Vivemos na América Latina o retorno do debate pré-1964.
De um lado um discurso anti-liberal e do outro um liberal.
A ditadura resolveu fechar as portas e criou um intervalo de tempo, em um país fechado, nem liberal e nem anti-liberal, mas um tipo de capitalismo de estado forte.
O debate foi enterrado e está renascendo agora.
Voltamos ao ponto de partida, pois tudo que é mal vivido, volta.
O neopopulismo prega uma cultura anti-liberal.
Não é um movimento comunista e nem socialista (que é um nome charmoso do comunismo), mas tem uma cultura anti-liberal, uma frente anti-liberal difusa, sem argumentos, apenas com ações e práticas centralizadoras.
Note que o liberalismo surgiu como uma forma de desbancar a monarquia e os senhores feudais, com a proposta de uma sociedade laica e não centralizada, sem um soberano, mas com rodízio de governantes, via voto, imitando algo da Grécia, que chamamos de alternância de poder.
Este modelo é anos luz mais sofisticado do que tínhamos até então, viva os liberais!
Houve um longo processo para isso, através de uma autonomia de pensamento , via papel impresso, que nos permitiu lidar melhor com a complexidade, através de uma rede de agentes, via livre iniciativa + alternância de poder.
O movimento anti-liberal, que começou pela própria monarquia, depois ganhou um viés comunista, nazi-socialista, fascista, capitalista de estado foram movimentos contra a descentralização.
Sim, isso mesmo o movimento liberal foi um movimento pela descentralização de poder e do capital, que nos trouxe até aqui (depois vou falar da crise que vivemos hoje do que podemos chamar de neoliberalismo concentrador).
O movimento liberal, na sua raiz, é pela descentralização de poder e do capital, da livre iniciativa, como uma forma de lidar melhor com a emergente complexidade.
Há muito de resgate do pensamento monárquico e religioso, medieval, na luta anti-liberal.
O liberalismo por acreditar em redes descentralizadas é muito mais próximo desse novo mundo que estamos entrando, através do que eu chamo de um tecno-liberalismo, do que um movimento monárquico-medieval-religioso do controle de um centro sobre a sociedade, com redes verticalizadas.
Assim, quando vemos o bipartidarismo americano, temos um ambiente a meu ver primitivo, de nós e eles, mas há um entendimento tácito do pós-liberalismo como base para os dois partidos.
Eles dizem: “somos liberais com divergências”.
Não se questiona a rede descentralizada, a propriedade privada, a alternância de poder. O nós e eles fazem parte de uma briga de primos dentro de uma casa, mas todos aceitam que aquela é a casa que se habita.
É um debate pós-liberalismo para um aprofundamento do mesmo.
No Brasil, o neopopulismo propõe uma revisão dos fundamentos liberais, sendo duas casas propostas: uma liberal e uma anti-liberal, a briga do nós e eles não se dá com um acordo tácito de que é um pós-liberalismo aceito.
Está se questionando o que ocorreu no mundo pós-1800 em termos de evolução das sociedades modernas, se propondo um modelo mais próximo da monarquia, de um centro forte e controlador, das pessoas “do bem”.
Assim, questiona-se, por exemplo, o direito da alternância de poder, pois quando se diz “eles não podem voltar” é justamente os conceitos liberais que não podem ser aceitos pela sociedade.
Como se os conceitos liberais fossem concentrador de poder e iniciativa, que é justamente o que o liberalismo mais defende.
Há uma confusão GIGANTESCA no Brasil entre o que se chamou de “neoliberalismo concentrador” do liberalismo descentralizador, que é a origem do temo.
Ou seja, muita gente é anti-liberal para descentralizar o poder, mas está propondo uma vacina que promove mais centralização!!!!
Falta de debate.
O que está em jogo na América Latina (e talvez no mundo) é um debate longo que ocorreu na Europa no século passado e que agora volta com força, pois vivemos uma crise nas ideias liberais, mas estamos com o diagnóstico equivocado.
O que falta é a percepção do papel da tecnologia cognitiva descentralizadora nos movimentos políticos e perceber que estamos diante de uma nova etapa pós-liberal, ou tecno-liberal.
Por isso, acho que a crise liberalismo tem causas tecnológicas, falarei mais disso a seguir.