Versão 1.0 – 04/09/13
Colabore revisando, criticando e sugerindo novos caminhos para a minha pesquisa. Pode usar o texto à vontade, desde que aponte para a sua origem, pois é um texto líquido, sujeito às alterações, a partir da interação.
Comecei faz pouco tempo a discutir e associar os conceitos monoteísta e politeísta ao mundo oral e escrito para compreensão melhor da chegada da Internet, que considero que inaugura um politeísmo-digital.
Isso se tronou necessário, pois não podemos falar de oralidade e escrita de forma pura, imaginando que a escrita é centralizadora (monoteísta) ou a oralidade é descentralizadora (politeísta).
Há algo a mais nisso, pois temos as estruturas de poder e o tempo de uso de cada mídia.
Note que tivemos um período de 4 mil AC até até a prensa de Gutemberg, em 1450, uma fase de escrita-oral.
Ou seja, a escrita era usada por uma elite, que interpretava os “textos sagrados” a seu bel prazer e, principalmente, interesses, alterando diversas vezes, no caso da Bíblia, através de concílios interpretativos.
O povo lia, não sabia latim, que era o idioma da elite e de Deus.
Assim, a escrita produziu uma verdade que vinha de cima e de fora, sem possibilidade de uma interpretação que não fosse de pessoas também “sagradas”.
(As mídias de massa estão na mesma situação como veremos depois.)
A prensa de Gutemberg, que barateia o custo da circulação de ideias no papel, permitiu o fortalecimento da escrita-escrita, ou melhor, da interpretação por mais gente dos textos sagrados.
A Reforma Protestante, por votal de 1500, na Alemanha teve como eixo estas bandeiras:
- – o direito a traduzir a bíblia para o alemão do latim, democratizando o texto;
- – o direito a interpretar a bíblia diretamente;
- – o direito de pensar diferente da Igreja romana;
- – a reintermediação do padre;
- – a destruição dos símbolos vazios de significados (imagens de santos).
Na verdade, note bem, que há um movimento questionador da oralidade-escrita, pois percebe-se, isso aparece bem neste filme do Lutero, que há uma grande diferença no entender dos reformistas do que está escrito na Bíblia e no que se acaba interpretando de forma equivocada pela igreja multinacional da época, que tinha uma interferência direta na vida política, econômica e social das pessoas em várias partes da Europa.
(Se analisarmos a história, podemos ainda mais para trás, dizer que Cristo faz uma revisão do judaísmo, renegando a ideia de um povo fechado e escolhido de Deus, uma religião para escolhidos, para um novo modelo mais aberto e evangelizador, criando um novo texto sagrado, rejeitando alguns princípios da Torá.)
Veja que a oralidade pura, digamos assim, só ocorre até 6 mil anos atrás quando não havia nenhuma possibilidade de registro em um dado suporte. A oralidade pura não produziu tribos monoteístas, pois não havia nada que unificasse ideias em torno de uma determinada entidade.
As pessoas conversavam, discutiam, chegavam a suas conclusões sobre diversos assuntos e a seus deuses que explicavam e se responsabilizavam pelos fenômenos inexplicáveis da natureza e dos homens.
Freud no livro “Moisés e o Monoteísmo” especula que o judaísmo foi fruto de uma corrente religiosa egípcia, que já tinha alfabeto e optou por um Deus único. Assim, o surgimento do monoteísmo só é viável a partir de um texto que unifique pensamentos
Todos nascem de alguém que recebe a palavra de Deus, escreve e distribui, eliminando, em parte, a possibilidade de produção local de Deuses, tais como foi o judaísmo/Torá, Bíblia/Cristianismo e Alcorão/Muçulmanos.
Imagino eu que a escrita era algo tão sagrado, tão diferente, tão mágico que as pessoas só podiam achar que era a palavra de Deus.
(Uma das defesas, inclusive, do Alcorão é de que Maomé, um analfabeto, que se isola em uma caverna não teria condições de produzir os versos que conseguiu, só podia ser obra divina. Pode-se ver mais sobre isso neste vídeo da NetGeo.)
Podemos especular, a partir disso, que a escrita que trabalha mais com a razão e estabelece um modelo fechado, vindo de fora, fortalece a centralização. E a oralidade que permite a troca mais horizontal tem o efeito contrário que é a da descentralização.
Porém, se analisarmos a escrita e a oralidade, vemos que a oralidade pode ser centralizadora, assim como escrita descentralizadora, não é uma característica específica, mas do seu tempo de uso e o apoderamento destas mídias pelo poder de cada época.
Esse paradoxo ocorre pelo controle que as estruturas de poder exercem sobre a mídia de plantão, seja qual for.
Aprendem e conseguem controlar as ideias, estabelecendo cada vez mais a interpretação da “verdade comum” a partir de seus interesses.
Assim, a escrita do seu nascimento até a chegada da prensa é uma escrita-oralizada pela interpretação dos rabinos e padres dão ao texto sagrado. Neste período, em função da oralidade das pessoas, surge o fortalecimento dos santos e das imagens, quase um politeísmo dentro do monoteísmo.
Admite-se variações, desde que a crença seja em torno da bíblia.
É bom frisar que o tempo de uso de uma dada mídia dá sempre no mesmo lugar: os símbolos vão crescendo de importância e vai se perdendo o sentido original para os quais foram criados, pois a interpretação é sempre filtrada pelos interesses e não mais pelas ideias originais. Toda reforma/revolução cognitiva vem depois de um longo ciclo de centralização (como estamos vivendo agora) nos leva para um questionamento das falsas-imagens-autoridades.
O interessante na Reforma Protestante é que há o retorno intenso da releitura da bíblia, do incentivo à leitura/alfabetização, ou da massificação da mesma, provocando um surto de reinterpretação e a racionalidade que nos leva à rejeição (e mesmo destruição) dos santos e imagens, voltando-se e centralizando, de novo, na figura de Jesus, como demonstra a imagem abaixo.
Há, assim, uma relação clara da religião-mídias e mídias-organização social, pois é do monoteísmo que surge a ideia de reis e das reformas liberais pós-prensa que surge a ideia da democracia de representantes mais rotativos.
A base das organizações atuais vem da herança monoteísta-hierárquica e já agora na escrita-oralizada pelos meios de massa eletrônico, que foram, aos poucos desvirtuando os ideais da revolução francesa, fundadora da nossa época, que pregava: liberdade, fraternidade e igualdade.
Tivemos, desde o surgimento do rádio, um retorno a uma oralidade eletrônica (chamam de segunda oralidade), primeiro com o rádio e depois com a tevê, porém, da mesma forma pré-prensa, de uma forma vertical, através de uma oralidade-escrita direcionada, impedindo a interpretação das “verdades comuns”.
Isso tudo nos leva a ter mais clareza para analisar o impacto que a Internet nos traz, pois ela inaugura:
- – uma oralidade descolada do local;
- – o retorno da constante interpretação/comentário dos textos, inclusive, pela primeira vez, a possibilidade de textos coletivos, wiki;
- – a construção coletiva de “verdades comuns”;
A oralidade digital no leva não mais a uma revisão do monoteísmo, como foi no caso do Lutero, mas o retorno às condições de um politeísmo oral, no qual a figura de líderes centralizadores e verdades únicas tende a perder espaço.
Diferente da massificação da prensa, que nos levou ao aperfeiçoamento do monoteísmo, estamos agora diante de um retorno a uma oralidade-global, na produção mais líquida e descentralizada de conhecimento, o que nos leva a um momento pré-surgimento da escrita há 6 mil anos.
Isso me parece bem razoável.
Há, como vimos nas ruas em Junho de 2013 no Brasil, uma rejeição no fundo ao monoteísmo de 6 mil anos, através da produção de cartazes individuais, de múltiplas pautas, da rejeição a representação de mono-autoridades, através da procura de um novo modelo de representação mais complexa, fortemente baseado em uma oralidade global.
Que é uma oralidade-escrita-digital politeísta, na qual não se aceita um texto sagrado, mas vários textos que são produzidos coletivamente.
É o retorno ao conceito de tribos, porém globais e líquidas, a procura de seus deuses particulares.
Repare que há, como houve na reforma, o questionamento dos símbolos vazios da oralidade interpretada pelo rádio e televisão, tais como bandeiras, siglas, personalidades, porém não restabelecendo um centro, mas procurando uma descentralização – um politeísmo.
Assim, só podemos entender o mundo de hoje se começarmos a problematizar mais a fundo a relação das tecnologias cognitivas com a forma que produzimos a nossas “verdades comuns” para as quais é impossível pensá-las se não estudarmos a história das mitologia das religiões x revoluções cognitivas.
O que é um avanço em relação ao meu último livro.
É isso.
que dizes?