Anda rolando uma discussão na Rússia se se vão, finalmente enterrar o velho Lênin, morto em 1924 e até hoje, embalsamado e exposto na Praça Vermelha de Moscou.
Sem ele, haveria revolução russa?
Acredito que talvez, mas não do mesmo jeito.
Líderes percebem momentos históricos e se aproveitam dele.
Talvez até os acelere e os conduza a determinada direção, mas não os criam.
Quantos Lênins, pelo mundo, tentaram a revolução marxista e falharam por falta de liderança ou de condições históricas?
Pois bem, a vitória do Botafogo nas últimas duas partidas contra times teoricamente superiores, do Flamengo e do Vasco nos remete a discussão do papel do líder e das redes.
Joel Santana pegou um time desestruturado após uma derrota de 6 x 0 para o Vasco.
E conseguiu em poucos dias, na base da conversa com o mesmo grupo que havia perdido, levá-los da lama à fama.
Não mudou nenhum jogador, rearrumou algumas peças de lugar, muito poucas, mas fez um trabalho basicamente de papo, com o ego coletivo e deu ao grupo o fundamental para uma rede funcionar: um poder superior.
O termo é utilizado bastante nos grupos de mútuo-ajuda dos Anônimos (Alcoólatras, Narcóticos, Comedores, Endividados, etc).
Alguns interpretam como Deus, eu analiso, como ateu que sou, que é uma motivação maior, acima de cada umbigo.
Ou seja, para se conseguir superar as nossas limitações, compulsões, problemas do senso comum que nos jogam para baixo, é preciso ter um poder superior a nós que nos ajude a ver algo maior do que nosso próprio umbigo.
Um propósito que nos energize.
Esta é uma das razões de sucesso da rede dos Anônimos.
E foi também de Joel Santana.
E arrisco dizer de qualquer rede humana.
A capacidade de termos uma motivação maior.
(Ingrediente, aliás, que tem faltado aos nossos líderes atuais do país, que giram em torno de seu próprio umbigo e passam essa visão adiante.)
Uso as palavras do guru preferido da Revista Exame:
” Nós, definitivamente, não trabalhamos pelo dinheiro que ganhamos. Nós gostamos de dar um significado maior a nossa vida. Gostamos de saber que nosso trabalho está direcionado para a construção de algo nobre ou de ideal em benefício de nossos semelhantes. Uma vez consolidado e aceito o sonho, fica estabelecida a ordem de grandeza dos saltos que queremos dar” – Vicente Falconi, na Exame, 962.
Joel conseguiu que cada jogador do Botafogo entrasse em uma rede coletiva de superação, com um objetivo maior, sair da lama ou do buraco em que estavam.
Interessante que a conversa, a comunicação, como aconteceu no Botafogo e nos grupos de mútuo ajuda, como ocorre em vários grupos na Internet, passa a ser o elemento fundamental da passagem da situação de poço “A” para a situação de saída do poço “B”.
Ou seja, há uma descoisificação de cada elemento, uma separação do ego individual e cria-se um projeto motivador, que unifica o grupo em torno de algo maior.
Tive, por exemplo, o desprazer de viajar com esse time do Vasco, voltando de uma palestra ano passado.
Os jogadores e delegação simplesmente ignoraram os outros passageiro num show de exibição coletiva de falta de educação, pareciam os donos do avião, ao ponto de ter ido ao banheiro e um membro da delegação ter sentado em meu lugar e, quando pedi para que saísse, me olhou de cara feia e nem me pediu desculpas.
Os egos estavam e continuam, a meu ver, à flor da pele!
Ali, deveria se fazer um trabalho ao contrário do que o Joel fez no Botafogo.
Baixar a bola e tentar fazer com que cada um daqueles monstruosos egos inflados voltem a trabalhar para um coletivo, como fez o Bernardinho com sucesso na seleção de vôlei do Brasil, mantendo sempre um desafio acima, apesar de todos os títulos.
O mesmo se pode dizer do Flamengo que ganhou – contra todos os prognósticos o último campeonato na base da humildade, na superação de jogadores dados como perdidos para o futebol (Adriano e Petkovic).
Andrade parece que conseguiu tirar, no seu jeito simples, o grupo da egolatria, mas depois do Hexa a arrogância que deveria ser combatida, não foi.
Há técnicos, a meu ver, para se tirar da lama e outros para manter na fama.
Um bom artigo sobre o papel dos líderes para manter ou mudar, saiu no Valor esta semana:
É preciso um tipo de capitão para enfrentar cada desafio.
Ou seja, a vitória do Botafogo nos remete ao papel dos líderes, da rede, da Inteligência Coletiva e da dosagem dos egos para cima ou para baixo, conforme cada momento.
Joel Santana não fez milagres, apenas aplicou uma lei das redes: uniu o grupo em torno de um projeto e deixou que o futebol, por mais mediano que fosse, emergisse e o coletivo fizesse a diferença.
Um bom exemplo a ser estudado pelas organizações.
Depois da vitória final no campeonato, que ocorreu ontem, complemento ainda:
1- não existe grupo humano melhor, mais um grupo humano com mais potencial;
2- o que impede um grupo humano de exercer sua plenitude é a falta de auto-conhecimento, que o leva a não se relacionar bem com seu próprio ego, que toma conta do processo;
3- Assim, para que um grupo exerça o seu potencial é preciso sempre saber quem é e até onde ele poder ir, para tentar superar os limites.
O Botafogo conseguiu se conhecer e ir até a ponta do seu potencial.
Talvez, com certeza, o Flamengo tem um limite de potencial maior que o Botafogo, mas está exercendo-o?
Por que não?
Volto a dizer um “case” interessante para as empresas.
Sai das palestras motivacionais corporativas o Bernardinho e entra Joel Santana!
(Vejam o post sobre o “Botafogo 2.0” mais acima).