Versão 1.1 – 13/08/13
Uma das coisas que mais me incomoda no mundo atual são os falsos-gurus.
Note que os livros, congressos, “teorias” que temos hoje são quase sempre americanas, principalmente na área de negócios, que partem da intuição e não de um método de análise, de uma teoria. Nada contra se sempre desse certo, veremos que a partir desta década isso não vai mais funcionar.
Iremos ver surgir e crescer o espaço dos filosófos e teóricos menos marqueteiros, vou explicar por que.
Nossos falsos-gurus têm trabalhado num mundo estável e pouco mutante. Não tiveram necessidade de ir mais fundo, procurar razões históricas, pois apenas a intuição, até hoje, foi quebrando um galho.
Num cenário assim mais estável admite-se que a boa intuição de alguém mais esperto consegue reduzir a margem de erro, pois faz-se um pensamento meio linear e pode-se a cada livro novo fazer os ajustes necessários para continuar um pouco a frente de todos. Porém, a estrutura de pensamento não parte de uma teoria ou uma filosofia mais consistente de longo prazo. Deve-se rezar que os russos continuem jogando da mesma maneira.
Muitos dirão que não havia necessidade e eu tendo a concordar.
A estabilidade criou uma relação custo/benefício do pensamento que nos deu esse método pragmático de curto prazo para pensar os problemas, porém isso chegou a seu limite, em função da guinada da Internet.
Ou seja, os atuais gurus são razoavelmente eficazes em mudanças incrementais, pois trabalham no nível das metodologias, mas quando precisamos de guinadas teóricas-filosóficas eles começam a ratear.
De maneira geral, reúnem um conjunto de fatos com alguma lógica, apresentam uma explicação, algumas recomendações, mas não uma teoria. Trabalham sempre dentro de um mesmo paradigma teórico-metodológico de curto, raramente de médio prazo. No longo, nem pensar. Pra que?
Uma teoria é algo que se baseia em uma visão filosófica, que consegue destacar forças em movimento, priorizar algumas sobre outras, em determinados contextos, que permite a independência do leitor da mesma para pensar com sua própria cabeça e conseguem fazer prognósticos de médio e longo prazo.
A maior parte do conhecimento que temos hoje é baseado na opinião das pessoas, da sua intuição, de seu pensamento não filtrado por uma teoria, o que cria uma relação de dependência com o leitor/ouvinte/auditório, de venda de consultoria casada. O que se quer, se pode, ou se quis, por necessidade, não foi desenvolver ciência, mas apenas vender uma intuição mais apurada dentro de um campo teórico pouco mutante.
As organizações embarcaram nessa, pois vivíamos um momento de continuidade dentro de uma mesma visão de mundo. Não havia rupturas de larga escala, na qual é preciso uma macro-revisão filosófica teórica.
Os nossos falsos-gurus se baseiam em uma escola filosófica pragmática/empirista, que trabalha no nível das metodologias e não das teorias e nas filosofias.
Agora, tal abordagem ficará cada vez mais precária, gerando uma visão obtusa da realidade e levando as organizações a gastar mais dinheiro do que necessário e provocando, em diversas situações, a falência, que será da organização e do atual modelo de pensamento e de todos que insistirem em mantê-lo – pois não conseguem projetar um futuro.
As organizações estão engaioladas em um modelo de pensar filosófico/incremental que será um veneno poderoso diante de um mundo hiper-mutante. O que vai diferenciar o salto para o novo mundo será a capacidade dos gestores em conseguir lutar contra esse modelo.
Alerta-se que as velhas autoridades, responsáveis pelo pensamento guia das organização, que sempre as conduziram não conseguirão lidar com rupturas desse tipo, pois exige-se mais do que a intuição ou articulação rápida de fatos e números, mas um método de análise que possa ver o futuro com mais clareza.
Só uma revisão filosófica-teórica permite esse tipo de coisa.
Haverá um resgate de um senhor barbudo e sábio: Gaston Bachelard, um crítico radical das teorias empiristas/pragmáticas, desde suas origens no inicio do século passado, um influenciador de Foucalt, Derrida e Bourdieu.
Ele afirmava , ao contrapor o pragmatismo com racionalismo, que é impossível fazer ciência baseado na intuição, na simples observação de dados, pois cada pesquisador traz em si um “óculos teórico” que faz com que ele tenha dificuldade de pensar determinado fenômeno de uma nova maneira, a tendência é sempre seguir o modelo .
Afirma que é preciso criar um método de análise para olhar os fenômenos e que o senso comum, incluindo do próprio pesquisador, é o principal inimigo da sociedade. Assim, não há ciência neutra, mas uma ciência imersa no senso comum de cada época e o fazer científico é uma luta contra essa visão preguiçosa, que nos impede de ver com mais clareza os fenômenos.
Segundo ele, não são as intuições em seu estado puro que ajudam a ver melhor os fenômenos, mas todo o trabalho de reflexão e de criação de um método, que é esse intuição trabalhada e principalmente revendo os falsos-paradigmas de quem analisa um determinado problema.
- Talvez possamos hoje de forma mais equilibrada afirmar que o pragmatismo/empirismo funciona razoavelmente na consolidação de uma dada governança da espécie, dentro de uma estabilidade cognitiva específica, com problemas sérios quando há rupturas.
- E que o racionalismo se torna emergente na ruptura com a chegada de uma nova governança da espécie, dentro de uma instabilidade cognitiva específica. Tal abordagem seria muito cara e questionadora quando se quer ao contrário resultados de curto prazo e consolidar modelos.
Ou seja, não é isso ou aquilo sempre, mas isso ou aquilo dependendo da conjuntura!
Ou seja, chegou a hora do racionalismo.
Nele se sugere que a ciência não é uma evolução do senso comum mais e mais trabalhado, mas a criação de uma “ferramenta teórica” baseado em outras teorias, que vai analisar os fatos de uma outra maneira para não ser enganado pelo que há de “poluído” e “intoxicado” no senso comum. Ou seja, é o senso comum visto com um determinado aparelho, cortado ao meio e não evoluído a partir dele.
Vejam esta citação que Bachelard faz, citando o padre Louis Castel:
“O método dos fatos, cheio de autoridade e poder, se arroga um ar de divindade que tiraniza nossa fé e constrange nossa razão. Um homem que raciocina, que faz uma demonstração, trata-me com um homem; raciocino junto com ele; deixa-me a liberdade de julgar e, se me força, é através da minha própria razão. Mas aquele que grita “é um fato” consideram como escravo”
Isso vale para 95% do mercado atual, os outros 5% ficam por conta da exceção que justificam a regra.
Ou seja, todo o pensamento contemporâneo, principalmente americano, baseado na intuição, na melhora do senso comum, sem um aporte teórico/metodológico conseguiu ir bem até aqui, pois estávamos diante de fenômenos incrementais, da consolidação de um modelo de sociedade criado pós-revolução francesa, que se manteve relativamente estável nas suas bases teórica-metodológicas.
Os pensadores alternativos que questionaram o modelo eram apenas provocadores e questionadores de alguns absurdos que continuam existentes, mas o modelo de governança permaneceu o mesmo, o que não abalou as organizações e manteve um conjunto de falsos-gurus no topo da colina – ATÉ AQUI.
Agora, com a atual ruptura, na qual se cria um novo modelo de governança a abordagem filosófica pragmática/empírica não é suficiente para a tomada de decisões, que precisa ser feita.
Não será conversas de cinco minutos, na observação dos fatos, nas opiniões dos especialistas no mesmo paradigma que vão nos ajudar a pensar o que virá – mas será através de um método de análise, que consiga, no caso da chegada da Internet, uma visão histórica de comparações de rupturas similares que farão que pensemos o problema sob um outro paradigma, sob o risco de perda um tempo/recursos (que talvez não se tenha.)
Hoje, não se trabalha com teses ou memória de cálculo para se chegar aos resultados e à tomada de decisão, pois o método é sempre indutivo, de dentro dos dados para conclusões e nunca de filosofias, teorias para metodologias, via dedução.
Tais preceitos tornam as organizações da sociedade e seus cidadãos co-dependentes dos gurus, similar ao domínio dos padres da Idade Médica, no qual não se tem uma lógica, mas uma verdade divina que deve ser seguida pela força do lugar que ocupam no altar e não pelos argumentos do que dizem.
Bachelard é um crítico radical da pseudo-ciência pragmática/empirista que agora mostrará suas deficiências diante de uma pré-primavera tecno-cognitiva digital em rede, no qual o modelo pragmático perde o sentido. Conheça um pouco mais o resumo do seu trabalho num bom verbete sobre ele no Wikiépdia.