Nenhum investimento produzirá retornos efetivos se nossos conceitos sobre educação e gestão escolar se nossa abordagem permanecer a mesma – Viviane Mosé – da minha coleção de frases;
Apareceu a peça do quebra-cabeças que faltava para ver com mais clareza a crise da Escola, na passagem da Era cognitiva da Escrita para Era cognitiva Digital, que detalhei aqui.
E a luz veio da Revista Politics de abril, que chegou esta semana aqui em casa.
O texto é o “Movimento do Software Livre por uma relação livre com a tecnologia, que só consegui, por enquanto, achar em espanhol.
Neste texto, o autor defende uma tese interessante de que há pensadores que consideram que a tecnologia não é neutra, pois exerce influência sobre seres humanos, independente do uso que damos a elas.
É como elas nos moldassem apenas pelo uso, independente do que fazemos com ela.
Já li outros autores que vão nessa linha, tipo Bruno Latour.
E apesar de defender, de certa forma isso, quando analiso a chegada da rede, essa frase não estava cristalizada em minha cabeça:
“A tecnologia não é neutra”.
Mudei, pois consolidei que não é mesmo, pois exerce influências involuntárias em nosso cérebro ainda mais as cognitivas.
Algo como, por fora, depende do uso.
Por dentro, vai moldando nossa maneira de nos relacionar com o conhecimento e, portanto, alterando nossa maneira de pensar, modificando o próprio cérebro.
Quanto mais usamos, independente do conteúdo ou do jeito, ela vai alterando o processo de cognição.
E isso nos remete a uma discussão interessante, pois parte é indutória e, claro, parte é dado ao humano trabalhar melhor com essa indução, desde que consiga ter consciência de para onde ela está nos levando.
Sem sentirmos, vamos nos adaptando internamente a uma nova forma de produzir e receber conhecimento.
A escola, portanto, exerce duas funções na sociedade:
- 1) passar o conteúdo que existe no passado para “sincronizá-los” com as crianças ao entrarem no mundo;
- 2) moldar os cérebros das crianças a Era Cognitiva da vez, a escrita, que está dando lugar a Digital (em rede).
Assim, a escola deveria “ensinar” ou “moldar” os jovens o modelo mental da era da da vez.
Muda-se a Era Cognitiva, passando para a Digital, deve-se adaptar, não o conteúdo da escola, somente, mas, principalmente, a forma de aprender, pois os cérebros das crianças precisam se adaptar a um novo modelo, que a Internet estabelece com padrão hoje e amanhã.
E aí está, talvez, a principal crise entre o novo cérebro das crianças em rede, em casa. E a forma de aprendizado da escola, que já não é mais compatível com esse cérebro novo.
A mudança na Escola, portanto, tem que se adaptar ao jeito pelo qual exercemos a cognição em Rede Digital, que tem como características principais:
- a não consolidação;
- rapidez;
- aprendizado em grupo;
- alteração e interferência de várias maneiras constante nos registros do conhecimento (informação).
E isso não é, portanto, apenas o uso da “tecnologia em sala de aula”, mas tudo que está em torno de uma nova Era Cognitiva suas consequências em nossa maneira de produzir conhecimento.
Passamos assim de um modelo de aprendizagem, baseado na Escrita, para outro, que se estabelece no meio Digital, a saber:
| Escola da Era Escrita | Escola da Era Digital |
| Transmissão professor/aluno | Co-criação professor/aluno aluno/aluno |
| Conhecimento consolidado | Conhecimento em eterna consolidação |
| Aprendizado por assunto | Aprendizado por problema |
| Aprendizado vertical | Aprendizado horizontal |
| Divisão por idade | Divisão por interesses |
| Individual |
Em grupo |
É uma mudança coerente com a mudança da própria Era Cognitiva, na forma de ensinar e não no conteúdo.
Ou colocando equipamentos, mas a relação professor-aluno, aluno-aluno, e o conteúdo continua da era passada.
Que dizes?
Eu concordo que a tecnologia não é neutra, principalmente neste momento em que as tecnologias da informação e comunicação vem difundindo modelos de comportamento e até mesmo de aprendizagem bastante diferentes do que tínhamos – ou temos – na sociedade.
E eu concordo plenamente que a escola já passou da hora de mudar certas concepções. Há professores que tentam utilizar os meios digitais e romper com certas práticas tradicionais – não que o “tradicionalismo” seja ruim: em um momento de transição, ainda daremos muitas aulas tradicionais e aos poucos promovendo a inserção dos alunos no universo digital, visto que ainda estão condicionados com os modelos do “professor centralizador e da cópia do quadro”.
Falo isso mais à vontade porque sou professor e já atuei em órgãos ligados à tecnologia educacional em Salvador e na formação de professores nesta área. E há muitos professores com vontade, com boas ideias para utilizar os meios digitais – blogs, podcasts, etc – e muitos desistem porque não encontram na escola a infra-estrutura necessária e tampouco boa vontade administrativa ( e falo tanto da administração escolar quanto da administração governamental) para colocarem em prática seus projetos.
É por isso que critico diversos cursos “de informática” e “mídia digital” oferecido por várias secretarias. Interessante que tais cursos são oferecidos e muitas escolas não possuem sequer computadores. Os professores, então, tem que recorrer a outras alternativas – negociar o acesso a um telecentro, por exemplo. Mas é curioso que é exigido do “novo professor” um perfil flexível, dinâmico, orientador…mas a escola, em si, não muda e tal ambiente acaba desestimulando novas práticas. Então o mais fácil – e o possível, muitas vezes – é recorrer ao velho condicionamento ou ao que Paulo Freire chamava de “educação bancária”.
Mas gostei bastante do texto e concordo com suas ideias.
Um abraço!
Olá,
ótimo o post. Mas… existe mais uma variável que está aí para quem dá/eu aula: a heterogeneidade das turmas. O que o professor poderá fazer se trabalha com colegas da era escrita, ou só tem um ou dois alunos que estão já moldados para trabalhar no modelo da era cognitiva?
O trabalho de moldar os jovens pode ser feito sim, … mas com a velocidade menor.. aquela que a “Instituição escolar” permite.
A crise da escola não poderia ser um reflexo da crise da família… e até das transições e contrastes da sociedade?
Jaime e Glória, o foco é a mudança na concepção da escola, na qual o professor está junto e atuando para repensá-la.
Sem essa revisão geral, não acredito também em mudança, ou focos isolados.
Vamos ver,
grato pela vista,
Nepô.
Pelo Twitter:
@Raquel_Costa
@cnepomuceno li seu post sobre a crise na escola e gostei. Sobre este assunto escrevi aqui: http://bit.ly/cPCgSX
Li e gostei…
Complementando, acredito que estamos entrando na Era Digital na sociedade das versões…
O conhecimento está sendo versionado, 1.0, 2.0;
O ambiente da informação, Web 1.0. Wen 2.0
E as pessoas também vão passar a se sentir assim, entro na sala de aula 2.8 e saio 2.9..é só ir registrando 😉
Que acham?
Eu adorei o post, mas esse seu último comentário, foi d+.
Esse conceito de versionamento é o “feijão com arroz” do desenvolvimento de software.
Mas nunca tinha pensado como ele se aplica ao nosso processo de aprendizado. É isso mesmo, escuto uma notícia, uma opinião e vou versionando. Assisto um documentário, faço links com um post, com um livro e então, mais uma nova versão.
Os blogs e wikis na verdade, são ferramentas para registrar o que a gente já fazia na cuca, com a maior facilidade…
Cool!
Pois é – foi uma ideia que veio rápida, mas vou blogar sobre isso e desenvolver +.
bjs,
valeu visita.
“Não há Pedagogia Apolítica (Neutra)!” P. Freire.
Nos últimos 25 anos, assistimos a crescente e acelerada migração do suporte texto/papel para outros formatos.
Nesta década, MAIS INTENSAMENTE, presenciamos a esquisofrénica canalização de mídias massifcadoras, produzindo impressões e percepções semelhantes, comuns para apenas 2 sentidos preponderantes: O OLHO e o OUVIDO!
A “Leitura do Mundo” que antecede a toda leitura de “textos” tornar-se assim falsamente:
UBIQUIDADE/ATUALIDADE/MODERNIDADE/SIMULTANEIDADE/CELERIDADE/INTERATIVIDADE/COMUNICABILIDADE…
ASSIM COMO no plano da tecnologias de transportes ansiamos vencer as barreiras do som, e dominar a da LUZ… No plano da comunicação inventamos mais tecnologias para supostamente termos mais tempo, e , usá-lo mais e melhor: porém somente conseguimos trassnformar lixo físico/ôrgânico em virtual/inorgârnico!
Se todo o conteúdo hj na web fosse impresso, talvez esgotássemos toda a reserva do planeta tanto em energia como em matéria-prima: eis indiscutivelmente a grande e principal vantagem desta era: adiamos mais por umas décadas o tão pressentido colapso global, dando-nos a ilusão que as soluções cruciais de nosso tempo foram alcançadas! Qdo. na verdade, elas foram equalizadas astuciosamente para servirem a grandes grupos econômicos, e distrair a massa com passatempos, atividades lúdias e jogos em que o único custo real é nosso gasto/desperdício de tempo…
Caro,
Sou um conservador e reacionário empedernido! Não há Escola da Era Digital! Quando leio sua lista comparando Era Escrita e Era Digital, lembro-me de Sócrates, ele já ensinava no estilo Era Digital há mais de 2500 anos.
Há boas escolas e as outras! Escola é para ensinar (ou melhor, treinar) a pensar e pensar independe dos instrumentos que uso, seja o papel, seja o iPad. Eles ajudam e muito, mas são acessórios.
Um abraço,
Sócrates2.0
Ronaldo, concordo, mas você não acha que o ambiente de conhecimento influencia o modelo da escola? A imprensa?
E a sociedade?
Me inquietou esse termo “treinar”….
A escola treina, ou na verdade, destreina..pois pensar não seria um eterno destreinar do senso comum?
me diga,
nepô.
Caro Nepô,
Sei que pode parecer chocante dizer que a escola “treina a pensar”.
Mas stricto senso é isto mesmo e, é importante entender isto para poder contribuir para a melhora do sistema educacional. Pensar exige disciplina, exige método e você precisa de bastante treino para transcender o senso comum.
Concordo com você que o ambiente de conhecimento influencia o modelo da escola, pois a escola é um reflexo da sociedade e de quão bem, ela, a sociedade, está “treinada” a pensar. E “pensar” pode também dar errado! As melhores escolas da primeira metade do século XX estavam na Mitteleuropa, que geraram grandes intelectuais e cientistas, mas também, treinaram os nazistas!
Ronald,
treinar: A expressão refere-se à aquisição de conhecimento, habilidades e competências como resultado de formação profissional ou do ensino de habilidades práticas relacionadas à competências úteis específicas…http://www.google.com.br/search?sourceid=chrome&ie=UTF-8&q=define:+treinar
Obviamente que você quer dizer algo mais modelador…nesse caso concordo..é um dos papéis da escola, criar uma modelagem cerebral para que o novo cidadão possa, com tentei dizer acima:
“…moldar os cérebros das crianças a Era Cognitiva da vez, a escrita, que está dando lugar a Digital (em rede).”
Neste caso, se treinar e moldar podem ser sinônimos, fechados…;)
Vc diz:
“E “pensar” pode também dar errado! As melhores escolas da primeira metade do século XX estavam na Mitteleuropa, que geraram grandes intelectuais e cientistas, mas também, treinaram os nazistas!”
Sobre isso, o Globo esta semana, desde domingo, tem feito uma interessante reportagem sobre a escola que estudo o Fernandinho Beira Mar….para entender o motivo que o levou ao crime, entrevistando várias pessoas da turma dele que tiveram outro caminho.
Talvez aí tenhamos algumas vertentes:
a cognição/afetiva x abusos sofridos na infância;
características pessoais;
ambiente em torno que leva, em função dos dois primeiros, para o caminho “A” ou “B”.
Grato pela visita e comentário,
Nepô.