“Todo filósofo vem combater as regras impostas pelas autoridades de plantão”
Toda a sociedade humana precisa se estruturar em organizações e estas produzem autoridades, que a governam.
Não haverá sociedade humana sem autoridades.
Podemos ter uma revolução socialista democrática no mundo e lá estarão as novas autoridades, escolhidas de uma determinada maneira e sendo mudadas de outra.
As autoridades fazem parte da nossa estrutura básica, assim como a criação de organizações.
Assim, toda organização é criada com um objetivo, quase sempre coletivo, que define sua meta para prestar algum serviço de valor para a sociedade.
Existem duas visões distintas quando pensamos no ser humano:
- – Uma que parte de Rousseau, da teoria do homem bom – que o ser humano nasce bom e é a sociedade que pode, ou não, torná-lo um inimigo;
- – Uma que parte de Hobbes, da teoria do homem é o lobo do homem – que o ser humano é um egoísta e é a sociedade que pode, ou não torná-lo um amigo.
Note que o marxismo parte da visão de Rousseau ao identificar o capitalismo como “estragador” da vida do proletariado e acreditar que uma revolução regeneradora vai nos leva a um paraíso na terra, pois o homem, o trabalhador é bom, mas precisa de um outro sistema para exercer a sua bondade.
Sou adepto da versão de Hobbes por tudo que li, vi e vivi.
Assim, autoridades e organizações terão uma taxa maior de serviço à sociedade, desde que a sociedade possa controlá-las. Portanto, uma sociedade será mais justa se for possível que possa controlar as suas organizações.
Aí temos um problema do sentimento de continuidade das autoridades.
Toda autoridade ao se estabelecer em um determinado posto, fará de tudo para permanecer nele.
Tirando raras exceções que justificam a regra.
Uma autoridade, portanto, bem como uma organização, ao longo do tempo tenderá a dedicar a maior parte do seu tempo para criar barreiras para que a estrutura NÃO seja modificada e que NÃO haja mudanças, que as ameace.
Vão tentar criar novos critérios de substituição cada vez mais desfavoráveis à sociedade para manter as autoridades atuais e, se possível, criar mais em mais privilégios para quem está lá.
Isso acontece desde um professor em uma escola, passando por um reitor em uma universidade ou um presidente da república.
Um conjunto de pessoas depende de sua permanência e ele passará a maior parte do tempo procurando se manter no cargo.
Porém, há que prestar conta para a sociedade e aí entram algumas questões que a nova abordagem da antropologia cognitiva pode ajudar a entender melhor:
- – as autoridades precisam controlar as ideias circulantes;
- – precisam criar uma falsa narrativa para que se acredite que ele está trabalhando para o coletivo e não para si mesmo;
- – e fazer com que a sua falsa narrativa circule, evitando que a sua luta para permanecer no cargo e os benefícios a despeito da sociedade apareçam.
(Isso não é algo brasileiro, mas humano.)
Obviamente, que essa luta pela manutenção da autoridade no cargo, vai criando um círculo de favores e estabelecendo benefícios que podem ser legais ou não, do ponto de vista jurídico. A organização, entretanto, vai cada vez mais se voltando de costas para a sociedade.
Vários autores já trabalharam com essa questão, destaco Foucalt e Bourdieu, dos que conheço até aqui. Porém, não fizemos ainda a relação desse aspecto com as revoluções cognitivas.
Um dado ambiente cognitivo quando se estabelece e se consolida nos leva a uma taxa cada vez maior de controle das autoridades sobre a sociedade.
A chegada do papel impresso, a partir de 1450, criou na sua fase de descontrole das ideias, o que gerou um novo modelo de governança, a partir da revolução francesa.
Este modelo entrou em uma fase de consolidação, fortalecida pelos meios de comunicação de massa, criando um controle cada vez maior das organizações sobre a sociedade.
Os movimentos atuais de revolta são contra esse desequilíbrio!
As organizações e as autoridades se esforçaram por aprender e dominar os canais de circulação de ideias e se dentro deles para desenvolver a sua falsa-narrativa, na qual tudo que faziam era para defender a sociedade.
A sociedade passa, então, a viver uma falsa realidade criada pelas falsas autoridades nas suas falsas organizações, que fingem que estão aí para defender os interesses de todos, quando, na verdade, com o aumento contínuo do controle, passam cada vez mais a defender seus próprios interesses de perpetuação no poder e das benesses que isso significa.
O papel da filosofia e dos filósofos é, a despeito, de qualquer coisa procurar identificar aquilo que não faz sentido nessa falsa narrativa.
Filo = amor
Sofia = sabedoria
A sabedoria é justamente o oposto do que é falso, artificial, egoísta, velado, que visa o bem privado e não o bem comum, mesmo que seja privado.
Há duas etapas nessa luta filosófica:
- – enquanto o ambiente cognitivo se mostra estável e não se modifica, é uma luta surda, isolada, uma voz anti-autoridade, mas sem uma perspectiva de um novo cenário;
- – quando o ambiente cognitivo se mostra instável e surge o descontrole das ideias é uma luta mais aberta, várias vozes e escolas, com a perspectiva de um novo cenário, já apontando para novas autoridades.
Com a chegada de um novo ambiente cognitivo, tal como o alfabeto grego, o papel impresso ou a Internet passa a crescer a sua luta pela falsa narrativa e preparando o caminho por uma nova, de novas autoridades, de novas organizações, de nova governança.
Estas terão o seu tempo para serem criadas e gerar novo ciclo de conservação e de domínio delas sobre a sociedade, que precisará de novo ambiente cognitivo, filósofos e nova governança.
Vivemos hoje, com a chegada do descontrole de ideias digital, esse novo momento de trazer a luz aquilo que as autoridades de hoje, que não nos representam, a denúncia das falsas-narrativas e a procura de construção de novas narrativas, de nova autoridades e de novas organizações/governança.
Que vai durar um período até cair de novo no mesmo círculo vicioso.
Que dizes?