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Resumo:

  1. sempre avaliamos pessoas no trabalho. Quem avaliava era o gerente e agora são os consumidores por uma necessidade da espécie;
  2. não teremos mais um RH central. Coisas que são feitas fora do trabalho pouco importaram no passado. O que importa sempre, ao final de tudo, é o que a pessoa entrega de valor.

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O primeiro episódio da terceira temporada da série Black Mirror imagina que a uberização que se vê nas novas empresas estará fortemente presente nas relações pessoais. E que vamos passar o tempo todo esmolando estrelinhas para poder trabalhar. Diria que preocupados com estrelinhas no trabalho, sim.  Dos amigos, não.

Há duas discussões a partir disso.

  • A filosófica – que nos remete a como pensamos sobre a relação do humano com tecnologias;
  • E o prognóstico do cenário (que é resultado da visão filosófica) – onde afinal a uberização pode nos levar?

Na minha Certeza Provisória atual acredito que o ser humano, como qualquer outra espécie viva, antes de qualquer coisa, é motivado primeiro pela sobrevivência e depois, com ela garantida, se dá ao luxo do vem depois.

Se queremos colocar um fio terra no debate dos cenaristas sobre o novo milênio precisamos recorrer sempre à história.

Não podemos esquecer, e isso é demonstrado pela história, que o que move cada pessoa no mundo é chegar ao final do dia vivo. Para isso, precisa comer, beber, trabalhar e conseguir evitar os riscos de morrer antes de dormir.

Isso vem das cavernas e continua e continuará presente na vida de cada um de forma mais ou menos latente, conforme cada contexto.

De cenários mais adversos, em guerras, terremotos, grandes catástrofes, ao cotidiano.

Na minha Certeza Provisória, diria que tudo que fazemos, todas as ferramentas que criamos e usamos, inventamos, massificamos ontem, hoje e amanhã vem atender a essa demanda principal: sobreviver.

Obviamente, que superados determinados parâmetros de sobrevivência o ser humano começa a se dar ao luxo de ter vícios, prazeres, gostos e iniciamos um conjunto de demandas em torno disso.

Uma orquestra tocando enquanto o Titanic afunda: só em filme.

Gosto da série Walking Dead, bem filosófica, na qual vemos um ser humano tentando sobreviver num mundo sob o ataque de epidemias de zumbis. Ali, está o mesmo ser humano querendo sobreviver em condições muito mais precárias do que a atual, na qual todo o verniz civilizacional vai literalmente para o espaço.

Assim, há uma espécie de “natureza dos seres vivos” – não digo só humana – em que o instinto de sobrevivência em todas as espécies sempre estará presente em alguma medida, conforme a situação limite.

A única mudança radical que alteraria o Sapiens essa máxima, e isso é possível, seria mudanças genéticas, com o domínio dos códigos genéticos, se criarmos uma nova espécie de laboratório que não precise mais comer ou beber.

Aí teríamos  nova espécie com outros paradigmas, abandonando a lógica dos seres vivos.

Enquanto isso não ocorre, a história nos mostra que as tecnologias abriram fronteiras para o ser humano ocupar, com a sua natureza.

E o papel do cenarista é analisar como essa natureza humana – digamos meio líquida, mas dentro de um corpo sólido, vai se adaptar às novas condições de cada época.

(Muita gente vai dizer que não existe natureza humana. É talvez o primeiro equívoco de muitos cenaristas utópicos.)

Podemos dizer que essa natureza humana não é fixa, é mutante, pois uma coisa é um humano mais próximo à natureza, em uma fazenda, e outro um que vive numa megalópole.

Procurar constantemente a natureza humana no tempo e projetar adaptações da mesma para o futuro, mesmo com descobertas de novas facetas, é a atividade principal de um cenarista eficaz.

Assim, imaginar que a espécie vai criar demandas novas, a partir de novas tecnologias, precisaria comprovar algo parecido na história. Ou imaginar que havia algo tão oculto que agora há condições de vir à tona.

E isso tem que ter algum tipo de discurso lógico e não apenas achismo emocional de um cenarista utópico.

Até por que não é primeira vez que alteramos mídias no passado. E podemos analisar que muita coisa mudou. Mas muita coisa TAMBÉM não mudou.

Dito isso, passemos ao que sugere o autor do primeiro episódio da terceira temporada de Black Mirror.

De fato, o aumento demográfico radical dos últimos 200 anos (de 1 para 7 bilhões) tem nos obrigado para sobreviver melhor a criar estrelas para avaliar produtos, serviços, pessoas, textos, vídeos, áudios.

Estamos adotando a comunicação química das formigas, criando um novo modelo administrativo da Curadoria para lidar com problemas complexos, sem solução no atual modelo administrativo da Gestão – filha direta da palavra oral e escrita, que nos acompanha há 70 mil anos.

A uberização significa a passagem do controle administrativo de um gestor do alto para um consumidor, munido de aplicativo, que viabiliza a expansão dos cliques – a terceira linguagem humana.

O prestador de serviços na uberização passa a ter receio do consumidor, que pode, através dos cliques, que são gerenciados por uma Inteligência Artificial, tirá-lo da plataforma ou reduzir o ganho no final do mês, como já ocorre em diversos projetos novos na Internet e até na variável do final do mês das tripulações da Gol.

Isso, entretanto, não é novidade para a espécie.

Avaliações de prestação de serviços sempre ocorreram no tempo e na história.

Quem avaliava, porém, cada prestador era um gestor, que fazia a sua avaliação e tomava as mesmas decisões de demissão, promoção, contratação de forma vertical.

O aumento do patamar de complexidade demográfica, entretanto, tornou o trabalho do antigo gestor obsoleto.

A avaliação do consumidor permite a descentralização da avaliação de baixo para cima, de forma horizontal, com mais meritocracia. É a pulverização do gestor em milhões de micro-gestores.

A uberização é uma saída sistêmica para o aumento da complexidade. Taxistas não eram mais controlados pelo consumidor, que reclamavam em vão. O motorista do Uber é controlado pela dobradinha consumidor – inteligência artificial dentro de uma plataforma administrada por um Curador.

Motoristas do Uber agora temem a avaliação dos passageiros e, por isso, se comportam muito melhor.

O critério de estrelas também se dá para canais de vídeos, áudios, textos e aqui estamos falando de espaços de divulgação de ideias, que podem ser ou não comerciais (no sentido de geração de receita).

A taxa de ética social tende a aumentar na transparência e com o controle da sociedade sobre as organizações e seus parceiros, colaboradores.

Assim, avaliar serviços, produtos  não é algo novo, o que estamos fazendo com a uberização é democratizar a forma de avaliação.

Imaginar que esse sistema de avaliação já existente nas organizações migaria para as relações pessoais é algo a-histórico.

Por que aconteceria agora? Avaliar já ocorre por uma necessidade de ser melhor atendido, por que passaríamos a fazer isso nas relações pessoais?

Só por que podemos?

Já podíamos fazer isso com a fofoca, mas mesmo com toda a fofoca sobre alguém isso não impediu que pessoas sejam amigas ou que tais fofocas impeçam que ela trabalhe em determinado lugar.

O que faz a diferença na hora do trabalho não é com quem você se deita, ou de quem é amigo, mas a capacidade que se tem de gerar valor para quem tem um determinado problema.

Não vejo nada na história que possa demonstrar algo assim. Fornecedores e consumidores, uberizadas ou não, querem pessoas que consigam gerar valor, independente do que fazem, com quem se encontram, de quem são amigos.

O que valeu para o passado e será para o futuro é capacidade que cada um tem de identificar problemas e ajudar a superá-los. É isso que vai sempre ser objeto de avaliações cada vez mais sofisticadas, que serão feitas com as ferramentas cognitivas disponíveis (canal físico e linguagem).

Vejamos.

Pouco importa, por exemplo, se um vendedor de baterias no mercado livre não tem nenhum amigo no Facebook, mas que entrega o produto em dia e todo mundo o elogia. Importa? O mesmo digo de um motorista do Uber ou de alguém que aluga quartos do AirBnb.

Pessoas fazem negócios com outras por motivos mais objetivos e se relacionam com outras por motivos mais subjetivos.

Tais relações passam por diversos critérios de seleção de quem você quer ver todo dia, de vez em quando ou nunca tanto nos negócios quanto na sua vida pessoal.

Porém, nos negócios o que importa mais é a objetividade e na vida pessoal a subjetividade. São critérios diferentes para demandas diferentes.

Acredito que determinadas práticas sociais como galinhagem, grosserias, posições políticas já são mais transparentes e vão evitar relacionamentos pessoais futuros.

Mas isso não vaza para os negócios, pois a ideia de empresas centralizadas, de Recursos Humanos centrais que contratam é algo que não se sustenta num cenário futuro.

Veja o meu debate sobre isso aqui:

Porém, isso não vai importar muito do ponto de vista objetivo, pois as organizações se uberizando, o que vai importar é o karma digital que a pessoa terá ao entregar o produto ou serviço na plataforma.

A ideia de um RH central escolhendo colaboradores tende a ficar cada vez mais obsoleto.

Assim, sim teremos mais transparência nas relações, sim teremos mais informação sobre a prática de cada um na sociedade, sim avaliaremos cada vez mais tudo.

Porém, a ideia de que vou esmolar estrelas do amigo para manter meu emprego, na minha certeza provisória, é pouco provável.

O episódio consegue projetar e radicalizar um futuro sombrio, a partir das tecnologias. A série toda aliás tem esse tom de reativismo melancólico, mas é bem feita e abrem bem o espaço para o debate.

É isso, que dizes?

 

 

 

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