Amanhã começa a Copa.
Onde?
No Brasil.
Em que Brasil?
Há uma crise no país, como no mundo, de representação.
Aqui temos três países em paralelo:
- – os orais – que querem uma monarquia;
- – os escritos – que querem melhorias na República;
- – os digitais (que foram às ruas ano passado) que querem algo completamente novo.
A maioria, entretanto, vive no mundo da oralidade, com suas superstições, fés, temores que votam em reis, que irão tirá-los da miséria com um manto sagrado. Aqueles que oferecem o paraíso na terra, que querem o poder absoluto e que são caridosos sem serem emancipativos. O que esperar de uma santa majestade?
Vivemos sob a égide de uma pseudo-república, uma monarquia brasileira disfarçada em pleno século XXI, que dialoga diretamente com os seus súditos orais.
Foi essa neo-monarquia que resolveu organizar a copa, com a anuência dos escritos e dos digitais. Porém, as promessas que foram feitas para os três segmentos foram esquecidas peles orais, mas não pelos outros:
– não será investido um centavo de dinheiro público;
– o país terá um forte legado;
– a Copa vai trazer crescimento;
– E nós vamos entregar tudo a tempo para não passar vergonha.
Neste país mágico que os orais acreditam vai ter Copa.
Porém, para as outras duas camadas cognitivas, que não esqueceram as promessas, não bate a promessa com o que está sendo entregue. Há uma certa decepção ao se abrir o pacote.
Como os orais que são a maioria e mandam na monarquia brasileira não cobram, (pois foram, por uma história perversa, aprisionados na Idade Média e continuam condenados à ela), ninguém vem a público explicar o que foi prometido e não cumprido, pois não dá voto.
Agora é festa. Não há mais (e isso já faz tempo) necessidade de dialogar com os outros Brasis, que são os “sem-voto”. O que interessa são os orais os “com-votos”.
Esta Copa, assim, está sendo feita em um reino mágico de um país distante, com muita bunda, sorrisos, um povo feliz, natureza bela, com obras super-faturadas e não entregues, sem coordenação lógica entre passado, presente e futuro.
- De um lado compra-se armas químicas contra ataques imaginários.
- Do outro, como em Campinas, onde treinam algumas seleções, há um surto de dengue, estes malditos mosquitos terroristas.
- De um lado se vê barcos da marinha costeando a costa;
- Do outro um jornalista ( e o amigo do meu filho anteontem) sendo assaltado, com todo o policiamento reforçado.
A Copa é em um país que não existe.
Sim, tem Copa nesse país distante, neste reino de fantasia que foi criado, sem lógica e sem discurso para quem vive só de emoção. O apelo agora é vamos esquecer tudo que passou e vamos cair de novo na oralidade.
Mas tem, como muitos estão afirmando, um sentimento difuso que é o de que #não_vai_ ter_ copa.
Como se a Copa está aí?
Mas aonde?
Aquela Copa prometida não vai ter, a não ser que esqueçamos as promessas.
O que foi prometido, comprado e encomendado não veio.
E pior: não tem um call center que possa se ligar para se reclamar do produto.
Ao se abrir o pacote, se viu que compramos filé e veio salsicha.
E nem explicação.
A Copa é essa: engulam sem água.
Para muita gente, como eu me sinto, a Copa é num Brasil distante. Num reino da fantasia, onde um rei “bondoso” fez uma Copa e todos viveram felizes para sempre.
Ótima análise! das muitas que já li, se destaca das outras justamente por nao ter uma abordagem superficial! Compartilho do mesmo sentimento