Versão 1.1 – 21/08/13
O cérebro não é ideológico e isso mata muita gente do coração!
(Continuação do post de ontem.)
Podemos dizer que a história ocidental dos últimos 2 mil anos foi marcada pelos seguintes ciclos de descobertas:
- Da fé/emoção – de Cristo até o século XVI quando Decartes declarou que era preciso colocar razão na fé, “Penso, logo existo”;
- Da razão absoluta – de Descartes até o século XIX – XX – talvez até Heidegger: “Eu sou apenas um projeto de humano, que pode ou não se realizar”, o que levou Freud a desenvolver suas teorias do inconsciente e a redução de sofrimento pela conversa sobre o “outro eu” que eu não controlo;
- Da subjetividade – com o reforço das forças do inconsciente, que nos legou a ideia de que não somos tudo aquilo que queremos, mas temos que negociar o tempo todo com nossa subjetividade, tal como sugere Freud, que nos traz até os dias atuais, passando pela ideia de Foucault que o poder está em nós, pois nós o introjetamos;
- Da força do cérebro – que com os estudos que vêm sendo desenvolvidos pela neurociência demonstram que ele é um agente ativo (porém invisível até aqui) nas mudanças da espécie humana, completamente fora – até aqui – do radar das ciências sociais.
O século XXI em diante será, a meu ver, marcado pela descobertas do nosso cérebro, o que nos fará rever, pela ordem, a fé/emoção, razão, subjetividade, consciência, mente sob a luz magnética de máquinas que irão “radiografar” nossos neurônios à exaustão.
O meu campo de estudos ou área de pesquisa (a gosto) da Antropologia tecno-cognitiva ganhará muito com esse aprofundamento, pois desde o meio do século passado alguns pesquisadores da Escola de Toronto têm alertado que mudanças de mídia alteram algo mais profundo no ser humano. Não, não falavam em plástica cerebral, mas de mudanças na mente, de estado de consciência e agora podemos falar de forma mais segura em cérebro, ou mais detalhadamente em plástica cerebral.
Podemos especular, por exemplo, (pesquisas podem comprovar isso ao longo do processo) de que é muito mais plausível afirmar que as manifestações de Junho de 2013 no Brasil foram motivadas, antes de tudo e mais do que tudo por mudanças profundas no cérebro em função da massificação acelerada de uma nova mídia, como detalharemos.
Podemos provocar, assim, o debate (papel fundamental de um blog) ao afirmar que os jovens não foram para as ruas por questão de fé, nem pela tomada de consciência, tramando coisas subversivas no Facebook, nem ainda alterando seu estado de consciência política ou mesmo foram movidos pela força do inconsciente coletivo.
Quem está aqui dentro – no caldeirão das redes sociais – sabe que tudo isso não faz muito sentido, pois a explicação ainda está em aberto, à procura de uma teoria mais plausível.
A resposta pelo atípico das manifestações e pelo volume em número de manifestantes das mesmas é de que está/estava em curso uma repentina, massiva e rápida mudança na plástica cerebral promovida pela chegada de uma nova plataforma de conhecimento, que altera a forma com que trocamos sinapses, como deve já ter ocorrido (não temos ultrassonografia para comprovar) ocorreu na história com a chegada da fala, da escrita (em suas diferentes fases, incluindo o alfabeto na Grécia e o papel impresso na Europa), do rádio e televisão (estudados por McLuhan) e agora com o computador, internet e mais escandalosamente perturbadora mídias sociais.
Ou seja, podemos criar uma teoria interessante e especulativa (que só tomografias especializadas poderão comprovar) na seguinte direção:
- a) novas mídias alteram a plástica cerebral, conforme defendem vários autores da Escola de Toronto;
- b) a sociedade se organiza, portanto, tendo como epicentro central o nosso cérebro, que tudo define;
- c) nosso cérebro se expressa e cria, através de plataformas cognitivas;
- d) quando se modificam as plataformas cognitivas, modifica-se a plástica cerebral, a base de toda a sociedade;
- e) e como é ela o epicentro da sociedade, modifica-se toda ela quando a plástica cerebral se modifica;
- f) a demografia é a principal causa para a latência de uma nova mídia e por um cérebro mais complexos.
Estaríamos diante de um fenômeno “Galileuneano”, em uma mudança de percepção de afinal quem está no centro do universo humano? Não seria mais a fé, a razão, a consciência, a mente, mas o cérebro, que muda sua plástica cerebral, precisando ser mais complexos, conforme aumentamos a população.
Pode parecer estranho, mas tem uma lógica razoável para desenvolver várias pesquisas, não?
Até o século passado, ficou meio como senso comum de que era a mente (embolada com o inconsciente) o centro do universo social, sendo ela que governa nossa vida. Mudanças sociais, portanto, ocorreriam pela tomada da consciência (política, social, econômica, corporal, do inconsciente) da mente que se organizaria, subjetividade inclusive para, só então, mudar o mundo.
Hoje, podemos especular que a mente tem o seu espaço, assim como a subjetividade e até a fé/emoção, mas em alguns momentos, como em guinadas tecno-cognitivas já estudadas no passado, quem assume o comando/o controle remoto das alterações químicas do corpo é o cérebro, que modifica radicalmente a sua plástica cerebral em um movimento espontâneo para se adaptar ao novo modelo de transmissão/recepção de ideias e num processo de sofisticação para lidar com problemas mais complexos.
Óbvio que a mente/subjetividade/emoção, que seriam os aplicativos, do qual temos algum tipo de inferência, resolvem:
- Se vamos ou não sair à rua em passeata.
- Se vamos ou não filmar a polícia.
- Se se vamos ou não quebrar uma loja.
Mas o movimento coletivo, o desejo, a vontade, a possibilidade de ir para a rua e procurar um novo modelo de sociedade parte de uma mudança mais funda, que é a plástica cerebral, da qual não temos como alterar, pelo menos, até o momento.
Essa plástica cerebral que é algo difuso em termos de consciência, quando olha para fora, procura algo que a represente. E há essa dicotomia entre o novo modelo cerebral e a estrutura social vigente que foi organizada para um outro cérebro menos complexo.
Assim, o jovem mutante não se vê representado na sociedade e vai procurar quem a represente, buscando um novo modelo de governança da espécie, que naturalmente vai se construindo, em função de uma forte latência provocada pelo aumento radical da população. Foi o que aconteceu na Grécia pós-alfabeto, como estudou Eric Havelock e ocorreu na Europa pós-papel impresso (diversos autores estudaram esse fenômeno) e com a Internet (segundo Pierre Lévy).
Podemos dizer assim que a alterações de mídia é uma oferta/demanda por um cérebro mais complexo, que será mais apto a lidar com uma complexidade do mundo muito mais habitado.
Podemos dizer, assim, que a sociedade humana tem uma organização social e estabelece redes de poder, no modelo Foulcatiano de ver o mundo, mas que todo esse poder, essa relação se estabelece por sobre uma dada plástica cerebral mutante, que quando muda o modelo estruturado de poder simplesmente perde o poder de controlar a nova força jovem mutante.
É algo ainda mais especulativo, mas é um ponto de partida, a meu ver, mais eficaz para começar um bate-papo que as velhas ferramentas da fé, emoção, da consciência, mente e da subjetividade isoladamente não conseguem dar conta.
Vou continuar falando mais sobre isso, mas por enquanto, é isso.
Que dizes?
Então seria o caso da plástica cerebral ser uma demanda causada pelo cenário de uma nova mídia. O cérebro tem que se adaptar para entender e participar?
Ele não tá nem aí para nada, só fica na dele, o que vier ele muda..é uma esponja..achou eu…
[…] É o cérebro, mané! […]