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As novas possibilidades de criação coletiva distribuída, aprendizagem cooperativa e colaboração em rede oferecidas pelo ciberespaço colocam novamente em questão o funcionamento das instituições e os modos habituais de divisão do trabalho, tanto nas empresas como nas escolas – Pierre Lévy – da minha coleção de frases;

Estava em um cliente e ouvi a seguinte frase:

“Estamos entrando num mundo sem hierarquia”.

Ponderei logo depois para a cliente que não era bem isso e reproduzo aqui minhas reflexões, a partir de lá.

Existem algumas premissas para fazer essa discussão:

  • 1- sempre vivemos em rede sociais, desde que estávamos na caverna;
  • 2- estas redes dependiam e dependem de ambientes de comunicação e informação para sobreviver, variando pelas tecnologias de comunicação e informação disponíveis;
  • 3- sempre estabelecemos hierarquias dentro destas redes sociais, de forma mais ou menos flexível, conforme a necessidade de inovação daquela determinada sociedade;
  • 4- a internet é mais uma das muitas mídias de comunicação e informação disponíveis, que introduz mais flexibilidade à rede social;
  • 5- entretanto, apesar de mudar o tipo de forma de hierarquia, deverá existir, pois há uma limitação da capacidade e dos talentos de cada um para colaborar na rede;
  • 6- como tendência, teremos mais flexibilidade, em uma hierarquia mais dinâmica, mais fluida, mas com uma dada hierarquia,  baseado em critérios mais meritocráticos, para ganhar dinamismo.

Da mesma maneira que o ambiente de conhecimento do livro impresso flexibilizou a hierarquia da Igreja e da Monarquia e introduziu o capitalismo no mundo, a Web forçará uma hierarquia mais aberta.

(Mas note que nem sempre é assim, no livro, Quem está no comando – Ori Brafman o autor analisa redes diferentes como a dos Apaches, dos Alcoólatras Anônimos e mostra que o dinamismo e a organização mais flexíveis não dependem apenas das tecnologias utilizadas. Ou seja, a Web ajuda, mas por trás da tecnologia deve existir um conceito. Que é mais ou menos premente, a partir da necessidade de inovar daquele determinado grupo. Ver mais sobre a relação de rede com inovação aqui)

Na Web, essa hierarquia pode ser vista na relação de seguidores e seguidos.

De sites mais visitados e menos visitados.

Uns exercem, a partir de uma lógica mais meritocrática, determinados papéis na topologia da rede.

Isso é fruto de uma limitação e de uma organização necessária para dar relevância e sobreviver.

O ser humano tem uma capacidade limitada de receber informações e agir.

Portanto, precisa priorizar.

E para priorizar necessita basicamente de filtrar e  criar prioridades.

De funções, tempo e de atividades.

Qualquer mundo que nós entremos será regido por essa limitação.

E será estabelecida algum tipo de hierarquia mais ou menos flexível.

Algumas coisas e pessoas terão mais relevância que outras, pois não podemos dar atenção a tudo!

A não ser que inventem outro ser humano. 😉

Com o mundo entrando em um novo ambiente de conhecimento, por sobre o “sistema operacional” da Web, está se viabilizando, por necessidade, a passagem da   hierarquia “A”  para a “B”.

Como é um modelo um tanto diferente daquele que conhecemos, achamos que é um modelo “sem hierarquia”.

Ou caótico, mas tem suas regras.

Vamos ao conceito, no Houaiss.

Hierarquia:

“Organização social em que se estabelecem relações de subordinação e graus sucessivos de poderes, de situação e de responsabilidades”

No mundo 2.0, estamos precisando de oxigênio e dinamismo.

Assim, a nova hierarquia estará mais baseada no mérito, do que nas funções, pois o que interessa é quem pode naquele momento ajudar a resolver dado problema, independente qualquer cargo.

Não estamos no mundo sem responsabilidades, mas de um novo tipo de responsabilidade, mais compartilhada, para se ganhar dinamismo e, portanto, inovação.

O mundo 1.0 foi um mundo de desperdícios de talentos.

Esses talentos são necessários agora para resolver a crise de inovação produtiva em que estamos.

Perde-se tempo, energia e dinheiro produzindo coisas que não serão utilizadas nas pontas.

E perde-se tempo, energia e dinheiro quando o que precisa ser consertado depois do uso, não o é.

A nova hierarquia tratará de dar voz a quem não tem para evitar estes desperdícios. E, assim, ampliar o valor da troca.

O atual modelo hierárquico, baseado na estrutura vertical rígida, tem se mostrado incapaz de resolver a crise de inovação produtiva do mundo moderno.

Assim, estamos criando outro modelo hierárquico mais horizontal, porém, com novas regras de relevância.

  • Antes, tínhamos poucos canais e tudo que era publicado tinha muita atenção. Controlava-se, assim, a publicação, os canais.
  • Agora, temos muitos canais e tudo que é publicado tem pouca importância e atenção. Deixa-se publicar e só vai avaliar aquilo que tem relevância ou chama a atenção.

O que ninguém lê, não importa.

Nem num caso, nem no outro, por motivos diversos.

  1. Assim, no mundo digital 2.0, publica-se para editar.
  2. No mundo 1.0, editava-se para publicar.

Lá, o controle era do que ia ser publicado.

Agora, é saber o que é relevante naquilo que já foi publicado.

A hierarquia descentralizada agiliza os processos;

Forma novos líderes;

E dá voz a quem não tinha.

O objetivo?

Reduzir o desperdício da produção de bens e serviços, interno ou externo das organizações sociais, permitindo a revisão permanente para a atender a demanda mutante de 7 bilhões de almas que não param de copular e crescer.

É isso.

Que dizes?

(Vi que o tema a nova hierarquia na Web também apareceu neste debate do Campus Party.)

18 Responses to “A hierarquia na abundância”

  1. Lucia disse:

    Nepô,
    Essa questão da hierarquia, como qualquer questão neste nosso contexto de transformação é realmente assustador para muitos, principalmente, para os que estão no topo dessa hierarquia. Só conseguem pensar que estão perdendo alguma coisa (poder, prestígio, etc), não enxergam mais longe, tudo isso que você falou: melhoria nos processos, agilidade, etc.
    Percebo nas organizações que quando você vem como uma proposta nova que vai balançar essa verticalidade, as pessoas nem querem ouvir, balançam os alicerces pré-existesnte. É sempre uma grande batalha para a conscientização.
    Acho que rodamos, rodamos e rodamos e voltamos a velha/nova questão de pensar fora da caixa!

  2. Carlos Nepomuceno disse:

    Lucia,

    digamos que:

    1- a revisão das organizações é uma necessidade da civilização;

    2 – não vai ocorrer para todos ao mesmo tempo;

    3- será preciso, sim, revisar algumas caixas, sem dúvida, mas aqueles que não virem necessidade não o farão,nem a marrete;

    4- agora, quem está se mexendo é a minoria da minoria, que olha o futuro de forma mais proativa e de uma maneira visionária.

    O que hoje é vanguarda, amanhã vai virar mainstream.

    Para nós, indutores, resta.

    a) trabalhar com os que já sacaram para mostrar como é e acelerar o processo.Perder tempo com quem vai chegar depois, é perda de energia e tempo.

    Penso assim ..que dizes?

    bjs

  3. Lucia disse:

    Concordo com você. Dentro do meu pequeno contexto (minha organização) posso dizer que já criamos uma “metodologia”. Criamos o novo processo, mas verticalizado e flexível, a partir da sensibilização dos que estão na base da pirâmide. Colocamos para funcionar como um projeto piloto e já chegamos na média gerência e alta com a “coisa” acontecendo. Algumas vezes, perdemos tempo e tudo volta ao que era antes, mas em outras, quando estamos bem pautados nos resultados, dá certo e convence! Requer muito jogo de cintura, criatividade e muitas vezes retrabalho. Mas os resultados são ótimos. Já percebemos grandes melhorias no compartilhamento de informações e até mesmo em integração de processos em departamentos diferentes.
    O que me “angustia” ainda, é perceber que a maioria vai na onda, por sensibilização ou muitas vezes, por obediência, sem pensar muito ou questionar. Até percebe as melhorias, mas não analisa o que de fato está ocorrendo, a mudança! Dá resultado pontualmente, mas não sei se podemos dizer que está gerando uma mudança de fato, de forma global, entende?
    Bom, mas já é um começo!

  4. Carlos Nepomuceno disse:

    Lucia, é preciso definir a medição.

    Pelo que vejo, temos:

    1) capacidade de gerar novos líderes e multiplicadores, a partir da meritocracia, essa é a principal;

    2) estas novas cabeças começam a ajudar a empresa a rever processos, o que deve ser feito, pois a participação é para mudar e não para apenas comunicar;

    3) os novos processos devem resultar em maiores ganhos e menores custos.

    Veja se isso não está ocorrendo….

    Um canal interessante para isso são espaços para publicação, tipo em blogs, etc…

    beijos

    Nepô.

  5. Gustavo disse:

    Muito bom o texto. Lembrei logo de um artigo de Jo Freeman, “A Tirania das Organizações Sem Estrutura” (1970), que alertava que os agentes com dogmas anti-hierárquicos acabavam legitimando e encobrindo um outro tipo de hierarquia, “as panelas”, sem a clareza das hierarquias bem definidas em organogramas verticais ou camadas de relevância. Mesmo em empreendimentos mais anárquicos, como nas equipes de desenvolvimento de software tipo Linux, comunidades virtuais na Internet, ONGs ou grupos de voluntários, autoridades surgiriam a partir de fatores como a consistência das contribuições e/ou o grau de envolvimento [meritocracia]. No final deste artigo, Freeman recomenda 7 princípios para a “estruturação democrática”, que ainda acho bem trangressores, considerando as atuais formas de organização.

    Já sobre o aspecto cultural das hierarquias e de sua suposta naturalidade, [tipo, basta olhar o comportamento dos chimpanzés, para o grupo do Eike Batista, para a Lei de Pareto 80-20 ou para outra teoria da nova SNA – Análise de Redes Sociais], discordo em parte desta visão se considerarmos que o senso igualitário também pode ser um padrão natural/cultural, já estudado por exemplo por autores como Peter Kropotkin, Marcel Mauss e Jean Piaget. Este último, professor de Psicologia na Universidade de Genebra por 25 anos, considerava que a cooperação só se manifestaria em relações não hierárquicas e com objetivos compartilhados, fora disso, para ele, seria ou uma interação coercitiva ou uma co-laboração, o trabalho subordinado a um objetivo definido por uma terceira parte.

    Uma dúvida que ainda tenho é sobre o uso e significado dos termos “cooperação” e “colaboração”, muitos usam como sinônimos, outros vêem justamente esta questão da hierarquia envolvida como um diferencial.

    Sds,
    Gustavo

  6. Lucia disse:

    Nepô,
    Adoro quando você organiza meus pensamentos. Sim! Os 3 ítens que você citou estão acontecendo e percebi que agora preciso trabalhar mais a comunicação. Mostrar essas mudanças de forma bem clara para a “cúpula” para diminuir o esforço de “sensibilização” para a realização de novos projetos. Valeu!

    Gustavo,
    Acho bem interessante esse texto que compara Colaboração e Cooperação. http://blog.kutova.com/2006/10/09/colaboracao-x-cooperacao/
    Abs

  7. Nepo e Lucia,
    acho que processo de hierarquia das empresas irá mudar em algum momento. Trabalhei em um empresa extremamente hierarquizada, onde não havia espaço para mudança. Porém, acredito que este tipo de empresa está fadado a morrer. Se os empresários de hoje não derem voz e ouvidos aos funcionários, estarão contribuindo para o emburrecimento da coletividade atendida por essa empresa.

    Descobrir onde estão aqueles que podem deter capital social em um empresa e possam contribuir positivamente para seu crescimento é o primeiro passo para se pensar em como organizar essa nova ordem. Não fui aproveitado nem 20% onde trabalhava porque não quiseram dar essa voz aos funcionários, seja por meio de um blog ou intranet. O medo e a arrogância ainda imperam na maioria das empresas.

    Abs,
    Fábio Carvalho.

  8. Lucia disse:

    Fabio,
    A organização que trabalho é justamente assim. Já tentei implantar ferramentas colaborativas e não consigo. É novo demais para eles, dizem: ” os funcionários vão ficar teclando em vez de trabalharem” (??!??!). Ao mesmo tempo, querem as mudanças, enxergam que são necessárias. Paradoxo, sim? O que temos que fazer é ter muita criatividade. O que tenho feito é lançar temas meio polêmicos por email para grupos/setores que acredito que possam colaborar, como se estivesse com dúvida em relação a algum processo, ou mesmo sugerindo mudança nele. E aí, muitos respondem, começa o debate, surgem as idéias. Acaba virando um fórum que muitas vezes levam a reuniões e mudança de procedimentos. Ou seja, estou usando uma ferramenta colaborativa, sem eles perceberem, entende? Agora formalizar isso, ainda é um cenário distante, aparentemente …

  9. […] Vi no excelente blog do nosso amigo Nepôsts – Rascunhos Compartilhados […]

  10. Gustavo disse:

    Lúcia, valeu pelo texto/link. já vi que está bem diferente da definição que eu tinha colocado na roda, do jean piaget. e veja que até o dicionário registra como sinônimo. enfim, tem pouco consenso sobre o significado. a citação do pierre lévy, no início do texto do nepô, fala sobre “aprendizagem cooperativa e colaboração em rede”.

  11. Lucia disse:

    Gustavo,
    No meu entendimento, que sinceramente, não sei se está correto ou é “senso comum” (rs), Colaboração é co-laborar, trabalhar junto. Não tem hierarquia definida, tem espaço para autonomia (criatividade), é um ambiente informal e sem controle. Já a Cooperação é um trabalho participativo, mas com um obejtivo comum. Há uma maior interação e interdependência e existe uma estrutura hierarquizada.
    Tipo: vamos colaborar com o blog, todos entram e lançam suas idéias. Vamos cooperar com o desenvolvimento de um blog. Eu faço isso, você faz aquilo, etc… Deu para entender?

  12. Gustavo disse:

    Lucia,
    Tomei conhecimento de um termo sendo bastante usado agora: “coworking”, que a princípio, poderia ser um sinônimo tanto para colaboração como para cooperação, mas indica um agrupamento de profissionais autônomos compartilhando espaço, recursos e serviços de escritório. Já li em algum lugar uma comparação da etimologia das palavras, vou ver se acho e posto depois. Acho que cada autor ou abordagem atribui sentidos diferentes, mas para mim já foi valioso saber que existe esta outra visão, que ignorava.

  13. Carlos Nepomuceno disse:

    Lucia, Gustavo….

    o problema dos conceitos é que eles flutuam.

    Conceitos são bons para resolver problemas.

    Se ficarmos discutindo ao vento, ficaremos quatrocentos anos aqui achando o melhor deles, mas eles são, como se fossem macacos, para trocar rodas de carro.

    O que importa é trocar a roda.

    Colaboração e cooperação, quando vejo aplicada para entender o mundo Web, são dois termos sinônimos e correspondem ao esforço coletivo para se chegar a determinado fim, que pode ser bem claro, ou não, pode envolver mais afinco, ou não, por isso temos que qualificar as ações.

    Colaboração/cooperação:

    Espontânea / forçada;
    Permanente / eventual;
    Com objetivo claro / difuso
    remunerada / não remunerada
    sem interesse direto (altruísta) / com interesse direto (“interesseira”)

    etc..

    Colaboração em aberto é apenas trabalho junto para algo.
    Idem para cooperação.

    Há um risco sempre – e alerto para ele – de detalhar conceitos como meta, o que faz muito a academia, o que é um desvio perigoso, pois, apesar da premissa de definir o que estamos dizendo, isso é fundamental, os conceitos são meio e não o fim em si mesmo.

    Tento fugir dessa armadilha, colocando a questão em um determinado tipo de problema a ser resolvido.

    Uso este conceito tal quando lido com tal problema.

    Para mim, nas solucionáticas das minhas problemáticas, lido com as duas como sinônimo – uso mais colaboração, pois tá na boca do povo, e se quero detalhar o que é cada um, eu detalho a ação, com um adjetivo.

    Que dizem?

    abraços,

    Nepô.

  14. Formanski disse:

    Nepo e Amigos,
    Estou com o conceito da Lúcia, laborare(latim) trabalhar junto fazendo a mesma atividade no mesmo processo, operare(latim) operar junto fazendo atividades diferentes no mesmo processo. Mais um ex: Cooperativa de Taxi = cooperar e construção colaborativa de uma casa popular = colaborar.
    Felicidades,
    Formanski

  15. Alcides disse:

    Viva,

    estou tentando estudar estruturas organizacionais sem hierarquia. Quando a ideia surgiu fiquei com a ideia que estava flutuando no meio do nada. Como assim trabalhar sem hierarquia?, perguntei para mim mesmo! Esta quesão nasce daquilo que tenho notado nos ultimos dias no meu emprego. Quando há uma actividade directamente alocada a um recurso sem fazer mensão ao nível, apenas em resultados, noto que o trabalho acontece, há envolvimento, compromisso. Porém quando se bota o nível no meio, Sr. Director, Sr. Sub Director, Chefe de departamento… tudo parece estagnar no meio do nada.

  16. Carlos Nepomuceno disse:

    Alcides, hierarquia sempre vai existir….agora existem as autoritárias e as com autoridades, as fixas, as mutantes….

    estamos saindo das primeiras para as segundas,

    valeu a visita

    Nepô.

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