Muita gente acha que teoria é vento. Quem acha isso é por que não consegue perceber o quanto de teoria está contida nas suas ações.
São pessoas que levam a vida a la Zeca Pagodinho, “deixa as teorias me levarem”. Ou seja, as teorias só são invisíveis para os que não pensam nela, o que denota uma alta taxa de ilusão.
O teórico, portanto, é um fazedor de códigos, que vão rodar no sistema operacional da cabeça das pessoas.
Conforme o código, vai se agir de uma forma “a” ou “b” ou “c” na sociedade.
As teorias antecedem as metodologias, que antecedem as ações, que criam tecnologias, produtos, serviços, relações, etc.
O papel ético de um teórico é perceber a relevância de sua atividade como um”fazedor de cabeças”.
Os códigos dos teóricos são teorias e os códigos das teorias são conceitos.
Quando começamos a teorizar, acreditamos que os conceitos podem ser imprecisos, pois não terão consequência prática.
Falso.
Se você teoriza e guarda para você, tudo bem, os códigos não serão compartilhados e você pode até se entender, mas teorizar não é conceituar e esconder, mas conceituar e publicar, tornar público. O que implica em consequências sociais de quem vai usá-los!
A luta do teórico não é conhecer a realidade, ledo engano, é construir conceitos que mais se aproximem dela e permitam que as pessoas ao lidar com as suas forças e contextos, que as teorias identificam, possam atuar com mais qualidade.
(Não, não se iluda: a realidade é indecifrável para a espécie humana, ela pode ou não existir, mas nunca tocaremos nela.)
O teórico não age sobre a realidade, mas sobre teorias, formada por conceitos, que outras pessoas vão desenvolver teorias interpretativas, metodologias interpretativas, para, só então, atuar na realidade.
- As teorias, entretanto, estão impregnadas de filosofia.
- Que estão impregnadas do Modelo Mental Hegemônico, dos Tecno-códigos disponíveis.
- Que nos levam à metodologias impregnadas.
O papel do teórico, ao contrário do que se pensa, não é apenas pensar o novo, mas PRINCIPALMENTE se desintoxicar do Modelo Mental, das filosofias, das teorias, das metologias vigentes para ajudar a pensar algo de forma diferente do que vem sendo pensado.
Um teórico que só reforça o que já existe, não é um teórico, mais uma máquina de xerox viva com um diploma.
Há, assim, na construção das teorias uma consequência social, pois alguém pode “rodar” uma dada teoria e aumentar o sofrimento de si ou dos outros.
Procurar a precisão dos conceitos, portanto, não é frescura, mas justamente o trabalho do teórico, pois em cada conceito que ele desenvolve existe ali uma toxidade do pensamento vigente, que gera ações, que pode gerar mais ou menos sofrimento.
- Da mesma maneira que um médico sabe que um diagnóstico equivocado gera um tratamento equivocado.
- O teórico tem que saber que uma teoria e conceitos intoxicados podem nos levar a percepções equivocadas e a ações, na sequência, equivocadas.
Há, claro, pequenos detalhes em como chamamos determinados conceitos, que não implicam em problemas práticos mais adiante.
Essa frescura conceitual, sem consequências, seria um falso-problema, de um capricho e isso não é teorizar, mas é se masturbar intelectualmente (desculpem a expressão).
O amadurecimento do teórico vai lhe dando a percepção do que é algo que deve ser combatido com rigor e o que é um falso problema. A prova dos nove é fácil: pode gerar interpretação equivocada? pode conter contradições? Pode gerar mais sofrimento?
Porém, há momentos que a imprecisão dos conceitos leva a dois problemas:
- – a incoerência entre eles, que deve ser permanentemente combatida para evitar confusão de quem vai “rodar” a teoria;
- – a intoxicação dos conceitos com pensamentos vigentes, que podem levar a ações diferentes das sugeridas.
Teorizar exige, portanto, uma ética profissional de perceber que é justamente da luta incessante pela desintoxicação e coerência dos conceitos que a teoria vai ficando mais “limpa” e permite que a expressão se torne mais fácil, reduzindo o risco da falta de compreensão e, por sua vez, metodologias ineficazes, que gerem mais sofrimento, se propaguem.
É isso, que dizes?