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É melhor ser derrotado pelo que você acredita, pois se aprende algoNepô da safra de frases de 2011;

Tem gente que esconde, acha que não se deve falar.

Já que não passou, foi “derrotado” é melhor colocar para debaixo do tapete, pois pode “queimar o filme”.

Mas problematizar fatos é o que nos leva à mudança.

Vergonha não leva ninguém a lugar nenhum.

E acredito que  sofrimento só é minimizado quando compartilhado.

E isso é um fato concreto, que ocorreu ontem, dia 16 de março: fui desclassificado num concurso de acesso à uma Universidade Pública Federal, para uma vaga próxima ao meus temas de estudo e reflexão.

Fiquei entre os três candidatos, em último. 🙁

Nada contra a banca, marmelada, etc.

Foi tudo feito dentro da ética e daquilo que as pessoas consideram que deve ser a seleção.

O candidato que passou tem competência comprovada e demonstrou isso naquilo que pude ter acesso.

O que me interessa é discutir critérios, subjetividades.

E que tipo de abordagem a banca teve para escolher o professor que vai dar aula para seus alunos nas provas realizadas.

Vamos lá.

Qualquer concurso de acesso à uma Universidade Federal passa por duas ou três etapas, prova escrita, aula e prova prática, quando for o caso, neste, em particular, não teve.

Na prova escrita tivemos a oportunidade de ler e escutar o texto dos outros candidatos e é a partir dessa leitura que posso refletir sobre os critérios adotados pela banca.

Ao se ouvir os textos, percebi claramente que havia dois tipos de propostas, talvez  maneira de lidar com o conhecimento.

Os outros dois candidatos optaram por reproduzir e garantir que sabiam o conhecimento estabelecido. Foram provas da capacidade de memória, de afirmar para a banca que conheciam o tema, sem a preocupação de articulá-los e, principalmente, de atualizá-lo.

Foram boas provas que cumpriram bem essa linha.

Não posso jogar pedra, de forma alguma.

Elogiei-os na saída, pois achei que conseguiram algo bem difícil.

Não colocaram, por exemplo, a questão da ruptura de paradigma da informação que estamos passando, chave, no meu entender para se pensar informação, fundamental para convidar um professor para dar aula.

Se estivesse na banca, a omissão dessa atualidade com ruptura, seria algo que me chamaria bastante a atenção e teria preocupação de evitar que os alunos ficassem omissos ao que acontece, apesar do tema sorteado não ter necessariamente exigido isso.

A banca deveria puxar mais, pois é algo determinante para o futuro da escola e dos alunos, pois está se formando para um mercado de trabalho em mutação e não estático.

“Desenvolva tal tema e o atualize…”

Pontuaria os candidatos que se mostrassem mais “antenados”, pois levaria essa visão para os alunos, com perspectiva futura.

Fiz minha prova baseado nessa premissa: mostrar que estava antenado, articulando.

Não posso dizer que os outros candidatos não o tivessem, mas não demonstraram, o que deixa em aberto a visão sobre essa ruptura.

A meu ver uma falha grave da banca, em um processo de seleção num mundo conturbado, ainda mais na área de informação.

É um critério escolhido, de forma explícita ou implícita.

São meus valores de importância, minha subjetividade, a partir do que vejo, ouço, escuto, percebo.

Mas olho em volta e só vejo mudanças e não continuidade, mas vamos lá…

De fato, fiz uma prova para eu dar 10 para mim mesmo. 🙂

E acho que esse deve ser o critério.

Dizer quem você é para evitar que adiante, você entre e se mostre outra pessoa, incoerente com o que a instituição deseja e espera.

Faz-se isso, mas não concordo com isso.

Optei, por fazer conexões, apontando contradições, atualizando o tema para os dias atuais. E apontando claramente a ruptura como algo fundamental com critério para se pensar a informação.

Considerei que isso era algo que ia pontuar.

Queria uma banca que me acolhesse na minha diferença, sem ser diferente para ser acolhido.

E isso foi uma proposta de participação.

Sim, desde que eu.

Na hora, por ingenuidade talvez,  acreditei, olhando sob minha ótica, que tinha ido muito bem, pois estava colocando as questões pertinentes hoje da Ciência e que teria me distanciado dos outros candidatos.

Quando saiu o resultado, foi justamente o contrário.

O critério da banca foi exatamente pontuar mais quem apresentou o conhecimento consolidado e não quem tentou atualizá-lo e problematizá-lo.

(Obviamente, essa é minha leitura dos critérios, colocando todo o grau de subjetividade de quem foi preterido.)

O que mais estranhei é que estudando para o concurso, incluindo os textos dos membros da banca, percebi que estão “antenados” com a ruptura em curso com questões relevantes para o futuro.

Não foi falta de percepção ou falta de atualidade, apenas não refletiram no concurso, o que li deles no papel.

(Gostei da banca, aprendi muito com os textos deles.)

Porém, o critério para a seleção na banca, ao contrário do que eu imaginava, não refletiu, na prática essa visão de futuro.

O critério “antenado” não foi o principal e acho que deveria ser, por isso não fui selecionado.

Apostei num azarão, num mundo, acho eu, que precisa de azarões.

Fiz uma estratégia de participação, coerente com minha consciência, e não fui classificado.

Ponto.

Não acredito que não fui competente, mas apenas minha competência não se encaixou no que se esperava dos candidatos.

Vida que rola.

Posso dizer que tal subjetividade (a memória em detrimento da articulação), em voga, é um dos grandes desafios que temos nesse novo século. E ainda a percepção da ruptura e a tomada de ações prática para atuar diante dela.

Percebe-se, mas não se atua.

Deve-se procurar em uma seleção, no momento de ruptura como o atual, algo diferente do que estamos acostumados e não continuar selecionando como fazíamos pré-internet.

(Se houvesse continuidade, talvez a memória tivesse mais importância, não sei.)

Como podemos lidar com tantas mudanças, com um conhecimento cada vez mais oral digitalmente, quase líquido, na formação dos jovens?

Por fim, para fechar o que ficou mais longo do que deveria, me chamou a atenção também foi a falta de interesse dos alunos.

Não havia ninguém dos diretórios acadêmicos acompanhando o concurso, já que pode.

O futuro da Universidade se define no critério da escolha dos professores.

Vi vários estudantes dando trotes nos calouros, essa espécie de bullying oficial, mas nenhum preocupado em realmente naquilo que vai, de fato, mudar a sua vida, ou de seus futuros colegas.

Início de semestre, mas a vida está andando.

A banca definiu seus critérios.

Cabe refletir, caso as minhas percepções sejam próximas do que de fato aconteceu, que tipo de escola, universidade queremos.

Continuo achando que o momento é de ruptura e que meu esforço deve ir na direção de ajudar meus alunos a pensá-lo e ter condições de agir sobre ela.

E continuo a considerar  que as bancas devem pontuar mais a inovação, criatividade, articulação do que o uso da memória, pois estamos falando de futuro e não de passado.

De mudança e não de continuidade.

Ou a Internet não muda bastante a prática da informação?

Se não fui o escolhido, paciência, quem sabe nos próximos tenha uma banca mais favorável e mais sensível a essa preocupação?

Esse post visa ajudar a problematizar o tema.

Aprendi bastante.

Grato a todos.

É isso,

Segue o link da minha apresentação para a aula, talvez seja útil a alguém.

Que dizes?

13 Responses to “Anatomia de uma desclassificação”

  1. Gustavo disse:

    Parabéns pela coragem de escrever isso. Perfeito quando você diz que fez uma prova que você se daria 10. É isso que no fim das contas importa.

    Agora, será que não passou pela sua cabeça que a banca talvez simplesmente não tenha entendido o que você escreveu? E por isso preferiu não arriscar? Será que você de certa forma não está mais atualizado que a banca? Não que tenha ocorrido neste caso específico, mas já vi isso acontecer várias outras vezes. Na única banca para professor na qual participei, na nossa área de CI, um professor da banca me criticou veementemente pq citei a wikipedia(!). Como alguém que atua na CI não compreende isso? Pra mim ficou claro que ele não entendia o que eu estava dizendo. E aí, paciência.

    De qualquer forma, sua contribuição para a CI na minha opinião é mais importante do que a de muitos professores estabelecidos e tenho certeza de que quando você se tornar professor poderá contribuir muito mais.

    Parabéns!

  2. Carlos Nepomuceno disse:

    Gustavo,

    “que a banca talvez simplesmente não tenha entendido o que você escreveu?”

    Não posso optar por essa saída fácil, do tipo, eles não me entendem.

    Li os textos da banca e são bem bons, coerentes, me ajudaram muito na minha reflexão. São atenados e entenderam a minha questão.

    O que avalio é que não estão procurando ruptura, mas continuidade, só isso.

    A academia está optando por isso.

    O que cabe pensar é se o mundo caminha para isso, os alunos não serão prejudicados e a sociedade como um todo.

    Ficaria mais contente se tivesse sido preterido por um outro Nepô mais competente na mudança do que eu.

    Senti que foi a derrota de um conceito e acho que “vendi” da melhor maneira possível o meu conceito, mas não era o que se esperava.

    Valeu visita, comentário e apoio (sempre é bom),

    Nepô.

  3. Sarah Gerhard disse:

    Oi Nepô,

    Você postou uma frase muito bacana no Twitter nesses dias:
    “Não existe nada mais assustador do que ser diferente. Por isso, tendemos à mediocridade.”

    É isso mesmo, no geral, a maioria quer continuidade e algum controle, principalmente quando a maré é favorável (no individual e não no coletivo).

    Universidades Federais são em geral, um clube fechado. Quem sabe o clube ainda não esteja maduro para trabalhar a mudança que já “conhecem” (afinal os textos estavam antenados…).

    Relembre seus outros posts e textos enviados por email, rs, como aquele que fala da produção científica (quantidade x qualidade)…

    Às vezes penso que é um papel que o país culturalmente “se acostumou” a ter. De mero consumidor, ou propagador de informações. Nossas escolas, universidades, ambientes de trabalho não estão preparados para inovação, para criativade, para atualizar o que já está pronto.

    Por isso te admiro! Porque continua remando contra a maré e tentando plantar algumas sementes de inquietação, rs.

    Oportunidades mais apropriadas virão! Confie!

    Um beijo.

  4. Carlos Nepomuceno disse:

    Sarah, valeu a força…saíram duas frases, depois do post, que compartilho contigo:

    Num processo de seleção os dois lados estão sendo avaliados;

    e outra que tem a ver com o que você diz:

    No impasse, a incoerência muda de discurso; a corência, de público;

    Beijos, valeu o carinho, chegou na hora certa,

    Nepô.

  5. sabe o que eu acho? que nao te mereciam!!! bola pra frente!!! []s

  6. Lucilia disse:

    Meu querido Nepô,

    Concordo totalmente com o coment da Sarita!
    Ser diferente dá trabalho e requer coragem, muita coragem, sobretudo para não ter medo de enfrentar frustrações e decepções, que são certas para aqueles que optam por não se conformar com a mediocridade.

    Eu sei que a oração da serenidade é o seu mantra preferido. Mas eu não posso deixar de te dizer que a sua reprovação me fez lembrar de uma frase que ouvi certa vez do meu orientador do mestrado: “você não vai conseguir mudar nada estando dentro da instituição em que você trabalha…”. Na época a frase me bateu muito mal. Hoje, e a cada dia que passa, mais eu concordo com ele.

    Embora eu saiba que você acredite que a sala de aula é domínio irrestrito do professor, a resposta dos deuses da UFRJ me dá mostras que as dimensões desse “cercadinho” vão muito mais além do que supõe a nossa vã filosofia…

    Admiro muito a tua disposição, sobretudo essa, de se expor prá curar tuas feridas.
    Creio que esse episódio foi só um teste.
    Continuo apostando na tua plena disposição para Ser. E confio que sobreviver haverá de ser apenas uma decorrência disto!
    Em frente…
    Um beijo.

  7. José Paulo disse:

    Nepô,

    Parabéns pela coragem de revelar aquilo que muitos escondem. Não entendo que movimento é esse que vem ocorrendo na Academia em nosso país.

    Há um mês tive uma experiência desastrosa com a comissão editorial de uma revista à qual submeti um texto. Abriram para submissão aceitando um gênero textual e me devolveram dois pareceres apontando falhas que seriam esperadas de outro e claro, rejeitando meu texto.

    Durante minha argumentação, em que apontava a falha boçal deles, removeram do site da revista as normas em que ficava provada minha razão de criticá-los. Mas, (que tolice a deles!) um blog havia publicado as normas na íntegra. Tive de praticamente “esfregar a página na cara virtual deles”.

    Sem argumentos válidos, insinuaram que eu seria inexperiente e até que desconhecesse as características do texto acadêmico, demonstrando total falta de respeito com um colega e, obviamente uma acusação sem provas. Nada mais me restou a fazer além de sugerir que visitassem meu Lattes e, em seguida, acusá-los de cometer falhas éticas graves. Quanto aos pareceristas, declarei apenas que foram induzidos a erro.

    Começo a acreditar que estamos vivendo tempos de autismo acadêmico, grave síndrome que impede que os pesquisadores olhem para outros lugar além de seus próprios umbigos. Essa síndrome só gera repetição, jamais inovação – o que você, infelizmente, constatou no concurso descrito.

    Tenha minha solidariedade.

    PS: Acabo de me lembrar que a experiência que narrei foi a segunda de mesma natureza em menos de um ano. Acho que está virando “cultura”.

  8. Carlos Nepomuceno disse:

    Suely, Lucilia, Zé Paulo, palavras importantes de ouvir, pois percebo que a solidão é inimiga da sanidade, nada como ter pessoas em torno que nos validam.

    Esse post acima é uma manifestação contra a invalidação, não a minha, mas a um projeto – que começo pelo que li, ouço e se reforça a cada dia, incluindo seu depoimento Zé, de se trata de um ato político de questionamento a um tipo de academia.

    Lu, a oração da serenidade diz que temos que “ter coragem para as coisas que podemos mudar”. E esse tipo de mudança não é solitária, apesar do sofrimento atingir o indívíduo isolado.

    Por isso, achei que deveria expor a questão, pois me senti bem seguro do que deveria fazer na prova e me espantei com a avaliação.

    Procuro não perder o problema que temos que atuar: minimizar as consequências danosas e potencializar as positivas que a rede digital traz para a sociedade nesse século que entra.

    É uma atitude filosófica.

    A sobrevivência, por outro lado, nos empurra para conceder.

    E este é o jogo, até onde vamos para sobreviver e deixar de ser.

    E nisso vai contida a estratégia de poupar para poder ter serenidade em algumas escolhas e independência para poder se portar de forma digna em alguns momentos.

    Acredito que todo corpo que se fecha em si mesmo, como se não pertencesse e devesse mais explicações a um mundo do lado de fora acaba sendo rejeitado por este.

    E fica algo transitando meio sem vida, sem importância, se relevância, sem interferência…como regra, com honrosas exceções.

    É algo que vai sendo consumido pela falta de energia que circula….procura-se o homogêneo e não o heterogêneo, reproduzindo a mesma falta de energia, num círculo cada vez mais turvo.

    É isso,

    agradeço de coração as validações e saibam que alimentam muito não só nesse episódio, mas são coisas que ficam como reforço para as difíceis opções na vida, quando procuramos viver com consciência e dignidade a cada momento.

    PS- Zé, se a revista x não quis o seu texto, manda para a “z” se mesmo essa não quer, publica na rede e paciência….

    pensei na frase:

    “Quando a inconsistência acha o impasse, muda o discurso; a consistência, procura outro público”.

    Valeu,

    Nepô.

  9. Moreno disse:

    Não serve de consolo mas, eu gostaria muito de ter tido você como meu professor e gostaria que fosse professor dos meus filhos.

    Se fosse uma entrevista de emprego em uma startup ou grande empresa no mercado de capitais a vaga era sua, sem dúvidas.

    Como a academia é distanciada do mercado, não se pode esperar que os profissionais formados sejam um reflexo das transformações do mercado e o que está a exigir, mas sim das linhas de pesquisa “antenadas”. Não dá pra culpar os professores, com dedicação exclusiva.

    Mesmo em longo prazo, não há solução aparente. Mudança dos critérios de seleção, transparência, da obrigatoriedade dos títulos, análises subjetivas, perfil do formador, etc. A não ser que, uma série de Nepôs eventualmente venha a compor o grosso dos cursos de graduação e pós, e que invariavelmente irão optar por outros Nepôs, até que so configure a ideologia padrão e até que se torne alvo de uma futura proposta de inovação.

    Eu sei que você não compactua com isso, mas minha estratégia particular é jogar o jogo conforme as regras. Se é um teatro, bancas de seleção, então teatralizamos. Como eu falei no twitter, é entrar. Depois dentro, ninguém no departamento irá interferir no conteúdo programático das suas disciplinas, ainda que você camufle idéias inovadores por baixo de títulos que são os mesmos há mais de 50 anos nas disciplinas que conhecemos.

    Ou fundamos nossas próprias escolas, ou jogamos conforme as regras do jogo. Don’t hate the players, hate the game.

    Se “é melhor ser derrotado pelo que você acredita, pois se aprende algo” então a minha sugestão pontual em curto prazo é que ao menos a banca nos diga onde exatamente não cumprimos com as exigências, para que não cometamos os mesmos erros no futuro e quem sabe aprender algo com as nossas derrotas.

    Você tem muito a ensinar e não é do tipo que entraria na academia por oportunismo. Continue mostrando fora da academia quem você é e o que você sabe, para eles terem ciência do que estão perdendo.

    • Carlos Nepomuceno disse:

      Moreno, de fato, você tem razão e ainda diria que – pensando com mais calma – poderia ter feito uma prova bem melhor….do que fiz, aquele papo em cima que me daria 10, acho que 8,5 rs…faltaram coisas.

      Aprendi muito e acho que vamos continuar tentando.

      Grato pela força, você é um cara muito bacana e especial, uma pessoa que admiro bastante,

      forte abraço,
      Nepô.

  10. Carlos Nepomuceno disse:

    Acho que este artigo do Dimenstein é relevante, enviado para meus alunos/clientes:
    ————-

    Pessoal,

    considero o artigo abaixo um reforço muito grande para nossas reflexões sobre o mundo 2.0.

    Mostra o tripé claro entre novo tipo de produção de informação/conhecimento como vetor fundamental
    para inovar e continuar produzindo.

    Duas universidades se unem para resolver o problema do câncer, superando barreiras e
    apostando na mudança do ambiente informacional para produzir melhor.

    Leiam e comentem,

    abraços,

    Nepô,

    ———
    DOMINGO, 20 DE MARÇO DE 2011

    http://marconipimenta.blogspot.com/2011/03/cancer-une-as-melhores-universidades.html

    Câncer une as melhores universidades

    por GILBERTO DIMENSTEIN

    “Muito da nossa força reside na interação entre pessoas criativas”, disse à Folha Drew Faust, reitora de Harvard

    SE FOREM ANUNCIADOS tratamentos revolucionários ou vacinas contra o câncer a partir de agora, há uma chance razoável de que o Instituto Koch, um centro de pesquisas inaugurado neste mês nos Estados Unidos, tenha participado -ou mesmo sido o polo- da descoberta.

    Isso se explica não só porque se juntaram nesse projeto as duas mais renomadas universidades do mundo (Harvard e MIT), o que já não é nada fácil, mas porque estão sendo reunidos num mesmo prédio, cruzando as pesquisas, 650 cientistas das mais variadas especialidades: oncologistas, químicos, biólogos e geneticistas, em meio a diversos tipos de engenheiro. A ideia é criar um consórcio planetário de pesquisadores, como o nosso Instituto do Câncer em São Paulo.

    Espera-se que essa quebra de barreiras espaciais ajude a promover a inovação: engenheiros, por exemplo, podem desenvolver com químicos e biólogos minúsculos chips que, injetados no corpo, destruam os tumores sem prejudicar as células saudáveis.

    Essa é uma terapia que combina dinheiro com vontade e inteligência, mas o efeito do projeto vai mais longe do que o combate aos tumores -o efeito é a forma como se produzem as descobertas.

    Estamos falando aqui de duas universidades que geraram ou têm entre seus professores cerca de 120 vencedores do Nobel e vivem se digladiando para ficar nos primeiros lugares das listas das melhores instituições de ensino superior do mundo. Fazendo uma comparação vulgar, é como se o Palmeiras e o Corinthians fizessem uma parceria para desenvolver uma melhor técnica futebolística -aliás, a direção do MIT e a de Harvard lançaram um texto conjunto na semana passada em que afirmam que a economia americana depende do que se produz. Foi por isso, segundo elas, que a decadência do país, tantas vezes prevista, ainda não aconteceu.

    O que faz uma universidade ficar nos primeiros lugares em rankings de qualidade são, em essência, suas pesquisas. Isso acaba atraindo mais dinheiro e, naturalmente, os melhores alunos e professores, num círculo virtuoso.

    Na conversa que teve comigo e com a repórter Luciana Coelho, da Folha, Drew Faust, a reitora de Harvard, deixou claro que um de seus principais interesses na visita ao Brasil é atrair talentos. Talentos se traduzem em invenções. “Muito da nossa força reside nessa interação entre pessoas criativas”, diz ela.

    A forma como se inova depende da quebra de paradigmas. Daí por que aquele instituto do câncer vai além da medicina. A produção de conhecimento exige que se rompam as barreiras entre os departamentos acadêmicos, que pouco se falam, provocando desperdícios. Isso significa quebrar barreiras políticas, burocráticas e até aquelas próprias do jogo de vaidades.
    Fora isso, há o risco de obsoletismo. Como obsoletismo não atrai talentos, entra-se num círculo vicioso.

    Temos visto como as novas tecnologias têm virado de cabeça para baixo a forma de produzir saber. Um dos melhores exemplos é o site Wikipedia, uma biblioteca mundial produzida coletivamente e cada vez mais confiável. Assim vão nascendo as inovações.

    A IBM desenvolve extraordinários programas na internet apenas para aproximar seus milhares de pesquisadores espalhados pelo mundo, gerando um ambiente único de aprendizagem -a IBM é a maior produtora de patentes do mundo. Empresas lançam produtos em teste para recolher sugestões do público e pagam por elas.

    Uma das novas estrelas da internet, a Netflix, que está reinventando a forma como se alugam filmes, ofereceu US$ 1 milhão a quem desenvolvesse um programa capaz de adivinhar o filme que seus clientes gostariam de ver. É pouco perto dos US$ 3 milhões oferecidos por uma empresa de seguro médico (Heritage Provider) a quem desenvolver um software capaz de estimar quando seus clientes vão acabar num hospital para que, com essa informação, possa tomar medidas preventivas.
    Nada poderia ser mais exemplar desse jeito de ver o mundo do que duas universidades rivais se unirem para descobrir a cura do câncer.

    PS- Veja como um grande problema pessoal vira uma enorme solução coletiva. O bilionário David Koch descobriu, há 20 anos, que tinha câncer. Desde então, já gastou quase US$ 1 bilhão para ajudar a descobrir novos tratamentos para a doença. Ao instituto que leva seu nome deu US$ 200 milhões até agora. Essa é uma daquelas pessoas que, com ou sem câncer, ficam imortais.

    Fonte: Folha de São Paulo

  11. […] No post passado, narrei minhas impressões/dor de cotovelo de não ter passado num concurso público para professor de uma Universidade pública. […]

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