O valor é um sabonete difícil de segurar – Nepô;
Coloquei a polêmica no ar, ao defender o fim do livro impresso.
(Comentários entusiasmados aqui e aqui.)
Provocar é bom.
Um blog é um espaço de provocação para tirar as pessoas do conforto e extrair o que pensam sobre determinado assunto.
Ajudamo-nos todos a pensar juntos e ir avançando sobre o que pensamos, já que a realidade não existe, apenas nos aproximamos dela.
E quanto mais nos aproximamos, mais ampla fica.
Defendi que a cada livro publicado deve ter um exemplar de graça na Internet.
E acho que isso, ao contrário, do que se pensa vai gerar muito mais dinheiro do que não colocá-lo, pois tende a aumentar a base de interessados, leitores, que serão consumidores de outros produtos, que gerem valor.
Os mais reticentes vêem nesse movimento do DE GRAÇA mais um gesto oportunista do brasileiro que não quer pagar nada, da pirataria, de não respeitar o trabalho alheio.
Têm motivos, pois há muito disso, porém, não é o caso por aqui.
Sugiro mentes abertas para separar o mouse do teclado. 🙂
Então, como vai sobreviver a indústrias (e seus trabalhadores) que produzem hoje os livros impressos?
O problema é que o dar de graça para gerar valor, não é algo que surgiu com a Internet.
Veja que o modelo do rádio, da televisão foram baseados justamente nessa lógica: de graça, para vender anúncio.
Na época, muito capitalista achou que era um modelo fadado ao fracasso.
Como já nasceu assim, ninguém estranha.
E se montou uma mega-indústria em torno dessa lógica aparentemente ilógica de se ganhar dinheiro.
E quem diria tempos depois que haveria uma tevê paga, como a do cabo? E todos pagaríamos por ela!!!
(De volta, o sabonete do valor, que escorrega na “banheira” social…)
Não seria um absurdo imaginar que se pagaria para ver tevê?
(Se fosse algo estatal diria-se que se caiu a qualidade para justamente vender depois algo que era de graça. 🙂 )
O valor, entre outras coisas, é dado por alguém que quer comprar e outro vender.
E quando se têm novas tecnologias cognitivas pela frente, o que gerava valor informacional ontem pode não gerar mais amanhã.
Vide a indústria do som, incluindo a da música, que empacotava e distribuía, com seu monopólio – e hoje não faz mais sentido algo assim.
O valor migrou, não a vontade de ouvir música.
O Google é o exemplo disso.
É tudo de graça e é uma das marcas mais valiosas do mundo.
Vendem anúncios personalizados, que será um dos caminhos das editoras.
Se o de graça fosse loucura, teríamos que repensar o modelo da TV Globo. E ninguém pode dizer que a Tv Globo é um hacker do mal, ou que está falindo por que adotou aquele modelo.
Ou seja, hoje vivemos com a cabeça que um livro custa para ser feito e deve ser pago para ser consumido.
Mas se for para a rede direto, o custo da produção será muito menor do que é hoje, certo?
Há um custo, mas o grosso do investimento – que era imprimir e distribuir – acaba.
Vira-se para a outra opção, o livro de mercadoria final, passa a chamariz, para vender o que estava lá dentro: conteúdo, de outra maneira, podendo na versão de graça na rede, ter anúncios personalizados.
Livro sobre jardinagem?
Mecânica? Aeromodelismo?
Imaginem só!
Pessoas vivem dessa lógica atual de geração de valor e associam que acabar com ela é colocar gente desempregada, por causa de um “malandros que não querem pagar!“.
Pior que se acha que são as editoras que resistem, mas são os próprios leitores que se sentem violentados na sua relação amorosa com o suporte que muda.
É um paradigma cognitivo que envolve quem faz e quem consome!
Porém, já se viu que há momentos em que o de graça/chamariz gera negócio, dá emprego e pode sustentar muita gente.
Ou não?
O que se deve passar agora é tentar compreender aonde está o valor dessa indústria baseada na venda de textos?
(Pois não acredite no mito de que uma editora vende livros, pois isso é falso. Ninguém compra papel, mas conteúdo, ideias, informação.)
O futuro das editoras não será muito diferente do que o Google apresenta, a Tevê apresentou antes ou o rádio.
Veja o caso da TV Globo.
Ela contrata atores, que ganham para serem do “cast” da emissora.
Podem até não fazer nada, mas ganham para estar lá, uma novela aqui, um programa acolá.
Eles valem pela sua imagem.
Não é assim?
Os escritores devem seguir a mesma lógica dos atores globais.
Os escritores de best seller já tem algo parecido – só que para produzir livro.
Isso vai mudar, como já está, principalmente, os que pensam sobre o mundo dos negócios, da ciência, da vida, etc?
(O caso dos romances, poemas, de arte, etc são casos particulares, que vão se perpetuar por mais um tempo, até que estes primeiros – os mais técnicos e didáticos – consolidem o novo modelo.)
Quem vai financiar estes contratos dos escritores do cast das editoras?
Todos nós.
As editoras estão baseadas hoje no empacotamento destes escritores em livros, que ainda vão render dividendos, mas cada vez menos.
Cada vez mais as pessoas vão querer ter contato com estes pensadores, seja em uma palestra, em um seminário, em um DVD com um tema específico.
Por vários motivos:
1) a cabeça dessas pessoas vai mudar muito mais rápido (interação, mais inputs, reflexões, etc), os livros estarão desatualizados muito mais cedo, portanto, vão perder o valor muito mais rápido. Vai se querer o pensamento da hora e não do semestre passado!;
2) o livro não permite a interação direta, como o que está pensando agora, ou o que ainda não pensou sobre um tema específico. Um pensador pode dar boas ideias em vários campos e será estimulado a pensar sobre eles, por demanda;
3) o livro pode ser copiado, perde o valor, pois pode circular nos bastidores, o autor será sempre algo sem possibilidade de cópia, ainda mais se estiver num processo de cognição constante e questionado sobre novas questões diante de uma nova platéia.
Tudo que rolar depois dos encontros é sub-produto e pode ser vendido como valor agregado.
- DVDs para uma empresa circular para quem não foi;
- Livros personalizados;
- Audio-books para serem ouvidos no MP3, celulares, etc.
Quando estes “escritores” do “cast” das editoras produzirem de forma personalizada todos vão ganhar dinheiro, pois serão encontros de todo tipo dos grandes ao pequenos.
Quem quiser consumi-lo ao vivo vai pagar.
Na rede será de graça para que possa ser cada vez mais conhecido e ir ganhando status na bolsa dos palestrantes da editora de pensadores.
Se houver demanda para livros impressos, ótimo!
A pessoa encomenda e recebe em casa, em dois dias.
E se for algo muito procurado, manda-se uma quantidade boa para as livrarias, que vão se tornar cada vez mais encontros entre pessoas e espaços para palestras, uma tendência, aliás.
Sim, acredito que vai ter espaço para aqueles que não abrem mão do papel ( será que vão ser xingados nas ruas como anti-ecológicos?) 🙂
Os salários dos palestrantes será definido pelo número de seguidores, de valor de sua área de atuação e do quanto seus textos de graça na rede são baixados.
A rede será a ferramenta de pesquisa – de graça – para as editoras separar o joio do trigo.
E tomar decisões estratégicas em quem investir.
Entra a meritocracia.
Se a editora quiser apostar em valores novos, que não têm Ibope, continuarão no seu papel de “perceber potenciais”.
O livro impresso passa a ser um sub-produto de tudo isso.
E não o carro-chefe como é hoje.
O que era o único canal, agora vai passar a ser o menos valioso.
O pessoal que está preocupado com as mudanças no livro impresso, deveria, ao contrário, se preocupar com a não-inovação, pois editoras falidas não interessa a ninguém que gosta de ideias circulando!
O que pode nos levar a ver o leitinho das crianças derramado!
Que dizes?
Esses dias assisti um programa na TV a cabo sobre música onde os apresentadores comentavam o quanto a música é superfula hoje em dia devido a ser baixada da internet. Falavam do quanto era “valioso” o fato de se ouvir um vinil devido a ser uma obra completa, e não músicas soltas como a geração atual está acostumada a ouvir pela internet e descartar logo em seguida.
Isso é um belo exemplo de pessoas agarradas ao antigo suporte e jogando a culpa no novo. Se a industria músical está um lixo, conforme podemos ver, por exemplo, no rock encarpetado que tem sido produzido principalmente na última década, o que a tecnologia tem a ver com isso, oras?
Oi Nepô,
Sim, penso que é preciso pensar novas formas de negócio para os novos tempos da comunicação em rede, onde as informações por natureza fluem sem cessar. Na área da música já existem várias experiências que estão dando certo – distribui-se a música de graça e ganha-se dinheiro com os shows.
O mundo do livro – ou das letras – terá que encontrar seus modelos adaptados aos tempos atuais. O que você propôs se aplica muito bem aos livros sobre ideias. Mas e a literatura, será igual? Escritores de ficção dando palestras? Pode ser e até já acontece, mas me parece que a demanda não é tão grande, nem a disposição de muitos autores. Enfim, só especulando.
E é bom lembrar que hoje estamos discutindo no País a nova lei de direito autoral, que por sinal tem encontrado fortíssimas resistências…
bjs
Bia
Matheus, grato pela visita, fecho total contigo.
Bia, esse ponto também me chamou a atenção.
Que temos que analisar o problema em camadas.
Temos que ver o pessoal que vende ideias (técnicos e didáticos) de uma maneira diferente do pessoal da literatura e artes, poesia, etc.
Do outro lado, temos que ver também de forma diferenciada autores que “vendem” até mil 2 mil exemplares.
E os que vendem mais do que isso, até 10 mil, por exemplo.
E os best-sellers acima dessa faixa.
Um poeta que vende 400 livros é prejuízo para uma editora.
Mas se ele estiver no bolo de mais uns 10 que vendem 400 e se for bem aproveitado, pode ser que um leitor faça uma arranjo e queira um livro misturando todos eles para dar de presente para a namorada.
Assim, colocaria como tópico a pensar e refletir nessa discussão o seguinte.
Autores de ideias, como você chamou, técnicos e didáticos passariam a vender serviço e não produto, no caso, o livro. E isso exige uma mudança da maneira de pensar o negócio, sendo publicado + ou -, conforme os pedidos.
Os artistas vão migrar para os sites independentes, como já estão, tipo Lulu.com e clube dos autores, que se pode vender por exemplar.
(Sou poeta/contista independente e fiz mais de quatro livros desse jeito…é algo que atende bem ao que queria, sem editora no meio.)
Os grandes poetas, tipo Gullar, continuam, digamos, no mesmo barco, vendendo o que é novo, e colocando na rede o que é passado, permitindo que o leitor faça a “sua” obra completa do poeta.
Ou junte os contos que quiser do seu escritor favorito.
Nada impede também que um poeta ou escritor possa também ser vendido como palestrante..pois há sempre interesse nas ideias, nos personagens, etc e tal…
Pergunte para qualquer um deles se ficaria contente em receber para dar palestras ao invés de pingar 10% de quando em quando no final do mês?
(Depende do fluxo de venda de cada um para ser mais ou menos interessante.)
O problema que vejo nesse mercado é:
– não se quer mudar, pois é difícil;
– e ver tudo em bloco, como se pudesse comparar;
– dessa maneira, no bolo, a lógica de que o de graça é ruim, até vence, pois se mostra o grande vendedor, que deve ser minoria na lista dos autores de uma editora.
Por fim, te dou o meu exemplo, no livro que lancei de forma tradicional vendi com o Marcos 2 mil exemplares, a 40, o preço de capa, deu 80 mil para a editora, fiquei com 5% e o Marcos com 5%, o que deu 4 mil depois de quatro anos de venda.
Cobrei quase isso por um dia de curso, na Petrobras, em função do meu blog e do reconhecimento das minhas ideias por um público específico.
Não é difícil ver por que coloquei meu novo livro de graça na rede e vou colocá-lo no clube dos autores para quem quiser imprimir e receber em casa.
O link:
http://docs.google.com/View?id=dfjjp4sr_414cr9nrwds
Nada contra se uma editora quiser vender na livraria, mas vai ter a versão mais nova na rede.
Não coloquei o PDF só, coloquei o texto aberto para se copiar e colar.
Ganho muito mais e melhor, pois não tenho que fazer palestra de graça para divulgar o livro.
Uma palestra de graça vendendo 100 livros que foi o dia melhor que tivemos, rende 3.600 para a editora e 400 para o autor, como são dois, 200 para cada um.
–> 200 para ficar 3 horas, fora transporte, alimentação, etc…
Aí vê-se a lógica para um autor técnico e que vende pouco sair por uma editora ou independente.
A palestra fica de graça. Você, na verdade, vai dar palestra de graça para a editora ganhar também pouco, porém bem mais do que o autor.
Mais: as editoras para ganhar estão publicando tudo, sem critério, deixando a maioria dos autores ao deus dará, sem suporte, campanha, apoio de publicidade.
A ideia criteriosa de seleção me parece frágil, nunca se publicou tanto, você não sabe se é bom, se não é, se vale pagar x reais para comprar.
E aí?
Ganham no bolo, os autores são relegados a segundo plano, não são os ATORES PRINCIPAIS, mas peças de uma engrenagem.
Hoje, o que todos querem é a capacidade criativa das pessoas e não o livro que ele escreveu e envelhece assim que sai na livraria.
O autor nesse mercado de hoje é a maior vítima da indecisão das editoras, que não o promovem como palestrante.
Pior: o autor não pode atualizar o que pensou, só na nova edição. E o cara que comprou o anterior, não teria direito a um upgrade, como software?
Não, por que ele não comprou um serviço, a ideia, mas um produto, que cada vez tem menos valor.
O que se ganha com a editora é apenas status.
Mas status é algo que alimenta o ego, não o bolso.
E aqui trata-se da geração de valor e não de egos.
De egos inflados o mundo está cheio, porém egos inflados também não geram valor.
(Desculpe, usei a resposta a você como um desabafo, mas sai assim mesmo.)
Valeu a visita.
Concordas?
Oi Nepô,
Achei ótimo seu desabafo! Vindo de um autor de livros, tem inclusive mais peso, não é? 😉
Não há dúvida de que estamos numa época de mudanças e isso sempre assusta os que querem que tudo permaneça como está.
Mas não tem jeito, a roda da história está em movimento. É importante então abrir a cabeça e buscar novas soluções.
bjs
Nepô, gostei da discussão. Este novo modelo que você bem formalizou é muito próximo do que eu considero ideal. Assim como aconteceu com as músicas, a oferta de livros “de graça” na Internet já está bem farta, principalmente para obras internacionais. Adorei a ideia de aumentar a proximidade entre os autores e os leitores através de palestras, por exemplo. Por várias vezes terminei de ler um livro desejando poder conhecer o autor e discutir a obra com ele.
Contudo, este novo modelo requer novos perfis de autores. Aquele tipo hermitão (idolatrado por muitos) já não cabe mais nesse contexto, concordas? Fico curioso para saber quais tipos de autores a Geração Y irá gerar.
Nepô, ainda ontem eu estava pensando sobre como serão as bibliotecas do futuro. Não tem MUITO a ver com este post, mas de repente você pode se interessar:
http://www.josericardo.eti.br/2010/08/31/e-books-libraries/
[]’s
Bia, legal, você me ajudou, tks.
Zé Ricardo, sobre a biblioteca do futuro, ao invés de como é hoje, esse “entulhação”, problema de espaço e alergia, imagino algo como uma caixinha bem pequena, com vários SD-Cards, ou algo do gênero super poderosos, que você escolhe o que quer ler….
Todos estão com suas marcas daquilo que destacou no texto.
Daí para frente, talvez minha cabeça não consiga pensar em algo mais fácil do que isso por enquanto, mas por aí.
Menos espaço, mais portabilidade, mais facilidade de busca….interação entre a minha biblioteca digital e o mundo.
Tem gente querendo aumentar biblioteca e eu pensando cada vez mais reduzir a minha e andar com ela no bolso, tendo milhares de pensadores no bolso seja onde eu esteja.
Seria tão bom.
Sim, acredito que pensadores ermitões são coisas inviáveis para frente, até por que vamos ter que interagir muito, pois o volume da informação não permite que alguém saiba tudo, cada um sabe um pedaço, que só faz sentido na interação.
A ideia dos especialistas que sabem muito de algo já se mostrou improdutiva, vai se inverter, muitos sabem pouco de tudo e tudo só vale se houver interação, pois sozinho seremos frágeis.
Obviamente, que haverá espaço para grandes gênios, mas que saberão articular em grupo…
Viagens?
Que achas?
abraços,
Valeu a visita,
Nepô.
Essa ideia do apego ao papel, sem dúvida, é uma das inúmeras realidades criadas não sei por quem, não sei quando, não sei onde.
Obrigada por me fazer refletir sobre isso com esse post. Confesso que o assunto não me chamava muita atenção, pois tinha a ideia pragmática de que os ebooks eram fruto de mais uma dessas modinhas da era digital, quando na verdade, sim ela é mais um produto, mas é justamente isso, um produto.
O que importa mesmo rrefletir não é sobre as diferenças entre o papel e a tecnologia e sim como conseguiremos arrumar formas de conosco, de uma forma viável, a maior quantidade de conhecimento possível.
Comi sem querer na penúltima linha do comentário a palavra ter, em ” e ter conosco, de uma forma viável, a maior” ..
Bianca, justamente isso, diria até que o e-book é um caminho, outro é o texto na própria Web para todos…pois acredito que quanto mais leitores tivermos, mais interesse nas ideias todos terão e poderão, ao longo do tempo, consumir mais e mais.
Porém isso é uma visão que exige basicamente abstração para ver o cenário futuro, o que tem faltado a quem só olha para as ideias em texto e as vê no papel.
Grato pela visita,
Nepô.
Olá Nepô! Já deu uma boa esclarecida no tema, valeu!
Bia, uma vez em uma palestra sobre afinidade eu ouvi a seguinte frase:
“Não é o ladrão que escolhe a vítima, é a vítima que escolhe o ladrão”
Acredito que no caso dos autores literários, aqueles que realmente têm um bom conteúdo vão expressar isso em suas obras e naturalmente vão atrair muitos leitores. Os que não têm este conteúdo, ou o sentimento de transmitir algo realmente interessante para o leitor não vão conseguir atrair. Aí entra a questão do mérito. Quem merecer, ganha naturalmente!
Justo, não?
[…] O valor é um sabonete […]