Note que um assunto é um problema que empedrou.
Na continuidade das reflexões sobre nosso futuro, tenho discutido aqui a dicotomia entre problemologia (agir e pensar a partir de problemas) e assuntologia (agir e pensar a partir de assuntos).
Podemos dizer que nossas organizações educativas e produtivas atuais são claramente voltadas para assuntologia.
Note que um assunto é um problema que empedrou.
Há um problema em algum lugar, mas que virou assunto.
Se temos, por exemplo, um especialista em Napoleão.
Do ponto de vista prático, ele só vai colaborar com a sociedade se permitir que se faça relações sobre a história de Napoleão e a atual realidade.
Por exemplo:
- Napoleão, poder e mito;
- Napoleão, poder e as guerras.
Note que a curiosidade sobre Napoleão não pode ser questionada. Tudo depende da taxa de quantos especialistas existem no total e como isso se desdobra em torno dos estudos focais em problemas.
Se só tivermos especialistas por assuntos e não por problemas, mais e mais, teremos dificuldades em lidar com novos problemas e teremos assuntólogos que pouco ajudarão a resolvê-los.
Se pensarmos em verbas, então, é preciso incentivar mais problemólogos do que assuntólogos, ou promover uma relação eficaz entre estes para que as organizações ajudem a sociedade a minimizar sofrimentos.
Em absoluto se defendo que não se deve ter especialistas em “Napoleões”, mas isso não pode ser a regra nem das organizações de ensino e das produtivas, mas sim a exceção.
O problema que hoje me parece ser a regra.
Assuntos são um saco sem fundo e dificultam muito serem checados na sua validade e veracidade.
Um estudo de Napoleão pode durar uma vida toda, pois sempre vai haver algo a mais para estudar. Uma nova biografia, um novo filme, um documento.
A Napoleãologia não tem fim, não tem métrica e, muitas vezes, tem pouca utilidade.
Entra no que podemos chamar, e deve haver, a cota de curiosidade, mas que não pode ser muito acima da necessidade.
O final da contração cognitiva, aliás, nos traz essa realidade, já que as organizações passam a viver a sua fase mais narcisista, voltadas para elas mesmas, com a assuntologia vivendo seu momento de apogeu e glória:
- Muitos assuntólogos com pesquisas e projetos sem fim;
- Poucos problemólogos sem pesquisa.
Quanto mais os assuntos se tornam relevantes na sociedade:
- mais distantes acabam ficando dela;
- mais criam “assuntólogos” que passam a ser valorizados pelas organizações narcisistas de plantão, mas pouco colaboram com a sociedade.
Note que a assuntologia, portanto, é sem medida.
Ninguém pode questionar seus passos e saber se algo ali faz sentido, pois o assuntólogo por ser um especialista de um dado assunto, porém quanto mais estudar, mais cavará uma caverna, no qual será mais e mais um ermitão sem métrica externa.
Note que já com o problemólogo temos algo completamente diferente.
Assuntos são fechados, porém os problemas não.
Se você tem um problema, você NECESSARIAMENTE tem uma metodologia de solução.
Pronto.
Se há uma metodologia há a sua aplicação na realidade e é possível aferir se o problema está sendo bem analisado, se faz algum sentido com alguma realidade disponível, e se o método de abordagem consegue os resultados pretendidos.
A problemologia é, assim, capaz de oferecer uma medição.
Muitos dirão que isso talvez funcione para as ciências naturais, biológicas e exatas, mas não para as humanas.
Tendo a discordar e é principalmente nas humanas que temos assuntólogos aos borbotões e raríssimos problemólogos.
Qualquer pensamento humano, em qualquer área, seja uma teoria ou filosofia, tem dois caminhos:
- – ser completamente ignorada – a maioria delas, que é feita e vai para ser devorada pelas traças das bibliotecas;
- – ser difundida – o que leva a desdobramentos naturais de virar um tipo de maneira de pensar e agir.
Um pensamento sempre acaba por influenciar uma metodologia por alguém.
O problema é que não se faz esse link da relação pensamento difundido – teoria.
O caso que trabalho bastante é:
- Sociedade do conhecimento – uma teoria;
- Gestão de conhecimento – uma metodologia (funciona?).
Js falei muito disso por aqui.
Outro exemplo.
Veja que quando Sartre defende que o ser humano é livre e a liberdade é uma prisão na qual ele não tem como escapar.
Logo surge um ramo de tratamento de doenças baseado nessas premissas.
Ajudam? Em que casos? Em que tipo de pessoas?
Sim, nossas organizações hoje são assuntólogas e vivemos esse grave problema.
Temos que migrá-las para virarem problemólogas, o que nos leva a mudanças radicais na maneira de pensar e agir.
É isso, que dizes?
Fico imaginando, uma escola invertida, que os alunos estudam em suas residências, e quando vão à escola ou acessam ambientes de tele-educação, e então, ao iniciar a aula o Prof. diz: “Olá a todos, sejam bem vindo a nossa aula de hoje. Hoje iremos conversar sobre o problema da Mobilidade Urbana.” Tenho uma curiosidade. Como seriam as grades curriculares e os conteúdos programáticos destas novas escolas? Podemos por meio de um simulacro “bolar” um programa de problemas? Como seria isso?