O peixe não sabe o que é água – pois para ele a água é invisível – anônimo;
Sim, não é fácil entender o que se passa com a sociedade depois da chegada da Internet.
Estamos vivendo mudanças tão grandes, que nossa cabeça de semana seguinte se perde.
Volta e meia alguém chega com uma solução simples para um problema complexo, articula meia dúzia de fatos e conclui que o prédio caiu por que bateram a porta com força e muita gente acredita.
Digamos que vivemos em um grande aquário.
A informação, o conhecimento e a comunicação são a água que cobrem toda a nossa sociedade.
Podemos chamar a água de ambiente cognitivo ou de cultura das ideias.
Somos humanos e, portanto, não vivemos em nichos ecológicos, como outros animais que trabalham basicamente pelo instinto e têm uma comunicação primitiva.
Vivemos em ecologias culturais, nas quais o ambiente cognitivo é a nossa água principal para que possamos sobreviver, ter qualidade de vida.
Porém, conforme vamos aumentando o número de pessoas, vamos criando problemas para esses ambientes cognitivos.
Assim, além de nos comunicarmos, informarmos ou conhecermos apenas, através da nossa capacidade biológica (fala, visão, escuta, sentidos) vamos criando um aparato tecnológico para ampliar a nossa capacidade cognitiva.
Podemos imaginar modelos mais simples, desde que fiquemos em tribos pequenas, fechadas, isoladas, que não podem crescer, pois ficam limitadas pelo ambiente cognitivo pouco complexo.
Com o aumento da população, qualquer tribo é obrigada a desenvolver ambientes cognitivos mais sofisticados.
(Na foto abaixo, podemos ver uma tribo que não se relaciona com outras, descoberta recentemente, que ainda não sentiu necessidade da escrita.)
Se aumentamos a população e não melhoramos o ambiente cognitivo, começamos a viver crises, que podem significar em grandes problemas de saúde, morte, epidemias, ou problemas de abastecimento.
- Há, assim, uma forte relação entre demografia e complexidade dos ambientes cognitivos.
- E, por sua vez, uma relação dos ambientes cognitivos e nossa capacidade produtiva.
Quanto mais gente tivermos, mais complexos terão que ser tanto o apartado cognitivo quando o produtivo – se não entramos em colapso!
Exemplos simples?
- Imagina um banco sem Internet.
- Ou um cinema em São Paulo idem?
- Ou a venda de ações sem os sofisticados computadores;
- Produção de carros, roupas, alimentos industrializados sem robôs digitais?
Assim, ao longo da história fomos sendo obrigados a criar ferramentas cognitivas para sobreviver – fomos adensando a água do aquário, pois tudo vai se formando em uma grande rede de moléculas, com as quais nos conectamos um com os outros.
O problema dessa rede é que ela vai se formando sem um comando central, vai sendo adaptada e incorporada à nossa vida sem nos darmos conta.
Gosto da frase de alguém que “uma tecnologia só existe para quem veio antes dela”.
Ou seja, toda tecnologia depois de absorvida vira cultura – e a cultura é algo invisível.
Inventamos tambores, nuvens de fumaça, escrita, alfabeto, livro, jornal, rádio amador, telégrafo, telex, fax, telefone, rádio, televisão, computador, celular, Internet.
São tecnologias cognitivas que formam a molécula principal de liga da sociedade.
Quanto mais formos crescendo, mais sofisticados terão que ser essas tecnologias e mais densa a água do aquário!
Porém, há passagens distintas:
- Algumas vezes o adensamento dessa água significam apenas mera passagem entre uma etapa e outra – podemos chamar de tecnologias cognitivas de continuidade.
- E de quando em quando temos outras que rompem determinados parâmetros de forma radical, que podemos chamar de tecnologias cognitivas disruptivas.
A chegada da escrita foi uma tecnologia disruptiva em relação à fala, por exemplo, pois foi um salto quântico para a humanidade. Sem a escrita, não teríamos dado saltos demográficos, as cidades não teriam crescido.
Conseguimos com ela, armazenar conhecimento, que serviu de base cumulativa para irmos melhorando a cada geração e aprendendo com os erros do passado, nos permitindo ir mais e mais adiante.
Podemos dizer que a escrita teve duas fases:
- A escrita 1.0 – do seu surgimento por volta de 4000 a.C até 1450 – com a chegada da prensa – a escrita feita a mão em suportes não reproduzíveis, que tinham como consequência um alto custo, o que impedia a sua massificação;
- A escrita 2.0 – de 1450 até a chegada dos primeiros computadores em 1940. Ou seja, a escrita já existia, mas não permitia que mais gente na sociedade pudesse se utilizar de suas vantagens.
A prensa de Gutemberg, a partir de 1450, permitiu esse salto qualitativo e quantitativo, pois conseguiu reproduzir o mesmo texto de forma ágil e barata, permitindo um salto quântico na maneira que as ideias circulavam.
Saímos da cultura de ideias do livro manuscrito para o livro impresso e essa mudança na água do aquário marcou a humanidade!
Podemos dizer que a prensa baratou o custo das ideias e permitiu, assim, que novos pensadores pudessem expressá-las para muito mais gente.
Importante perceber que a civilização muda, a partir de novas ideias e novos pensadores. Quando o ambiente cognitivo se fecha para estes de alguma maneira, nós tendemos a uma macro-decadência e vice-versa.
Essa ruptura cognitiva significou uma renovação para a sociedade, pois abriu de forma radical as compartas humanas para um novo ciclo de macro-inovação, que deu base para que o mundo pudesse saltar a sua população.
- Note que no ano 1000 tínhamos 310 mil pessoas no planeta;
- Em 1750, dobramos esse número para 791 mil;
- Em 1800, chegamos ao primeiro bilhão;
- E depois das revoluções Francesa e Americana, por volta de 1800, quando conseguimos consolidar as ideias em nova gestão política e econômica (capitalismo/república), saltamos de 1 bilhão para 7 bilhões.
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Crescimento_populacional)
O que podemos aprender desses dados?
Quem sem essa nova água no aquário do papel impresso, NUNCA teríamos conseguido manter essa população toda com essa taxa de crescimento, pois não haveria um descompasso entre aumento populacional e complexidade do ambiente cognitivo.
Note ainda que esse aumento da população só foi possível, pois a chegada do novo ambiente cognitivo nos permitiu um ciclo virtuoso, com mudanças radicais da maneira da gestão da sociedade, que nos levou, a partir da Escrita 2.0, (que podemos acompanhar mais de perto, com mais dados):
- Fase 1 da revolução da escrita impressa -> difusão da nova tecnologia cognitiva;
- Fase 2 da revolução da escrita impressa -> surto filosófico (renascença e iluminismo, que nos leva até por volta de 1800m quando conseguimos implementar mudanças na gestão da sociedade);
- Fase 3 da revolução da escrita impressa -> surtos revolucionários, quando todas as discussões feitas nos últimos séculos resultam em uma guinada social, política e econômica, com o surgimento/consolidação do capitalismo/república;
- Fase 4 da revolução da escrita impressa -> consolidação do modelo, com a chegada das mídias de massa, rádio e televisão, que eram uma expansão do modelo emissor -receptor, do papel impresso;
- Fase 5 da revolução da escrita impressa -> decadência, que se caracteriza pelo uso intensivo e a obtenção de um relativo controle do ambiente cognitivo pelas estruturas de poder, limitando e inibindo a circulação de ideias e, assim, reduzindo macro-inovações, para resolver tais como a crise ecológica, de representação política, do modelo econômico, voltado muito mais para os meios do que para os fins.
Podemos dizer, assim, que a principal crise que estamos vivendo na sociedade é que crescemos a população em taxas altíssimas, mas o nosso ambiente cognitivo em todas as instituições permaneceu similar ao que tínhamos no passado – há uma defasagem entre os dois – e é isso que a atual Revolução Cognitiva procura reequilibrar.
Ou seja, estamos sendo liderados por ideias. líderes e instituições, que estão fortemente na cultura cognitiva impressa, num mundo que cresceu e pede, em primeiro lugar, um ambiente cognitivo mais complexo para logo depois promover um conjunto de mudanças fundamentais para alinhar população com gestão social.
Nossas instituições hoje são lentas e obsoletas, das empresas privadas às públicas, ao governo, justiça, parlamento, escola, academia, etc.
Essa é a principal causa na placa-mãe da sociedade, na qual está embutida a macro-crise do novo século.
Para superá-la, precisamos acelerar o uso do novo ambiente para que as novas ideias circulem, novos projetos ocorram, movidos pela macro-inovação das redes digitais, que vai nos levar a saída para administrar um mundo muito mais complexo e com um aquário compatível.
É isso,
Que dizes?
[…] Há no apagar das luzes de uma Era Cognitiva outro ponto a ser analisado, que interfere no ensino. (Detalhei mais sobre essa decadência aqui.) […]
Concordo. Inclusive, fiz uma montagem que relaciona Tecnologia x Crescimento populacional.
Usei como referências:
FERRARI, Antônio Martins. Telecomunicações Evolução & Revolução – 2ª edição, ed. Érica, 1998.
E o link do Wiki deste post.
O Resultado:
https://docs.google.com/open?id=0B6xlci2ekFCqamVLSmhFbTlHOFU
[…] a alta taxa de invisibilidade teórica/filosófica é um dos resultados evidentes da decadência cognitiva da era Impressa/Eletrônica, que chega ao fim com a chegada da […]
[…] 2- vivemos um momento especial: o fim de uma era cognitiva e o início de outra. Nesse fundo do poço de baixa circulação de ideias temos uma decadência cognitiva; […]
[…] era cognitiva e o início de outra. Nesse fundo do poço de baixa circulação de ideias temos uma decadência cognitiva, o que nos torna com mais dificuldade de pensar o longo prazo, a despeito do que dizem, a Internet […]
[…] ambiente cognitivo de plantão, esse tipo de situação nos leva para uma decadência cognitiva (como disse nesse post), no qual a taxa de falso-eu é coletivamente mais […]
[…] quem acredite mais ou menos nos bezerros de ouro. O papel da filosofia (que anda em baixa na decadência cognitiva atual – mas isso vai mudar), bem como da arte, é justamente ajudar a ver por trás do que […]
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