Aquele que não conhece história, está condenado a repeti-la – George Santaiana – da coleção;
Comecei aqui uma nova jornada de estudos, através da Filosofia da Tecnologia.
A nova área visa não mais acompanhar como anda a tecnologia (algo praticamente impossível e sem nexo) para como pensamos sobre tecnologia (algo factível e com nexo), já que se soubermos como pensamos sobre teremos mais facilidade de saber como vamos usá-la.
Parece óbvio, mas não é prática.
Nessa linha, é importante conhecermos a fonte que bebemos, antes de analisar o teor de “cloro” da água e os seus resultados após ser degustada.
Temos três grupos de tecno-pensadores:
- Os alternativos (blogueiros, que não estão na grande mídia e exercem influência menor);
- Os midiáticos (blogueiros, ou não, que publicam livros, geralmente sem colocá-los na rede para leitura, com forte poder de influência);
- Os acadêmicos (geralmente não blogueiros, que publicam artigos científicos, com influência também menor).
E misturas entre tudo isso, alternativos acadêmicos, acadêmicos midiáticos ou midiáticos acadêmicos.
Como a vida não é simples, nem preto e branca, sigamos.
Podemos dizer, assim, que quem faz a cabeça do mundo sobre tecnologia, principalmente as cognitivas (Internet no meio) são os midiáticos, apesar de sofrerem influência e pressão dos alternativos e acadêmicos.
Normalmente, os midiáticos são americanos (Shirky, Anderson, Keen, Tapscott, O´Reilly, entre outros).
Portanto, a maior parte dos conceitos e estratégias que temos sobre Internet são produzidas, concebidas, consumidas e digeridas, a partir de tecno-pensadores midiáticos americanos, que têm, entre eles, algumas características em comum:
– geralmente, não baseiam seus argumentos na história, seus livros começam no hoje e falam do futuro, como se não houvesse passado. Isso é, provavelmente, a influência da cultura do aqui e agora, do a-historicismo cultural, que temos uma descrição no bom livro do Guy Debord (francês): Sociedade do Espetáculo;
(Nele, ele diz: Um Estado em cuja gestão se instala por muito tempo um grande déficit de conhecimentos históricos já não pode ser conduzido estrategicamente – Guy Debord;)
– ideias sem origem, prendem mais o leitor a seu dono, o que cria uma dependência cognitiva, forçando a ler o próximo livro;
– geralmente, são leitores de textos em inglês, com pouco espaço para estudos de autores de outros idiomas. Nós lemos eles, mas eles não nos lêem. (Engraçado, pois nossos gurus estão em desvantagem, pois têm menos opiniões sobre o mesmo assunto, comparado aos demais que lêem bem em inglês, o brasileiro lê espanhol e vice-versa)
Ou seja, os que menos interagem no planeta interconectado, são os que têm mais palco!
– e geralmente são muito pragmáticos, pouco teóricos e, muitas vezes, avessos a tudo que pode se chamado de teoria, mesmo aquelas consistentes.
Consumimos e defendemos ideias desses pensadores.
Temos que, claro, ressaltar seus méritos, pois existem.
Mas saber das limitações, para complementá-las, o que normalmente não é feito.
Engolimos anzol, chumbada e – às vezes – até o molinete!
E a nossa prática se espelha nesse conjunto de premissas, digamos, limitada, apesar de acharmos que temos “a verdade”, sem saber que tal “verdade” é construída por alguém.
(Assemelha-se ao filme Origem, quando vamos ao ponto em que estão fazendo a nossa cabeça. Ver mais sobre isso aqui.)
Fazemos, por que pensamos, a partir do que consideram bacaninha.
O que explica nossa grande dificuldade de superar alguns conceitos sobre Internet e compreender a marginalização de algumas ideias importantes.
Reflete, por exemplo, na não difusão em maior escala nas ações relevantes de grandes empresas e governos dos conceitos, tais como os de Lévy e Castells, que vão procurar estudar a história para entender o que estamos passando.
E justifica o estranhamento quando esse tipo de visão é passada, como se fosse algo do outro mundo.
Sim, é de outro mundo: não-americano!
(Ressalvo que não há pré-conceito contra o que vem dos EUA, pois tudo que é bom, seja de onde vier, vale a pena, não se pode é ser apenas de um lugar só.)
Na minha tese de doutorado, quem se destaca e aparece com força é Pierre Lévy, que é Tunisiano, que fez o contra-ponto a essa visão a-histórica.
(Parece que não lêem Lévy nos EUA!)
Seus livros partem da compreensão da rede, através de um estudo da história da cognição humana, o que nos dá um sentido amplo para entender o fenômeno.
Outros que seguem na mesma linha é Castells (Espanhol) e Burke (Inglês).
Todos fundamentais para compreensão do fenômeno.
Todos menos midiáticos e um pouco mais acadêmicos, porém de comunicação fácil.
Lévy, que parece ser casado com brasileira, vem muito ao Brasil.
Castells nem tanto e Burke, idem.
Se vieram, foi sem grande fumaça.
Ficando com influência menor na nossa maneira de pensar.
Notem que a influência na maneira de pensar negócios no Brasil é muito forte e tem se passado para a visão que temos da Internet.
Temos um “espírito de índios esperando as caravanas chegarem na praia“.
Vide o espaço que damos ao importado, by EUA e como pouco valorizamos o que é produzido aqui ou em outras praças.
Isso nos remete a uma discussão ainda maior sobre modelos dos eventos no Brasil sobre tecnologia, futuro, internet, etc..
São na maioria uni-direcionais, um palestrante por vez, sem debate entre pensadores, sem interação forte com a platéia.
Não se paga ao palestrante brasileiro, só aos que vem de fora e geralmente os caras que nem sempre vão agregar, geralmente, para falar coisas até mais básicas, do que os nossos índios. 😉
Quando Stallone diz lá fora que ele explodiria tudo aqui e ainda ganharia um macaco, dói de ouvir, mas, na sua sinceridade de Rambo, há uma certa verdade dura de escutar.
Concordas?
Caro Nepomuceno,
Concordo com suas colocações. A falta de perspectiva histórica dos norte-americanos realmente incomoda. O que faz que qualquer um deles com um pouco mais de tino ganhe destaque (Michal Moore que o diga).
Entretanto, entendo que são seres extremamente práticos, fazendo com que os anti-teóricos de plantão babem em estado apoteótico.
São os reis da técnica, e os adminiro por isso. Quando quero uma visão mais crítica, prefiro os latinos.
Parabéns pelo post. Sempre pensei dessa maneira, graças a Deus. Foi um dos melhores textos que já li falando sobre esse assunto. Sempre procurei dar mais valor para as coisas nacionais do que estrangeiras. A única coisa que o Brasil precisa realmente se basear la fora, para mudar mais e para a melhor, é na política.
Concordo com tudo Nepô…
Mais ainda…acho que esta abordagem pode ser transposta em diversas áreas do conhecimento e em outros microcosmos.
Parabéns pelo post! Temos mesmo que estar de olho aberto para o tipo de “pensamento” que consumimos.
Abs
Augusto, Vinicius e Felipe,
grato pelo incentivo..vamos em frente, não caindo, porém, no nacionalismo, mas na diapasão das fontes.
Gosto dos EUA dos projetos e da inovação, mesmo sem ter um cenário geral eles se atiram.
Abraços,
Nepô.
Nepô,
estava agora de manhã falando com uma amiga das Filipinas sobre o incidente do sequestro do Ônibus…
Acabou que o assunto foi parar em filmes e deu pra ver bem na prática um pensamento positivamente crítico de quem tenta analisar as coisas um olhar “de fora”, uma análise holística e livre de preconceitos…
Abs
Filipe, vc fala do filme 174?
Na verdade falávamos sobre Tropa de Elite (por conta da qeustão da corrupção). A relação com a história é que (pelo que foi noticiado) o ex-policial que sequestrou o ônibus aparentemente foi demitido por ter ligações com o tráfico de drogas e outros delitos.
Mas eu cheguei a indicar para ela os dois fiilmes do 174 (tanto do documentário quanto o que “noveliza” a história).
belo texto.
acredito que hoje temos muita informação e pouca comunicação.
ávidos por novidades.
o trabalho pesado, a lição de casa, ninguém quer fazer.
todos à procura de uma silver bullet.
cheguei aqui pelo @flavio_raimundo! 🙂
abs
Este texto se encaixa bem como a cabeça do mundo é feita pelos americanos. Não não é do pessoal do Bin Landen, mas do NYTimes:
http://www.nytimes.com/2010/08/26/world/americas/26iht-currents.html?_r=1&ref=americas
abraços,
Nepô.