Note que há dois movimentos diferentes quando falamos em mudanças radicais na sociedade.
- Uma é a mudança do poder sem descentralização.
- E outra é a mudança do poder com descentralização.
(E ainda há algo mais perverso que é a mudança de poder com mais centralização, que é um movimento de retorno, de atraso ao que já havia sido conquistado.)
A última grande mudança generalizada de descentralização de poder da espécie humana foi a queda da monarquia no mundo ocidental, ou a sua perda de poder na sociedade, e a criação e o fortalecimento da República.
Tínhamos um soberano escolhido por Deus, referendado pelo papa, com uma corte ao seu redor e os súditos passivos, resignados com a escolha inapelável do rei.
Não é à toa que quando o rei não estava atendendo as expectativas, logo se pensava em matá-lo para colocar outro no trono. Era uma alternância de poder do sangue.
Os revolucionários da época, liberais de todos os tipos, lutaram para descentralizar o poder do rei.
O grande movimento humano que tivemos com a criação da república foi justamente o surgimento de parlamentos com alternâncias de poder.
Naquele momento não tivemos a mudança de um rei pelo outro, mas uma mudança do modelo de governança da espécie humana, que se descentralizou, tornando a alternância de poder menos sangrenta.
Por que fizemos isso?
O motivo de mudanças radicais da Governança da Espécie humana, a meu ver, é e sempre será o crescimento da espécie.
Um centro de poder sempre terá o problema para gerenciar de alguma forma a sobrevivência das pessoas que vivem em seu “reino”. Quanto mais gente, mais complexo é o problema.
Essa é o grande impasse humano que nos move.
Quando o centro não consegue lidar com a complexidade, qual a solução que ele encontra?
- a) reduzir o número de pessoas, de alguma forma, ou matando ou deixando morrer;
- b) ou retirando a diversidade da sociedade, sufocando a diversidade e tornando a sociedade cada vez mais homogênea, o exemplo da Coréia do Norte é exemplar.
Quanto mais homogênea for a sociedade, quanto mais todos pensarem do mesmo jeito, mais fácil é lidar com ela.
Há, porém, problemas aí quando o poder se centraliza, pois:
- – cada vez teremos menos diversidade para lidar com as crises;
- – menos inovação e mais crises;
- – aumenta-se o sofrimento humano, pois as pessoas terão que reprimir a sua subjetividade;
- – sem falar no problema do poder absoluto, que vai dando mais e mais uma falta de significado humano para a vida de quem está no centro do poder, abrindo as portas para a corrupção e o uso abusivo do que é de todos por poucos.
Assim, o aumento demográfico nos lega a seguinte encruzilhada:
- – ou descentralizamos o poder e criamos um novo modelo de governança mais descentralizado, que seja capaz de lidar com a complexidade demográfica, sem comprometer a diversidade;
- – ou centralizamos mais e mais o poder, tirando diversidade para que possamos lidar com a complexidade.
Obviamente, que há movimentos políticos pontuais que permitem aperfeiçoar a descentralização do poder em uma dada sociedade, mas a alteração da GOVERNANÇA DA ESPÉCIE se dá apenas com a chegada de uma Revolução Cognitiva.
Mas se analisarmos o movimento da sociedade no longo prazo, incluindo os movimentos das Revoluções Cognitivas (Fala, Escrita, Escrita impressa e Digital), vamos analisar que a Governança da Espécie não é fixa e se move quando há novas possibilidades de gestão da complexidade, através de novas ferramentas de expressão e processamento por parte da sociedade.
Quanto mais gente tivermos no planeta, mais o poder tem que se descentralizar, pois a centralização diante de uma complexidade cada vez maior será geradora de crises.
Assim, o que podemos dizer que o que veio para ficar na sociedade moderna foi o fim da monarquia e o início da tentativa e erro das Repúblicas, que inauguram um novo modelo de GOVERNANÇA DA ESPÉCIE.
Ganhamos aí duas armas, duas tecnologias político-sociais, que viabilizaram o fim da monarquia e o do feudalismo:
- – a livre iniciativa para produzir, sem o centro, criando redes produtivas mais dinâmicas e com mais facilidade para lidar com a complexidade;
- – e a alternância de poder para escolher o melhor “rei” (seja um primeiro-ministro ou presidente), não está bom, muda-se.
Note, entretanto, que o atual “sistema” tanto político e econômico está na fase final da Era Analógica, que se inicia em 1450 com o papel impresso.
Tanto a livre iniciativa como a alternância de poder estão desgastadas, precisam de um novo gás.
Ou seja, hoje temos uma baixa capacidade de descentralização da iniciativa privada e da alternância de poder. Porém isso não é um problema destas duas tecnologias sociais, mas justamente do fim de uma etapa e o início de outra, em que elas precisam de novas tecnologias para serem mais eficazes!
O que as levou a perder o viço foi a grande concentração de poder das ideias e na sequência, empoderar além do que deveria as organizações: o rabo passou a balançar cada vez mais o cachorro, e isso faz com que novas alternativas sejam procuradas.
Como o movimento de uma nova tecno-ideologia é algo ainda muito incipiente, procura-se, como temos visto na América Latina um retorno para algo ainda mais do passado centralizado (próximo à monarquia), questionando as conquistas da sociedade moderna, como a livre iniciativa e a alternância de poder, ao invés de aprimorá-las.
Ou seja, em termos de lidar com a complexidade é um retorno e não um avanço, o que tende a gerar cada vez mais crises, pois quer se resolver uma crise com um remédio que já perde em muito a validade.
O que temos agora no século XXI são três caminhos distintos, nesse início da nova Era Cognitiva Digital, que quebra todas as barreiras tecnológicas que tínhamos no passado:
- 1 – a manutenção do atual sistema do jeito que está, sem grandes alterações, mantendo a concentração, mas com a livre iniciativa e a alternância de poder como parâmetro;
- 2 – o retorno para algo ainda mais centralizado, porém com outros atores que se consideram “melhores” do que os atuais, questionando a livre iniciativa e a alternância de poder, atirando para o lado errado, questionando a república/livre iniciativa com uma semi-monarquia e iniciativa centralizada;
- 3 – e a terceira via, que estou empenhado, que aponta a descentralização do poder, usando as novas tecnologias e explorando as novas possibilidades com o foco em mais alternância de poder, com mais qualidade e mais livre iniciativa, com mais participação da sociedade nos rumos das organizações.
A AL, infelizmente, está indo para o item 2, o que acaba tendo um efeito reverso positivo:
- – há um aumento no interesse da política que passa a procurar novos caminhos;
- – e um maior espaço para se debater a nova tecno-ideologia.
Termino por dizer que, a partir do que tenho estudado, as grandes mudanças sociais, políticas e econômicas são aquelas que criam tecnologias sociais que permitam a descentralização real do poder, pois se tornam mais eficazes para lidar com a complexidade, que permitam a maior interferência da sociedade nas organizações.
A sociedade humana, como a de todos os outros animais, têm sempre essa função: lidar da melhor forma possível com a complexidade.
Tudo que nos levar à concentração e a redução da diversidade terá um prazo de validade e não se perpetuará no tempo, ainda mais quando já tivermos uma Revolução Cognitiva para criar uma nova Governança da Espécie.
É isso, que dizes?