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 A democracia é a arte de impedir que o poder seja exercido por conta própriaNepô, da coleção;

Versão 1.4 – 14/10/11.

 

Estive na Faculdade Cândido Mendes no seminário “Os desafios da Cultura Digital”, quando falei sobre “Macrocenários: impacto da Internet na sociedade e na política”. 

O post abaixo detalha a discussão.

(Está sendo reajustado e revisado ao longo do tempo, ajude a melhorá-lo!).

Ao tentar prever o futuro, temos que selecionar as forças que agem de forma radical no hoje e no amanhã, desdobrá-las para tentar ter um cenário mais provável.

Podemos avaliar, por exemplo, como vários pesquisadores e organizações já fazem, que a principal força-motriz do nosso tempo tem sido o aumento radical da população nos últimos 200 anos.

Nunca fomos tanto e crescemos tão rápido.

(Sugiro ver  mais dados sobre a crise demográfica aqui.)

Os desafios que temos para pensar o amanhã giram em torno dessa adaptação.

Nais gente significa novos desafios, inadiáveis e irreversíveis.

Ou seja, para cada pessoa que vem para o planeta,  incorporamos uma nova demanda irreversível.

Somos hoje 7 bilhões de habitantes, que demandam todos os dias 21 bilhões de refeições, (se partirmos da premissa de 3 refeições por pessoa). Some toda a logística da alimentação,  além de vestuário, transporte, educação, comunicação, tratamento do lixo, etc e temos um enorme problema emergencial crescente, concordas?

E isso é uma tarefa que toda a sociedade passa a assumir, tanto as pessoas em suas famílias, em particular, como o Estados e as organizações, que produzem produtos e serviços, no coletivo.

Esse novo fator é algo ainda pouco trabalhado na nossa capacidade de distinguir essa força e enxergar o presente e o futuro.

Quanto mais gente, mais precisamos produzir de forma mais inovadora para fugir das crises produtivas que esse aumento nos traz constantemente.

Esta é a nossa tarefa e este é o desafio que o crescimento acelerado nos coloca com o principal problema do século XXI.

Esse crescimento, entretanto, é irregular no planeta.

Países crescem muito mais (China, que proíbe mais que um  filho), outros decrescem (Portugal, que incentiva ter filhos, remunerando famílias).

Porém, o aumento global,  atinge a todos, pois vivemos em um mundo cada vez mais interconectado  e um país que se multiplica influencia aos demais, seja pela demanda (que cria) ou pela oferta que gera (através de produtos mais baratos).

Um bilhão de chineses, por exemplo,  estão fazendo um estrago danado na economia produtiva do mundo mais industrializado, pois introduzem no mercado produtos feitos por uma mão de obra barata e disposta a tudo para competir.

Um choque de produtividade, como sugere Rodrigo Constantino.

Certo?

O tamanho da população afeta nossa vida em vários aspectos.

Podemos dizer, a partir de novas reflexões, que o aumento acelerado da população influencia a chegada da Internet, por exemplo e terá forte impacto no cenário político.

Detalhemos.

Quanto mais gente, mais precisamos produzir, inovar e nada como uma rede cada vez mais dinâmica de informação e comunicação para nos ajudar nessa tarefa.

A adesão em massa a esse novo ambiente cognitivo, como assistimos nesse início de século, é também o resultado dessa pressão populacional por uma conexão maior para resolver de forma mais rápida os problemas gerados pelo aumento da população.

Um fato empurra o outro para frente.

Podemos ainda afirmar que o aumento da população, já diante de um novo ambiente cognitivo, nos forçará a curto médio prazo a mudar a forma como fazemos a gestão geral da sociedade em todos os segmentos.

Governamos organizações e países, através de uma dada intermediação social marcada por uma mentalidade adquirida compatível com os desafios da população passada e, por sua vez, por um ambiente cognitivo mais controlado e vertical.

Daquele jeito funcionava bem para o número de pessoas que tínhamos que atender!

A intermediação, sempre necessária na sociedade, é algo que varia conforme a conjuntura.

Sociedades mais dinâmicas são aquelas em que essa intermediação é mais arejada, permite alterações de seus processos, a partir das necessidades e tem mais facilidade de conviver com alterações de cenários.

E, vice-versa, há intermediações que são fechadas, verticais, que impedem que mudanças ocorram, criando sociedades mais engessadas.

Há na intermediação, no ato de governar, digamos, dois extremos.

  • Uma intermediação arejada que permite e incentiva o diálogo, através da defesa dos interesses das partes, seria a utopia a ser procurada, que é a base da proposta democrática, a intermediação enquanto serviço para a sociedade.
  • E uma intermediação perversa, que usa o poder justamente para fazer o atravessamento, defendendo apenas os interesses de uma das partes, aquela que detém o poder, criando um tipo de intermediação voltada para os interesses de quem exerce o poder.

Essa intermediação (mais ou menos perversa), pois isso não depende apenas das pessoas mas do ambiente,  leva em conta a necessidade das demandas e ofertas e faz um certo equilíbrio dos interesses de quem está no poder, dosando aquilo que oferece e aquilo que recebe, no que podemos chamar de jogo político mais ou menos equilibrado.

Assim, podemos dizer que temos hoje uma mentalidade geral de intermediação moldada por um mundo com um tamanho de população muito menor do que a atual, com cidades menores, com mudanças mais lentas e muito mais controladas, pois era assim a demanda que vinha.

Temos hoje a cabeça de um planeta de 1 bilhão de pessoas, mas já somos 7 bi!

Essa mentalidade nos faz manter um modelo de gestão, que está ficando cada vez mais obsoleto, pois os problemas a serem resolvidos são outros, em outro tempo, em outra quantidade e em outra diversidade.

E esse é o principal dilema moderno que tem gerado e gerará a luta política que teremos pela frente, na procura de um modelo mais desintermediado que represente melhor a demanda dos que não estão no poder, procurando uma intermediação menos perversa que a atual.

Hoje, antes de tudo, com 7 bilhões de habitantes –  parte dele já em rede –  temos que mudar e adaptar a nossa mentalidade intermediadora de uma cultura mais centralizada para outra mais descentralizada, que permita gerenciar melhor esse novo desafio em um planeta super-povoado.

Ou seja, pensamos de um jeito de fazer as coisas, num modelo mais controlador,  que  se torna incompatível para resolver as demandas que as necessidades de uma população maior exigem.

(Os restaurantes a quilo são uma boa metáfora dessa passagem sem intermediação: não há garçom, cada um faz o seu prato, resolvendo quantidade e diversidade de forma rápida com menos intermediários.)

Mas você poderá dizer:

Mas se estamos crescendo há tanto tempo, por que essa crise fica mais evidente agora?”

Aí temos o impacto da chegada de um novo ambiente cognitivo mais desintermediado, que vem justamente dar esse salto sistêmico necessário, com a chegada da Internet, como já ocorreu com a chegada da escrita e da fala.

Ou seja, estamos diante do início de uma macro-crise da intermediação, que vai se agudizar bastante, pois podemos  dizer que o aumento demográfico nos levou, nos leva e nos levará a:

  • A atual forma de se fazer a intermediação, em todos os níveis, ficou obsoleta, pois mais gente agudiza as demandas e pede uma nova dinâmica, isso é uma demanda latente e antiga;
  • Tal desequilíbrio só se conseguiu  manter em função do controle rígido da troca de ideias, através de uma mídia centralizada e verticalizada. Ou seja, a latência existia, mas não era expressa e não permitia uma articulação mais efetiva, nem alternativas reais para superar o modelo passado;
  • A Internet, entretanto, abriu uma verdadeira “porteira” de troca de ideias, alterando o quadro, pois os atuais  intermediários e seus interesses foram para a berlinda, criando um ambiente mais transparente do que de fato está em jogo e como é jogado, “o rei está mais nu do que nunca”;
  • Além disso, a rede viabiliza novas formas de gestão e organização, através do uso de robôs, de comunidades em rede,  dos rastros dos internautas, que vão dando armas gerenciais de se fazer mais com menos, de forma mais descentralizada, sem perder a capacidade de gerir processos, o que abre uma alternativa real e concreta para atender melhor a estas demandas;
  • E, por fim, um novo processo político-social-econômico que se inicia  em um novo patamar, no qual os incomodados pelo ambiente intermediado ganham mais força e começam a querer mudanças.

Assim, qualquer sociedade se organiza definindo como será a sua intermediação e quais são os mecanismos que a população terá para alterá-la e preservá-la.

Somos, assim, netos da intermediação do ambiente cognitivo passado (escrito e da mídia de massa, analógico) que nos ofertou a república, o capitalismo, um modelo hierárquico,  da troca de ideias de forma vertical. Estamos iniciando outra era, na qual estamos indo para um mundo que iremos construir um novo modelo de república, de capitalismo, na troca de ideias baseada na mídia digital em rede colaborativa, muito mais horizontal que a passada, para nos adaptarmos a um mundo mais populoso, que exige respostas mais eficientes e mais rápidas.

Tal ambiente hierárquico gera crises frequentes e por causa delas e para resolvê-las vamos sendo obrigados a migrar para um ambiente mais horizontal.

Assistimos, então,  a luta entre a velha intermediação (que acabou ficando mais pervertida pela falta de controle)  contra a procura de uma  nova intermediação (que reflita melhor as demandas atuais).

Repito: a crise do aumento da população, que não é de hoje,  já colocava em xeque o modelo atual da intermediação, mas faltava o instrumento novo cognitivo para virar o jogo, pois os prejudicados estão começando, aos poucos, a aprender  a usar a rede a seu favor, a ver, pela ordem: eleição do Obama, Primavera Árabe, Revolução Espanhola e agora os indignados de Wall Street são um primeiro parágrafo desse novo livro.

E é essa mudança no ambiente cognitivo que podemos apontar como a nova força real,  a grande novidade dessa antiga crise demográfica, que gera diversas outras,  que ganha outro colorido, agora digital.

 A população já vem crescendo há 200 anos (éramos 1 bilhão em 1800 e 3 bi, em 1960), mas só agora um ajuste de mentalidades pode ser feito, pois há um novo espaço de troca de ideias, com alternativas concretas de desintermediação.

Portanto, está havendo agora condições materiais para viabilizar uma radical mudança no nossa mentalidade intermediadora, que vem tentar se adaptar a um mundo com mais para um com menos intermediação.

Diria, assim,  que a Internet  faz parte de um macro-ajuste sistêmico da sociedade, não liderado de forma consciente por nenhum de seus atores, no primeiro momento, que vem ao mundo para permitir a aceleração do processo de desintermediação geral para viabilizar a continuidade da nossa espécie com menos crises produtivas.

Começamos a experimentar em diversos projetos  novas formas de produzir conhecimento, serviços e produtos: vide Amazon, Google, Wikipédia, Linux, a constituição da Islândia sendo feita com ajuda do Facebook, desconhecido vendendo para desconhecidos, no Mercado Livre, a rede de sebos brasileira, Estante Virtual, etc.

Já estamos iniciando, de forma ainda muito tímida, as experimentações dessa desintermediação nas organizações e na sociedade, marcando a luta política entre essas forças que querem essa adaptação, pois se sentem alijadas e insatisfeitas com os resultados obtidos versus os interesses acumulados na intermediação atual, que está ficando passada.

Juntam-se a estes a tendência humana ao conservadorismo, ao piloto automático, dos que não querem mudar apenas por comodismo.

A desintermediação me parece, assim, algo inevitável, pois não conseguiremos viver em um mundo mais populoso, com intermediações rígidas, ao mesmo tempo em que aceleradamente estamos indo para um descontrole informacional. A fórmula não bate! Ao contrário, explode!

  • Como não se pode reduzir a população, pelo contrário, só tende a crescer, pelo menos, até 2050, com previsão de 9 bi.
  • Como a Internet é um processo irreversível, bem como o descontrole informacional.
  • Resta-nos, enquanto civilização, a saída sistêmica da desintermediação! E é para lá que estamos indo aos trancos e barrancos.

A luta, que está apenas começando,  se dará  em todos os setores sociais.

É a batalha dos que se beneficiam da intermediação atual com os querem uma nova forma de gerir o mundo. E é essa tensão que marcará a história social e política, com forte consequência econômica, ao longo do próximo  século.

O “x” da questão é: como conseguiremos mudar mentalidades de uma forma muito mais rápida do que jamais conseguimos antes?

Provavelmente, quem conseguir descobrir um método participativo e colaborativo de massa, via redes sociais e também fora dela, liderará o processo.

Que dizes?

10 Responses to “Política 2.0 e a crise da intermediação”

  1. Orlando Moreira disse:

    Estive na última semana me dedicando a ler seus textos mais recentes e, agora lendo este post, me reforçou a questão que fiquei, um pouco intrincada ainda na minha cabeça – não sei se vou conseguir expressá-la corretamente aqui – sobre como sairemos desta mudança, ou seja, cada vez mais sem intermediários, cada vez mais auto-atendidos ou auto-suficientes de certa forma, diria até um pouco “mimados”, “seja feita a nossa vontade”, com serviços facilmente à nossa mão (não que isso em si seja um problema) em contrapartida com nossa formação voltada para o ego, herança freudiana do século XX, mal-interpretada ou mal-executada…

    Talvez nossa adesão rápida à desintermediação seja um pouco sintomática, se considerarmos nossa (quando digo “nossa” digo como sociedade ocidental) formação auto-erótica digamos assim… Não estou afirmando nada, só queria compartilhar essa questão…

    Abraço!

  2. Carlos Nepomuceno disse:

    Orlando,

    não sei se “auto-atendidos”, pois temos agora novas tarefas, levantar da mesa para nos servir. Nossa paciência para serviços que não funcionam está se esgotando, pois o novo ambiente da cidade é estressante. Ou seja, há algo que precisa ser feito. Há também uma necessária revisão do ego para viver em um mundo menos autoral e mais colméia.

    Mais isso nos leva a um debate mais profundo…

    Não diria que estamos aceitando a desintermediação, estamos brigando contra ela….pois ela não é natural, a princípio…

    vamos em frente, grato pela visita e comentário,
    Nepô.

  3. Orlando Moreira disse:

    É, concordo contigo, Nepô.

    Sobre a revisão do ego, sim acho que ainda não estamos emocionalmente à altura da revolução cognitiva que está ocorrendo, como você mesmo pontuou em um dos seus textos que li semana passada.

    Sobre nossa relação com a desintermediação: é, acho que você definiu de forma melhor: trata-se de uma briga, afinal nossa relação com a instância paterna sempre foi ambígua…

    Como você apontou no final deste post, é uma briga que está ocorrendo no social, mas que também ocorre em outras instâncias…

    Valeu!

  4. Paula Ugalde disse:

    Olá Nepô!!
    O que me inquieta nisso é que temos intermediários e Intermediários… Os primeiros seriam os ‘garçons’. O que farão essas pessoas?
    Não observo ações governamentais sequer de reconhecimento das mudanças em curso, quiçá para empreender em projetos contributivos para esses intermediários. Como vão se instrumentalizar cognitiva, emocional e tecnologicamente para engendrarem novos modos de sobrevivência?
    Tampouco vejo ações sociais neste sentido!
    Sabemos que não são ‘esses’ os intermediários que tem peso real e atrasam os avanços civilizatórios, nos caminhos da Democracia…
    Poucos professores debatemo essas questões! Ainda que não desejem ‘intermediar’, queiram ou não, nesta transição ‘são’ referência e formadores de opinião…
    Pensemos o envolvimento de Castells, Morin e outros grandes pensadores: parecem estar sendo ignorados por muitos, como se fossem visionários…
    A a Mídia por mais que se esforce e tente… Suas falas ou ações em geral desvelam as odeias introjetadas, cristalizadas… No máximo ‘descentralizam’ um pouco e com moderações.
    A gestão educacional continua verticalizada com uns poucos nos representando. Os programas de formação docente continuam intermediando a construção de conhecimentos que julgam úteis.
    Como avançar assim? Como serão as novas gerações aprendendo ‘per si’ e não necessariamente coisas úteis para a coletividade. 🙁 O que diz disso tudo?! [ ]’s

  5. Carlos Nepomuceno disse:

    Paula,

    se olharmos para um lado, vamos ver tudo isso que você diz. Vou de Peter Drucker que diz que para ver o futuro da floresta temos que ver as árvores pequenas.

    A desintermediação já é algo mais palpável para as novas gerações, em casa trancados, em diversos projetos na rede, que estão se ampliando, nas manifestações de rua.

    O impasse é justamente esse entre os intermediários atuais, com poder e nenhuma disposição de mudar e os incomodados que querem mudanças.

    Quanto à readaptação dos garçons isso acontece naturalmente, pois um restaurante a quilo exige outro tipo de profissional, outro tipo de garcom, todos vão se adaptando…

    bjs,

    tks pela visita e comentário.

  6. Paula Ugalde disse:

    Ok NepÔ! 🙂
    Quanto a visita é frequente, apenas em geral não comento. 😉
    bzzuuss

  7. Karol Felicio disse:

    Muito bom Nepô. Mais sobre um mesmo grande e complexo tema, sob um novo prisma, a crise da (des)intermediação. Fato que vem ao encontro de nossas discussões sobre a grande tendência do colaborativo.
    O que me angustia é saber que esse pensamento ainda é tão distânte das cabeças do “mundo real”, que o mundo real está tão (des)iludido.
    Mas é isso, vamos seguindo, que a massa virá atrás.
    Parabéns!

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