o que estávamos enfrentando com a Internet a chegada de nova era cognitiva no seu livro Cibercultura (que recomendo como porta de entrada para quem não conhece a sua obra).

Na palestra da Petrobras, como vemos no quadro acima, ele não trouxe algo totalmente novo, pois vem aprofundando a base que o fez um dos maiores pensadores atuais e um, senão o principal,  sobre Internet.

Em resumo ele disse:

  • – É preciso olhar a história para compreender a Internet, se não nos perdemos;
  • – A Internet permitirá mudanças no planeta com repercussões em vários aspectos da nossa vida.

Percebi que deu uma arrumada melhor na sua divisão histórica, antes falava nas fases (tempos de espírito)  oral, da escrita e do digital.

Hoje, inclui a relevância do alfabeto e da mídia de massa como passagens relevantes, etapas da evolução da mídia, que chamou de midiosfera. E começa a fazer a relação entre estas mudanças na política, na economia (até onde ele mostrou por lá).

Mas foi só no sábado, pedalando,  quando a poeira do encontro assentava, que me veio claramente a importância do legado de Levy que tem influenciado um amplo leque de pesquisadores pelo país afora, dentre os quais me incluo.

Levy propõe, na verdade, ver o mapa mundi de cabeça para baixo.

 

Explico.

Alguns pensadores ao longo da histórica tiveram esse mérito.

Pegaram um ponto adormecido da maneira que olhávamos o mundo e repensaram, recolocando ou trazendo luz nos dando a possibilidade de ver a realidade sob outro ponto de vista, a partir de problemas que não podiam mais ser pensados da mesma maneira, pois geravam crises de percepção, que, por consequência, desembocavam em crises práticas.

(Basta ver o despreparo das organizações para lidar com a rede digital.)

Entre outros:

  • Darwin/Marx – Evolução/Economia/Ideologia – Século XIX;
  • Freud/McLuhan/Einstein – Inconsciente /Comunicação/Relatividade – Século XX;
  • Lévy – Conhecimento/Mídia/Informação – Século XXI.

A grande bandeira de Lévy é muito ousada e, portanto, tão difícil de ser digerida pela sociedade e, principalmente, pelo dito mercado.

Ele nos propõe a repensar completamente o papel do conhecimento/informação/comunicação na sociedade, pois víamos esses fatores como algo secundário influenciado pela política e economia, por exemplo.

Eram condicionados e não condicionantes.

A chegada da Internet nos colocou uma realidade que tal este tipo de visão não é tão eficaz, pois a sociedade começa a fazer macro-mudanças inexplicáveis por causa da chegada da rede.

Novas empresas, novos movimentos políticos, novas formas de se vender, de comprar, de se informar, se comunicar, de se relacionar.

E não é nem a economia, nem a política e nem o social que estão provocando tais fatos, mas a macro-mudança no ambiente da mídia, que envolve o conhecimento, a informação e a comunicação.

Como isso é possível dentro das teorias que temos hoje?

Ou seja,  a rede digital criou um desafio teórico, que Lévy resolveu encarar de frente.

E gerou, a partir de suas teorias,  uma crise paradigmática, de concepção, que nos faz repensar a base de como vemos a sociedade e nós mesmos.

Lévy sugere inverter o mapa conceitual vigente, demostrando, através de uma lógica histórica, que, ao contrário de nossa vã filosofia de que o conhecimento/informação/comunicação, encapsulados em uma nova mídia,  criam a estrada na qual a economia, a política e a sociedade irão trafegar de forma radicalmente diferente no futuro.

E não, como achávamos antes, o contrário.

Ou seja, se não entendermos as mudanças neste campo não conseguiremos entender a dos outros. Isso é uma ruptura radical na nossa maneira de enxergar a realidade! E o principal desafio teórico do século XXI. É o mundo teoricamente de cabeça para baixo.

A nova rede digital influencia a sociedade, que passa a influenciar a rede, mas sem a rede, a sociedade não poderia se influenciar e ser influenciada.

Ele lembra que há momentos na história tal como a chegada da fala, da escrita, do alfabeto, da mídia de massa, da Internet que uma grande mudança serve como marco, que permite que as outras (econômicas, políticas e sociais) possam ocorrer em larga escala.

Não é causa, mas uma forte consequência.

Lévy deixa isso claro: não é a mídia que cria a mudança, mas sem ela as mudanças seguintes não serão e não foram possíveis.

A nova mídia é o berço no qual o bebê se deita.

Ponto.

Foto: Thelma Vidales

Outros autores, principalmente historiadores, falaram algo parecido, mas não com a clareza, simplicidade e o alcance que os pensamentos de Lévy atingiram na sociedade entre uma parcela importante de pesquisadores e pensadores, principalmente os menos preconceituosos e menos dogmáticos.

Leia abaixo com cuidado essa comparação entre economia x mídia para reforçar a ideia do que influencia o que.

Note que Lévy apresenta que a chegada de novos mídias afeta e permite a economia das caçadas, da agricultura, do comércio industrial e agora da economia do conhecimento.

Assim, podemos dizer que o erro teórico principal atual é ignorar o papel da chegada da rede digital como um fator relevante de análise para o futuro!

Por exemplo, quando se analisa os recentes movimentos dos países árabes ou europeus (Espanha ou Inglaterra), lembra-se do papel da rede, mas não imagina-se que estamos procurando construir uma nova forma de fazer política, viável agora com o novo ambiente da mídia.

Só uma visão Levyniana permite ver com mais amplidão estes fenômenos, como primeiros passos de uma nova forma de fazer política e não movimentos isolados do movimento histórico do avançar de uma nova mídia desintermediadora.

Ou quando se fala do futuro da economia (capitalismo cognitivo e/ou digital)  e da política (2.0)  não se enxerga, quase nunca,  o papel que a nova rede digital terá de forma contundente, marcante nesse processo, fundando uma nova civilização.

Onde você lê isso com destaque nas revistas de economia?

Ignoram as teorias de Lévy e de outros que caminham na sua trilha, tal como Castells no Brasil e no mundo.

Esse é o principal papel de Lévy para as teorias sobre a sociedade. Olhávamos o mundo da economia, da política e da sociedade como influenciadores do conhecimento, da informação e da comunicação e não o contrário.

E é esse mapa_teórico_mundi  invertido que estamos vivendo hoje e é tão difícil de aceitar e ver de forma distinta.

Lévy apresenta um atalho mais eficaz para compreender o mundo, mas a sociedade não quer ver, ignora, pois estamos, como sempre estaremos,  no piloto automático, avessos às novas ideias radicais, como sofreram os pensadores associativos/sintéticos do passado como Marx, Freud, Darwin, Einstein entre outros.

Acho que nessa direção vale a leitura do texto “A nova psicologia da liderança estratégica“, da Harvard Business Review, edição brasileira, de julho, de Giovanni Gavetti,  parte do texto pode ser lido aqui.

Gavetti nos diz que, ao se pensar o futuro, as pessoas (principalmente os estrategistas) tendem a vê-lo com os olhos do passado e, no máximo. do presente imediato.

E que se perde muito tempo analisando o que está fora (fatos) e não o que está dentro “nossos processos mentais” (como pensamos).

Ou a maneira equivocada, viciada, domesticada de vermos o mundo.

Que os estrategistas (responsáveis pelos cenários do porvir)  tendem a chegar as mesmas conclusões, pois pensam de uma forma muito esquemática e pouco criativa, não associam, apenas somam as informações.

Que as grandes oportunidades disponíveis (e as mais lucrativas) não serão atingidas se continuarmos pensando de forma usual.

Que temos a tendência de nos deixar levar pelos pensamentos cognitivamente próximos daquilo que as empresas fazem e rejeitar ideias cognitivamente distantes.

Para isso, segundo ele, é preciso praticar um tipo de cognição associativa que nos tire do senso comum.

(Vejo hoje no mercado justamente essa GRANDE dificuldade ainda mais por que somos filhos, netos e bisnetos da escola não-associativa muito mais baseada na memória do que na criatividade.)

Estamos tão viciados e tão aflitos para resolver os problemas do hoje (fala-se em valor e lucro imediato) como se todos estivessem vendo o mundo de forma prática, mas no fundo da mesma maneira.

Aqui vale chamar o Cortella:

“O mundo ocidental capitalista especializou-se nos “comos” e deixou de lado os “por quês”” 

(do Livro “Qual é a tua obra? que considerei um dos melhores de 2011.)

Queremos resolver o como e não perguntamos os por quês das coisas, aonde estão as grandes mudanças que geram as grandes oportunidades!

Nos cursos que faço, muitos dos participantes querem tudo mastigado, pois não querem pensar cognitivamente distantes.

Acham pouco prático algo que será extremamente útil.

Querem resolver demandas e não criar demandas, a partir de um cenário construído por ideias distantes como estas do Lévy e afins.

Mas, como lembra Gavetti precisamos olhar as coisas de forma diferente se quisermos pensar a estratégia de forma mais eficaz.

E é justamente isso que Lévy traz para o mundo.

Essa visão cognitiva distante de Lévy, que bate de frente  com a visão do  mundo que tem pressa de ganhar dinheiro para ontem, mas, por incrível que pareça, e está cada vez mais cego para as  grandes oportunidades que  pensadores associativos/sintéticos  projetam de forma eficaz para o futuro.

Justamente onde estão as grande oportunidades de gerar valor.

Ou seja, quer se gerar valor, desde que não precise mudar quase nada!

É o valor da mesmice!

Esse é o dilema (e mesmo o drama) dele e da nossa civilização, a primeira da nova era digital.

Nossas cabeças cognitivamente viciadas  não conseguem (por enquanto) compreender o que, de fato,  vivemos e o mega-desafio que temos pela frente.

Lévy está aí para ajudar, mas quem quer, de fato, ouvi-lo e praticar o que ouviu?

Fica tudo uma grande curiosidade, mas quando acaba todo mundo volta para casa e para a sua mesa de trabalho..ouve-se:

Ok, agora vamos voltar para “a realidade”. 🙂

É isso!

Que dizes?

17 Responses to “Pierre Lévy e o novo papel do conhecimento”

  1. Marcos Cavalcanti disse:

    MUITO BOM Nepô!!!!
    Tem uma frase tua que não gostaria de deixar passar. Você diz uma coisa ESSENCIAL: as pessoas “não associam, elas apenas somam a informação”. Este ponto é crucial. Somar as informações é o que aprendemos a fazer com nossa visão cartesiana. Aquela que coloca as coisas em caixinhas incomunicáveis. Quando associamos, quebramos os limites das caixinhas e transformamos as informações. Elas perdem o seu significado inicial (quando ela estava isolada) e ganham outros! Associar é romper com a visão cartesiana e mudar a forma de ver o mundo, tornando nossa visão mais sistêmica, complexa!
    “Não associam, apenas somam”: uma frase simples, mas prenhe de significado!!!!!

  2. Paula Ugalde disse:

    Oi Nepô! 🙂
    Excelente leitura! Tks! Marcos Cavalcanti referencia um dos principais pontos restritivos aos avanços civilizatórios, a saber, a dificuldade de fazermos associações mais amplas, pela via do pensamento complexo. Precisamos construir a competência ou continuaremos *ouvindo* sem *escutar*, *pensando* sem *refletir critica e complexamente*, *falando* das partes sem ver e *dialogar acerca do todo*!

    Sim! “…quer se gerar valor, desde que não precise mudar quase nada!”
    E talvez caiba complementar dizendo que especialmente o que envolve mudanças pessoais…
    Na prática a teoria é outra. 🙁
    Consigo ver – ainda que faíscas, inúmeras buscas e construções neste sentido e acredito que continuaremos avançando *apesar* de nossas lacunas.
    O que coloca sobre Lévy estar aí para ajudar a todos que desejarem é fato. Assim como vários pesquisadores mais próximos também.
    Haverá quem tente resistir! Os *passarão*…. O mundo se abre cada vez mais para os *passarinho*. 🙂
    []’s!!

  3. Nuria Pons Vilardell Camas disse:

    Nepomuceno, muito gratificante sua leitura das falas de Levy e a indicação de Mário Cortella, que nos deixa claro que para enterdermos o processo (como) temos de nos questionar por que. Parabéns!

  4. Alexandre Gil disse:

    Nepô,
    Consegui um convite para a palestra, mas não pude ir por conta de um problema de trabalho.
    Fiquei muito chateado por não ter curtido este evento que, ao que me contaram, acrescentou muito à todos. Mas, lendo o seu post, me senti como se estivesse lá na hora. Valeu mesmo!
    Um grande abraço.

  5. […] hipótese de Lévy e de vários outros é de que estamos entrando em outra era da civilização e que  o papel da […]

  6. […] Isso tem forte impacto em pensar estratégias cognitivamente distantes, construindo apenas cenários próximos, como foi detalhado na parte final deste post. […]

  7. […] Já trabalhei aqui com o pai dessa descoberta, que foi o Lévy, que conseguiu perceber as etapas na história e colocar a Internet em perspectiva de forma fácil de ser compreendida. […]

  8. […] estou fazendo uma série de posts, a partir do insight que tive sobre a palestra de Pierre Lévy no Rio. Vou continuar a detalhar mais um pouco os desdobramentos dessa nova […]

  9. […] Como detalhei aqui, depois da palestra de Lévy no Rio, o autor é o que consegue, de forma simples e eficiente, questionar essa premissa maior. […]

  10. […] estou fazendo uma série de posts, a partir do insight que tive sobre a palestra de Pierre Lévy no Rio. Vou continuar a detalhar mais um pouco os desdobramentos dessa nova […]

  11. […] as redes sociais, sem ser por meio de uma visão histórica (Sugestão de leitura sobre o tema ( Pierre Lévy e o novo papel do conhecimento). Essa mudança com a rede social, a internet é um macrofenômeno histórico influencia a maneira […]

  12. […] as redes sociais, sem ser por meio de uma visão histórica (sugestão de leitura sobre o tema ( Pierre Lévy e o novo papel do conhecimento). Essa mudança com a rede social, a internet, é um macrofenômeno histórico influencia a maneira […]

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