O gênio da última hora / É o idiota do ano seguinte – Titãs, da minha coleção de frases;
Ando pensando muito sobre a frase do Gullar, que segue uma linha moderna filosófica de várias verdades:
“A vida é inventada”.
O Marcelo Gleiser levanta outra lebre na mesma direção.
Não existe uma verdade a ser descoberta.
Não haverá nunca verdade, pois a Ciência é histórica. Ou seja, é limitada pelas cognições e instrumentos de cada época.
- Ontem = z;
- Hoje = x;
- Amanhã = y.
Sempre estaremos adiante do passado e na fila do futuro.
(Obviamente, as pessoas que têm contato com as últimas novidades, pois temos diversidades de tribos que ainda não tem nem escrita no mundo.)
Seria as várias representações da realidade da hora.
Ou como os Titãs, intuitivamente, dizem, na “A Melhor Banda De Todos Os Tempos Da Última Semana“:
O gênio da última hora / É o idiota do ano seguinte
Entretanto, apesar de concordar com o Gullar e com o Gleiser, iria além.
A realidade é inventada e histórica.
Ok, certíssimo.
Mas é negociada!!!
Cada um tem a sua, dentro da sua caixa de senso comum, que chamamos ingenuamente de bom senso, mas é preciso defendê-la a cada dia diante do outro.
Levamos ao mundo nosso ponto de vista, querendo ou não, mesmo quando nos calamos, ao concordar, ou discordar.
E, nesse diário teste/comprovação, vamos alterando ou confirmando, aceitando realidades mais gerais e escolhendo o nicho de realidade em que queremos viver, entre aqueles que “aceitam” nosso ponto de vista que nos faz melhor e nos ajude de alguma forma a sobreviver.
(São as redes sociais de proteção nas quais entramos, tais como Igrejas, grupos de anônimos, ONGs, partidos, etc…)
Quanto mais fechado e dogmática é essa escolha menos negociada passa a ser e mais radical fica a pessoa ou o grupo diante dos outros e da sociedade.
(A Internet, como o livro impresso, nos tiram desse espaço fechado, por isso abrem a porteira dessa possibilidade tão grande.)
A sociedade é o resultado dessa eterna negociação que vai andando de lá para cá, conforme um determinado grupo consegue impor seu ponto de vista a todo o resto, ou pelo convencimento, ou pela força.
(Entre o convencimento e a força existem milhares de variáveis, pois o poder de mídia, sem retorno, também é, de certa forma, pela força de ideias fechadas.)
Ou seja, podemos entender o mundo entre milhares, ou milhões, de tribos diferentes, com cada um vendo o mundo sob um determinado ponto de vista, numa teia gigantesca negociada para vivermos cada um nos seus mundos, com alguns pontos de contatos negociados.
E é isso que a Internet traz de radical.
- a) permite que cada um exponha o seu mundo para os outros, coisa difícil anteriormente;
- b) que tribos se articulem a distância, antes de forma impossível, e possam exercer mais influência no mundo;
- c) e que o mundo, assim, acaba ficando mais rico, pois termina, de fato, diferenças regionais – muitas vezes mais impostas do que reais – e cria um novo cenário de tribos que compartilham outras possibilidades de pontos de vista.
Quando temos uma sala de aula, por exemplo, trazemos um conjunto de realidades e vamos negociando uma que sirva aquele grupo, formando uma nova tribo que aceita aquela “verdade” como a mais aceitável.
E todos saem renovados, quando há o diálogo, com a tecla F5, do refresh, teclada com novos pontos de vistas a serem negociados em seus diferentes ambientes, que é o papel dos agentes de mudança.
Quando uma agente de mudança fica só e isolado, acaba por ser “abduzido” pelo ambiente, pela força do grupo, a não ser que consiga trocar com outros que pensem igual, fazendo uma tribo, ou tenha uma capacidade enorme de abstração e persistência.
Viagem?
Desenvolvemos mais depois.
Que dizes?
Qual é a tua verdade para negociarmos aqui uma que nos satisfaça?
No que se refere a nossa verdade, nossa versão particular para a realidade, não lembro de ter visto um termo melhor do que “negociada”, para demonstrar que aceitamos ou repelimos ofertas advindas de diverentes origens e, nos afetam ou não, nos agradam ou não (é por aí?). Assim, mesmo o nosso aquário sofre as transformaçãos da nossa micro-história.
Acho que essa idéia dialoga com as noções de síntese (antítese + tese) e, ao mesmo tempo, com a importância da chegada do “estranho”, de que fala Zygmunt Bauman, na obra Mal-Estar da Pós Modernidade.
Apesar disso, até o momento, sou adepto da noção de que a nossa versão particular é construída, mas defendo que isso se dá a partir da interpretação de um mundo que já existe e que não foi formulado nem por nossa negociação particular, nem por nossa construção coletiva.
Forte abraço!
Dylan, estou indo ainda mais fundo nisso.
Acredito que a realidade é negociada, muito em função do que precisamos acreditar para sobreviver.
Ou seja, do nosso interesse direto naquilo que acreditamos.
Isso influencia tremendamente o que achamos, ouvimos, queremos ouvir, lemos…
Ou seja, a realidade é aquela que nos interessa de alguma forma.
Você diz:
“…mas defendo que isso se dá a partir da interpretação de um mundo que já existe ”
Ok, no fundo, isso não faz nenhuma diferença, desde que você não acredite que você finalmente chegou a tal verdade absoluta.
Quem acredita que existe a realidade de fato e quem não existe..se encontram desde que não caia no dogmatismo.
Continuo agradecendo..
abraços,
Nepô.
Nepô, tô lendo aquele livro do Umberto Eco e do Jean Claude Carrierre, “Não conte com o fim do livro”. Tem duas frases lá que associei com a ideia deste seu post, veja o que acha:
• “Qualquer discussão entre nós só pode se dar tendo como base uma enciclopédia comum. Posso inclusive lhe demonstrar que Napoleão nunca existiu – mas somente porque nós três aprendemos que ele existiu. É esta a garantia de continuidade do diálogo”.
• “Com a Internet, que nos dá tudo que nos condena, a operar uma filtragem não mais pela mediação da cultura mas da nossa própria cabeça, corremos o risco de dispor agora de seis bilhões de enciclopédias. O que impedirá qualquer consenso”.
Podemos desenvolver a discussão. O livro tem coisas bem interessantes também sobre o tempo, a memória, o futuro e o passado etc etc.
Bjs! 🙂
Camila, muito interessante esta frase:
““Qualquer discussão entre nós só pode se dar tendo como base uma enciclopédia comum. Posso inclusive lhe demonstrar que Napoleão nunca existiu – mas somente porque nós três aprendemos que ele existiu. É esta a garantia de continuidade do diálogo”.” “Com a Internet, que nos dá tudo que nos condena, a operar uma filtragem não mais pela mediação da cultura mas da nossa própria cabeça, corremos o risco de dispor agora de seis bilhões de enciclopédias. O que impedirá qualquer consenso”.
Bom, veja que twittei hoje que no Twitter 75% olham e 25% postam.
E destes que postam temos poucos com muiiiitos seguidores.
De alguma forma, estabelecemos agora essa mediação da cultura, a partir de outras bases e vamos, de alguma forma, formando novos consensos.
O consenso anterior, entretanto, era muito mais autoritários e imposto, permitindo muito menos “tribos”, agora será mais amplo.
Acredito que teremos, sim, problemas agregados a isso, como também vantagens.
Precisamos, como espécie, dessa diversificação.
Imaginemos o mundo pré-escrita, com tribos isoladas…cada um tinha um Deus, uma crença, um tipo de roupa.
Acredito que estamos voltando um pouco para isso, só que agora de outra maneira.
Que dizes?
beijos
Nepô.
Valeram as dicas.
Nepô,
Eu acho, sim, que em vez de pasteurização estamos voltando a ter grupos que se identificam, e se rebelam contra o dito “senso comum”.
Olha que interessante: no mesmo capítulo do qual fazem parte aquelas outras frases que coloquei aqui, o livro diz o seguinte: “Haverá sempre forças que impelirão as pessoas a aderir às mesmas crenças, quero dizer, haverá sempre a autoridade reconhecida pela comunidade científica internacional, na qual depositamos confiança porque vemos que ela é capaz de rever e corrigir de maneira pública suas conclusões, e isso diariamente. (…) Poderíamos dizer que as verdades científicas permanecerão mais ou menos válidas para todos porque, se não partilhássemos as mesmas noções matemáticas, seria impossível construir uma casa”.
E continua: “Mas basta circular um pouco pela Internet para descobrir grupos que questionam noções que julgamos partilhadas por todos, sustentando, por exemplo, que a Terra é oca e vivemos sobre a sua superfície interna, ou ainda que o mundo foi realmente criado em seis dias. Por conseguinte, existe o risco de encontrarmos vários saberes diferentes. Estávamos convencidos de que, com a globalização, todo mundo pensaria da mesma forma. Temos um resultado contrário sob todos os aspectos: ela contribui para o esfacelamento da experiência comum”.
Acho que vc ia gostar do livro… 😉
Bjs!
Camila,
Comentando:
“Haverá sempre forças que impelirão as pessoas a aderir às mesmas crenças, quero dizer, haverá sempre a autoridade reconhecida pela comunidade científica internacional, na qual depositamos confiança porque vemos que ela é capaz de rever e corrigir de maneira pública suas conclusões, e isso diariamente. (…) ”
Sim, concordo com ele…
O problema:
Precisa-se validar coisas.
Solução 1.0: valida-se de uma forma 1.0, através de critérios de pares, lento e demorado, critérios nem sempre transparentes, pouca gente;
Solução 2.0: valida-se de uma forma 2.0, pares, não-pares, sociedade, outras pessoas, critérios mais transparentes, mais gente, mais rápido.
“Poderíamos dizer que as verdades científicas permanecerão mais ou menos válidas para todos porque, se não partilhássemos as mesmas noções matemáticas, seria impossível construir uma casa”.
Ninguém vai chutar o pau da barraca da casa desse autor, é bom mandar um email para ele.;)
“E continua: “Mas basta circular um pouco pela Internet para descobrir grupos que questionam noções que julgamos partilhadas por todos, sustentando, por exemplo, que a Terra é oca e vivemos sobre a sua superfície interna, ou ainda que o mundo foi realmente criado em seis dias”.
Pergunta-se:
Quantos seguidores esse maluco que diz que a Terra é oca tem no Twitter? Quem são as pessoas “de peso” que seguem essa pessoa? Que rede ela pertence? Isso tudo é credibilidade em rede, que é outra forma, mais dinâmica, nem melhor, nem pior, mais adaptada a um mundo mais rápido e dinâmico.
Acho que esse autor tem que ler o blog aqui do pessoal do Brasil 😉
“Por conseguinte, existe o risco de encontrarmos vários saberes diferentes. Estávamos convencidos de que, com a globalização, todo mundo pensaria da mesma forma. Temos um resultado contrário sob todos os aspectos: ela contribui para o esfacelamento da experiência comum”.
Ai, ai ai, meu pai…;)
Agora, a humanidade enlouqueceu?
Ou está mais esperta e sábia?
Com mais teorias sobre o mundo competindo, de forma mais transparente e meritocrática???
Já se acreditava em Duendes, Destino, Búzios e até em Jesus, que é filho de uma mãe virgem, antes da Internet, tem maluco para tudo, tanto para falar quanto para acreditar…a rede amplifica os gênios e estes também 😉
Só que os seguidores no Twitter e outras validações separam o joio do trigo.
E não o modelo anterior dos pares, fechado, viciado e lento.
Vou gostar desse livro?
Pelo que vc está me passando, já li ele.;)
Ótimo para bater..
Vamos chamá-lo de “livro de academia de boxe” para treinar os músculos…
Beijos,
valeu a visita e o compartilhamento..
Nepô.
Nepô,
Estou pegando sua mania de frases. Veja se essa não bate bonitinho com o conceito de realidade negociada…
“A vida é o filme que você vê através dos seus próprios olhos. Faz pouca diferença o que está acontecendo. É como você percebe que conta.”
(Denis Waitley)
Lucia, foi para as frases tb…acho que vou ter que lá colocar
RT Lucia 😉
Camila, a Lucia acha que fui agressivo no comentário acima, talvez esse tipo de visão me incomode….além do que deveria…
Quando bato nesse tipo de senso comum, não estou batendo em você ok???
beijos,
Nepô.
Rs, sem problemas, Nepô. Eu entendo. O livro tem coisas bem interessantes, mas é claro que, como ele mesmo indica, precisamos “filtrar” tudo, e isso inclui o próprio livro que diz isso! Rsrsrsrs. Bom, acho também que pra vc certas noções já estão mais que consolidadas, mas para quem está ainda se “graduando” como agente de mudança (muitos risos para essa definição, haha) pode ser importante pensar nessas questões, sabe? Assim, ver quais são as opiniões de várias pessoas, pensadores etc e ir conflitando-as, pensando em cima delas, discordando, repensando e tal. O livro é em formato de entrevista e os entrevistados vão falando o que estão pensando, de uma forma não-imposta, fazendo o leitor pensar também. Eles mesmo discordam entre si às vezes, é um diálogo. Talvez seja isso que me fez simpatizar tanto com ele. Gostar 100% de algo é difícil, sempre tem um filtro para fazermos, ainda mais quando o assunto é tão vasto, mas os trechos que eu trouxe para cá eu achei que valiam a discussão – e pelo visto valeram 😉 Isso que importa, né? Discordar é viver! Hahaha. Saudades dos debates ao vivo entre os Agentes de Mudanças 2.0. Bjs!
Achei válido tb, isso bate um pouco com o debate que tive hoje de manhã na Letras, aqui na UFRJ.
Me perguntaram o que filtrar e como?
Eu disse que é evitar de ler o máximo o que é peça e ler o máximo o que é caixa (com o modelo) do quebra cabeças.
Tb com saudades do grupo,
beijos,
valeu.
Vai colocando coisas desse livro que estou adorando bater neles 😉
Gostei do “Discordar é viver”! Gosto muito de pensar assim, pois vejo que crescemos muito quando discordamos, mesmo quando estamos supostamente errados. Mesmo quando penso de uma determinada maneira, gosto de discordar de alguém que parece pensar da mesma maneira que eu para ver como o cara chegou no mesmo ponto que eu e assim acabo, muitas vezes, conhecendo pontos de vista muito mais interessantes do que o meu.
Agora falando nos Titãs, sempre gostei da crítica que essa musica traz, pois é uma espécie daquele papo do sujo falando do mal lavado. Não estou criticando os caras, muito pelo contrário, vejo que eles batem no modelo de idéias fechadas que tanto trabalhou para promovê-los, principalmente pelo longo período em que eles não produziram nada além do que musica melosa, por ver que ele está cada vez mais perdendo o sentido. É preciso coragem para fazer isso, mas vejo que eles estão junto conosco no processo de negociar a verdade.
Gosto da idéia de que a internet facilita o encontro de outras pessoas com o mesmo tesão que você tem. Gosto do exemplo da fotografia, que mudou minha cabeça de um ano pra cá, quando resolvi comprar uma câmera e fotografar por prazer. Quando encontrei no flickr, uma galera apaixonada por isso, senti uma sensação de inclusão que senti poucas vezes na vida. Tenho certeza que será uma experiência que vai mudar minha vida e possivelmente a dos meu filhos, que vão amar ou odiar o velho babão que para toda hora para tirar uma foto bonita do mundo. Isso não tem nada a ver com a tecnologia do flickr ou da internet, mas com o compartilhamento de uma paixão, que acaba por alimentá-la ainda mais, em uma escala antes impossível. Tem um japa que virou meu brother de flickr… isso é animal e com certeza me enriqueceu.
Abs, saí ainda mais baqueado da aula de hj e não ia sossegar até colocar alguma coisa pra fora. Olha aí uma foto que tirei depois da aula http://www.flickr.com/photos/garciael/4650625519/
[…] sequência da discussão sobre realidade, podemos dizer que, além de inventada, a partir dos limites concretos, histórica, negociada, tem […]
[…] sequência da discussão sobre realidade, podemos dizer que, além de inventada, a partir dos limites concretos, histórica, negociada, a […]