Os projetos que estão em curso com o nome “Digital”: “Ou implantação de Rede Social” partem, na maioria deles, da análise superficial dos efeitos da mudança em curso e não da sua tendência mais profunda. Vai demorar para cair a ficha, mas quem perceber primeiro (como vários que já estão a todo vapor) terá um grande diferencial competitivo no mercado. – Nepô – neste post;
Versão 1.0 – 23 de março de 2012
Rascunho – colabore na revisão.
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Quando os pesquisadores estudaram os efeitos do uso fogo nas mudanças humanas podemos identificar duas linhas de análise diferentes:
- As tendências superficiais: passou-se a comer comida fervida;
- As tendências profundas: os novos hábitos alimentares tiveram efeitos maiores, tais como:
“Permitiu à espécie desenvolver dentes pequenos e cérebros maiores que seus antecessores e calorias extras permitiram ao H. erectus começar a caçar – uma atividade energeticamente dispendiosa – com maior freqüência”. (Alimentos e evolução humana – William R. Leonard).
Assim, podemos perceber que na análise das consequências da chegada de uma dada tecnologia podemos ter algo mais direto, que é o uso da mesma, as novidades que ela traz que são visíveis e mais óbvias. E consequências – tendências profundas – que passam a guiar a humanidade dali por diante.
As primeiras vêem o mais óbvio, a curto prazo; e as demais algo mais longe.
Ao se analisar a chegada das tecnologias cognitivas digitais em rede (Internet e tudo que ela traz embutido) de maneira geral cometemos dois erros de análise, com consequências graves para as ações que serão tomadas, a partir dali.
1- consideramos as tecnologias cognitivas iguais a qualquer outra, como o domínio do fogo, da navegação, do vôo, etc;
2- compara-se as novas tecnologias cognitivas (Internet) com outras tecnologias cognitivas (rádio, tevê e jornais).
Em ambos os casos, os resultados são diagnósticos pouco eficazes, que nos levam à medidas reparadoras também equivocadas.
A Internet, ao se ir mais fundo no estudo, introduz na sociedade um novo conjunto de tecnologias cognitivas que têm características inusitadas e peculiares.
Tecnologias cognitivas de maneira geral (telégrafo, telefone, computador, rádio, televisão, etc) têm, de fato, o poder de modificar hábitos, encurtar distâncias, expandir nossa capacidade de comunicar, pensar, aprender, se informar.
Porém, não alteram fortemente, com a sua chegada, os modelos de poder, as relações de controle na sociedade. O rádio e a televisão podem até ser consideradas tecnologias cognitivas que reforçaram esse poder, pelo seu caráter de emissão de mensagens unidirecionais de longa distância para grande números de pessoas.
Assim, a introdução massiva de uma tecnologia cognitiva descentralizadora – fenômeno raro – terá dois impactos: o superficial, a mudança de hábito de uso daqueles aparelhos.
E um bem mais profundo: as consequências que aquele uso causará a médio e longo prazo nas pessoas e depois em toda a sociedade.
Por exemplo, a televisão permitiu que o Brasil se tornasse muito mais país do que era antes, em termos de conceito e unificação (com o que isso trouxe de perverso ou saudável) ou ainda trouxe um problema de contato da família na hora do jantar, reduzindo o diálogo entre as pessoas.
A Internet, entretanto, apesar de ser uma tecnologia cognitiva como as outras tem um ingrediente a mais: ela permite por suas características uma desintermediação de antigos gestores da comunicação, da informação e do conhecimento.
Ou seja, permite que de forma fácil, barata e rápida as pessoas possam se comunicar, se informar e conhecer de forma diferente, mas introduzindo um fator: desintermediação. Ou seja, antigos gestores são deixados de lado. E isso é algo extremamente impactante para o futuro da sociedade.
Ao se estudar o fenômeno, assim, temos que olhar sob dois ângulos, os efeitos superficiais, que é o próprio uso da tecnologia, como as pessoas a utilizam. Porém, há um fator mais profundo que é o que ela trará de mudanças mais permanentes para a sociedade.
Como disse no post passado, o digital é apenas um portal para a entrada em um novo mundo mais descentralizado. Temos que tentar entender o mundo descentralizado e como vamos nos inserir, sendo o digital apenas a porta de acesso e não o mundo em si.
Podemos dizer que uma tecnologia cognitiva descentralizadora tende a:
- – amadurecer informacionalmente a sociedade;
- – criar novos canais de participação e diálogo;
- – exigência de novas regras do jogo em todas as instâncias;
- – uma redução de determinada taxa de aceitação de um tipo de hipocrisia;
- – e mudanças institucionais, a médio prazo, com a criação de ambientes institucionais mais abertos, democráticos, do que o modelo atual.
Dentro dessa perspectiva para que possamos fazer uma análise mais madura é preciso comparar o que vamos chamar de tecnologia cognitiva descentralizadora, que é o caso da Internet, com algo parecido na história para que possamos ver os possíveis efeitos.
Tal análise nos leva a 1450 quando Gutemberg, na Alemanha, introduz a prensa e torna possível a produção de livros muito mais barata do que era anteriormente.
O papel impresso pode ser considerado uma tecnologia cognitiva descentralizadora, diferente do telégrafo, do rádio, da televisão, do telefone e mesmo do computador sem rede, que não trouxeram desintermediação ou descentralização em larga escala.
Os efeitos da chegada da prensa foi devastador na humanidade em termos de mudança: democracia, capitalismo, organizações, universidades. O papel impresso moldou o que somos hoje!
(Sugiro ler minha tese de doutorado quando detalho bem essa passagem, principalmente a partir do seguinte item: AS MACROCRISES NA HISTÓRIA, baixar a tese aqui.)
Podemos listar um conjunto de tendências profundas para as quais as organizações terão que se adaptar com a chegada da Internet, mas a principal será a nova relação de poder com a sociedade de maneira geral e com os stakeholders em particular.
A chegada de uma tecnologia cognitiva descentralizadora tem como principal marca uma nova relação de poder entre o cidadão/consumidor com as organizações/instituições estabelecidas e é preciso um forte ajuste na maneira de fazer a gestão.
Começa-se como a ajustes na gestão geral, decisão estratégica e vem alterando a maneira de se fazer as outras: a da produção (criação e distribuição), além da informação, conhecimento, inovação, informação, comunicação, marketing, etc.
Todas devem sofrer um banho de loja profundo sob o efeito da descentralização, que é o efeito mais amplo e definitivo!
Uma organização vive de se adaptar ao ambiente externo para continuar a gerar valor.
Agora, temos pela frente um dos maiores desafios da gestão moderna: somos contemporâneos da chegada de uma nova tecnologia cognitiva descentralizadora, que altera profundamente a curto, médio e longo prazo as regras do jogo.
Os projetos que estão em curso com o nome “Digital”: “Ou implantação de Rede Social” partem, na maioria deles, da análise superficial dos efeitos da mudança em curso e não da sua tendência mais profunda. Vai demorar para cair a ficha, mas quem perceber primeiro (como vários que já estão a todo vapor) terá um grande diferencial competitivo no mercado.
Que dizes?
PS – estou preparando turmas de capacitação e presto consultoria para a adaptação da organização para esse novo ambiente: cnepomu@gmail.com
Ouço/leio muito que “nem todo mundo está nas redes sociais”, “a internet ainda é pouco usada” e outros argumentos imediatistas para justificar a falta de investimentos no meio. Mas, para além da cegueira de longo prazo, há uma dificuldade em entender a perspectiva histórica, e o próprio passado! A TV, que é a TV, chegou ao Brasil nos anos 50, e somente meio século depois ela se tornou o meio de comunicação mais difundido no país. Cinquenta anos!
Tenho certeza de que com a internet será mais rápido, embora também não vá ocorrer em um ou dois anos. E, mesmo assim, organizações e indivíduos ignoram as mudanças e as revoluções cada vez mais evidentes. Se nem a tendência superficial (para usar um termo seu) consegue-se enxergar, que dirão as tendências profundas, que implicarão mudanças paradigmáticas em vários setores da sociedade.
Raphael, isso, cabe a nós acelerar o processo para destacar o lado mais humano dele..abraços, grato pela visita.
Nepô, meu novo amigo: penso que as mídias como um todo, desde, por exemplo, o teléfrafo ou a rádio telefonia (esta última de frequente uso durante a primeira guerra mundial) mexem com a nossa cognição percepções e sensorialidades de um modo crescente e reverberado.
Por exemplo nos anos 60 quando a industria alimentícia começou a efervescer, desde o advento da maizena, massa pra bolo, fermento em pó, drops Dulcora, biscoitos São Luiz, leite em pó, maionese Hellmans, fomos aprendendo a conviver e a experenciar novos sabores, odores, etc. A chegada no walkman, nos anos 80, nos trouxe uma conquista de maior individualidade. Do mesmo modo que, na era touch que habitamos hoje (era háptica) aprendemos a tocar em frias telas de gadgets de todo tipo.Celulares, Ipads e por aí vai. Nosso tato foi alterado, os blackberries nos ensinaram a fazer o sckroll neles, mais ou menis devagar, etc.
Acho que o visionário Mac Luhan nos anos 60, já nos ressaltava estas extensões tentaculares, manifestas como prolongamentos de partes de nosso corpo, como a roda do automóvel/nossas pernas e por aí vai;)Adorei seu artigo, pelas ilações que me provocou;)