Muito se fala em desumanização.
Desumanizar seria tirar humanidade do humano.
Parte-se do princípio, assim, que se sabe o que é ser um ser humano e as ações que nos levariam a aumentar a sua humanidade e aquelas que vão reduzi-la.
Talvez, possamo criar uma primeira classificação das definições de humanidade da seguinte maneira:
- conceito de humanização mais embasado na história e na experiência concreta dos humanos, que tenderia a reduzir aspectos morais e sentimentos daquilo que eu (ou o meu grupo político, filosófico, religioso, etc) gostaria que fosse e não o que de fato é;
- conceito de humanização menos embasado na história e na experiência concreta dos humanos, que tenderia a aumentar aspectos morais e sentimentos daquilo que eu (ou o meu grupo político, filosófico, religioso, etc) gostaria que fosse e não o que de fato é.
Assim, muito do que se fala sobre humanização parte-se do princípio daquilo que eu considero que é a humanidade, do que ela deveria ter sido ou o que ela deve ser.
Muito do discurso dos conservadores filosóficos e políticos, que criticam guinadas civilizacionais, se baseia justamente nesse aspecto: se não mudamos dessa forma até aqui é por algum motivo consistente.
(Não, não sou conservador.)
Quero abordar esse tema do ponto de vista da Antropologia Cognitiva para trazer algo novo a esse antigo debate.
Há algo muito importante, filosoficamente falando, quando temos Revoluções Cognitivas Descentralizadoras.
Revoluções Cognitivas Descentralizadoras marcam momentos de guinadas civilizacionais, pois há uma forma de pensar sobre o ser humano que vem de um determinado centro que se consolidou em função de determinado contexto demográfico-administrativo-tecnológico.
Este centro acaba por definir “quem somos nós” e gerar oposição que também define “quem deveríamos ser”.
(Acredito que o velho debate esquerda e direita passou por aí.)
A sociedade passa a ter um embate entre visões de “quem somos nós” filtradas e reguladas pelo status quo e pela oposição vigente, reduzindo o espaço para pensamentos alternativos.
Toda vez que há Revoluções Cognitivas Descentralizadoras temos na sequência Revoluções Filosóficas que têm a missão de revisar tudo que pensávamos sobre o humano.
Há um boom inovador e muito do que achávamos que era apenas cultural era Tecnocultural. A cultura não foi adiante por simples incapacidade de superar determinadas barreiras.
Na verdade, há um espaço para novas vozes, novos pensamentos, novas práticas e novas facetas humanas.
Há depois de Revoluções Cognitivas Descentralizadoras boom Surto Filosófico, pois novos fenômenos passam a ser incompreendidos pelo antigo modo de pensar e agir.
Mas não só isso.
Há uma mudança do próprio humano, pois somos uma Tecno-espécie, que vive sob a égide da Complexidade Demográfica Progressiva.
Há uma humanidade quando temos um número “x” de Sapiens no planeta e outra quando esse número aumenta, pois a complexidade para a sobrevivência aumenta e exige mudanças de todos os tipos, principalmente administrativas.
Revoluções Cognitivas Descentralizadoras nos ajudam a começar a resolver problemas, que antes eram inviáveis de serem resolvidos.
As tecnologias que temos disponíveis nos faz superar barreiras, além da Inteligência Coletiva acumulada, com seus pensadores incrementais e disruptivos ao longo do tempo.
E a experiência de uso de diferentes Tecnoculturas, com seus resultados eficazes ou não eficazes.
Tudo isso vai definindo uma humanidade e vai alterando o conceito de humanização.
Não podemos imaginar um Sapiens que habita um planeta com apenas milhões sendo o mesmo que vive em outro que tem bilhões.
O conceito de humanidade e humanização necessita ajustes e esse é o papel da Filosofia de maneira geral, do ponto de vista da visão existencial humana.
E da Filosofia 3.0, em particular, que precisa incorporar as mudanças demográficas, tecnológicas e o acúmulo de experiência e da Inteligência Coletiva para formular um novo conceito de humanidade.
E, por sua vez, de humanização.
O que é estarmos nos humanizando e o que não é.
(Este texto é o germe do livro “Filosofia 3.0: reflexões para preparar a chegada dos robôs nas nossas vidas”.)