Para que serve um livro?
Para tudo, ou nada.
Depende de quem tem a capacidade de ler e tirar algo de interessante dele, certo?
Um livro japonês para um naufrágo que não lê japonès será apenas lenha para a fogueira.
Esse é – a meu ver – o centro filosófico de discussão sobre a informação no mundo.
Para uns, é coisa.
Para outros, é verbo.
E verbo pede ação.
Há dentro da Ciência da Informação, da qual faço parte como pesquisador – essa encruzilhada.
Estou entre aqueles utópicos que acreditam que a Informação deve ajudar a mudar o mundo (para melhor).
E, portanto, enquanto verbo tem uma ação a ser feita e resultados concretos a serem medidos.
Chamo Marx para o blog, apesar de não me considerar mais um marxista, que disse algo assim:
A filosofia não vem para colorir o mundo, mas para mudá-lo.
Bom, diante disso, leio no Jornal Valor duas estatísticas interessantes.
- A academia passou a iniciativa privada em termos de patentes registradas (Valor, 12/06/09).
- E aumentou os trabalhos publicados em revistas internacionais (Valor, 19/06/09).
Maravilha, há um esforço digno de aplausos, pois o pesquisador passa a receber 30% se a patente gerar negócios, o que, segundo o Valor, explica o atual boom, entre outras coisas.
E, se não publicar lá fora em inglês, vai perdendo uma série de regalias.
Pesquisador bom, é o que pode ser lido lá fora!
(O mundo agradece nosso colonialismo de raiz.)
Mas, pode-se perguntar: e daí?
Já que até se diz na matéria que a academia é mais inovadora que as empresas!
Calma lá…
Lembrem-se que patente é uma coisa, é produção a partir dela, é outra.
Inovação é verbo, resultado.
E não substantivo!
Projetos, empresas, produtos, vendas, negócios fazem parte da nossa capacidade de transformar patente em verbo.
O mesmo se pode dizer de artigos.
Um artigo é só um artigo nada mais que um artigo, já dizia um gênio.
É preciso ver – aliado a ele – aqueles que conseguem ser côncavos (se abrem para o mundo) ou são apenas convexos (se fecham no seu umbigo) que só o tio do pesquisador vai ler e não entender nada!
Que medição devemos ter de nossos pesquisadores? E como usar a própria rede e o acesso social à essa produção como critério?
Quantos pesquisadores conseguem ser lidos fora da academia? Não é algo que deveria ser interessante também?
Ou não interessa?
Quantos estão com outros segmentos da sociedade pensando e agindo juntos?
Isso não deveria ser o principal – ou pelo menos um dos – elemento de avaliação?
Quantos destas patentes viraram produtos, ou podem virar?
Registrar uma patente custa caro, se não vai adiante, na verdade, a emenda pode ser pior que o soneto, se a medição constante estiver ouvindo o coração do lado errado.
A febre vira o remédio.
A doença vira produto.
O mesmo podemos dizer de artigos.
Ah tá foram citados.
E?
Do que adianta um artigo sobre o detalhe do pé da índia da aldeia do Pataxó, se o Pataxó daquela aldeia continua com o pé abandonado?
Esse não é o papel da Ciência?
Pensar o mundo para melhorá-lo?
E criar projetos junto com o mundo para aprender/mudar juntos sobre e com ele?
(Ou fingiremos que a Ciência é neutra, como o Papai Noel e o Coelho da Páscoa, que não esquecem de ninguém? Será que todos realmente ganham presente e chocolate?)
A academia veio para ajudar ou atrapalhar?
Não se iludam: quem trata a informação como coisa se coisifica também.
É relacional.
O índio vira coisa, o pesquisador vira coisa e o mundo se coisifica, pelo menos, com o aval acadêmico!
Separar teoria e prática é uma social neurose que serve como mais uma forma de dominação, de desumanização e coisificação generalizada.
Eu penso, mas não faço.
Eu faço, mas não penso.
Dá até dupla sertaneja! 🙂
A visão coisificadora da informação nos leva a descer a ladeira com projetos na Web, arrastando a rede, como todo seu potencial humanista, para uma inclusão digital coisificadora, de computadores na escola coisificadores, já que o professor, aluno, o frequentador de telecentro, da lan house são reféns da máquina e não o contrário.
E abrimos as portas da igreja acadêmica, da coisa por si só glorificada:
O livro salva!
O artigo salva!
A patente salva!
A rede salva!
(Lembro que Hitler tinha uma biblioteca de 16 mil livros e lia vorazmente. E até publicou também o “Minha Vida”. Ele, me parece, não conseguiu aprender, do ponto de vista humano, muito com o que leu!)
A nova Ciência da Informação tem muito a ajudar esse mundo, com a sua visão transformadora do papel da informação e do conhecimento.
Já que a informação – que deveria ser elemento de ajuda para as pessoas a melhorarem de vida – tem servido como a história nos mostra à alienação.
É como a escolha das pílulas em Matrix,
A vermelha sai de lá;
E a azul nos leva de volta para o óbvio óvulo alienante.
Qual você acha que a academia deve tomar?
Me diga.
Muito bom Nepo!!!! Acho que você tocou no cerne da questão. Esta visão dicotômica do mundo (pratica X teoria; preto ou branco; artigo ou patente) é uma tentativa de nos robotizar, de ver os seres humanos, o planeta e a vida como uma máquina, que tem que funcionar de UMA determinada maneira. Tudo que foge deste padrão é uma anomalia que precisa ser reparada…. A idéia da coisificação da informação é MUITO BOA! E, como você diz, quem coisifica a informação acaba coisificado…
Na academia vivemos a ditadura dos artigos! Que ninguém lê e que se reproduzem como champignon: um mesmo conteúdo é publicado em diferentes artigos para somar mais pontos…
Por fim, gostei do resgate do Marx e, como você, tenho a estranha mania de ter fé na vida e de acreditar que não viemos a este mundo a passeio, mas para contribuir para melhorá-lo e transformá-lo!
Quanto as pílulas, acho que devemos tomar as pílulas verdes, vermelhas e brancas…. e de todas as outras cores!!!
Marcos,
concordo sobre as pilulas, me lembrei até daquelas jujubas que tinham antigamente, coloridas.
Gostei dessa frase que li no Valor:
A Educação precisa ser pensada de uma forma ecológica. Deveríamos ter duzentos conceitos educacionais diferentes e deixar que as pessoas escolhessem o melhor para si – Bruce Mau;
abraços,
Nepomuceno.
[…] Acho que tranformar tudo na rede em uma disputa de números é mais uma forma de nos coisificarmos. […]
Gostei muito das reflexões aqui apoontadas. Muitas já vão em direção ao que realmente penso sobre CI!
Abraços
Lucineia
Muito boas as considerações
Grato Miriam pela visita!