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 Queira ou não queira, ainda que de maneira não intencional você é um teórico praticante  – Christensen e Raynor – da coleção de frases;

(Continuidade de raciocínio deste post “Por que a chegada da rede digital não está no planejamento estratégico?”.)

Vamos tentar diagnosticar a crise teórica/estratégica/prática que as organizações vivem hoje.

As organizações  funcionam num modelo que vou descrever abaixo.

Temos as teorias gerais nas quais se ancoram:

Como funciona a sociedade? Qual é o papel das organizações? Quais as necessidades dos consumidores? Como eles se organizam? Como eu gero valor? E, por fim, como posso obter lucro?

Destas teorias gerais são feitas as estratégias.

Quais são estas demandas?  Como sair na frente daqueles que desejam o mesmo que eu (meus concorrentes)? O que devo fazer de maneira geral? Para onde devo caminhar?

Que resultam em ações concretas:

O que devo fazer em detalhes para gerar valor e atender a estas demandas? Como me organizar para isso? Quais ações? Quando? Quem? Como? Com que ferramenta? Com que recursos?

Como podemos ilustrar nesta figura:

 

Normalmente, estabeleço a análise de cases, fatos, dados, situações para aprender sobre estas etapas e ajustar gradualmente as minhas teorias, estratégias e ações concretas.

Como o mundo estabeleceu teorias gerais bem consolidadas sobre o funcionamento da sociedade ao longo dos últimos anos, décadas e séculos, o esforço maior das empresas está  focado cada vez menos nas teorias e estratégias, mas muito mais nas ações concretas.

Usando um critério aleatório que resolvo propor, podemos dizer que, grosso modo, há um esforço, de menos de 1% com teorias (estudo de mudança de percepção do mundo), 10% em estratégias e o restante todo (89%) nas ações e estudos de casos (como? quando? com quem?).

Por causa disso, há um forte e intenso interesse em “cases”, em como fazer, em como proceder, em como agir, quais melhores ferramentas podem resolver melhor, os problemas concretos.

As pessoas partem do princípio que as teorias continuam válidas, as estratégias idem e devemos apenas olhar para o que os outras fazem com sucesso, as melhores práticas.

Estudar os cases, assim,tem nos ajudado bastante a basear nossa estratégia.

Por causa disso, possíveis necessidades de mudanças nas teorias da sociedade pouco são avaliadas, pois pouco importam para o desempenho geral dos negócios.

Acabamos ganhando um certo preconceito, pois mais atrapalhavam do que ajudavam, pois vivíamos em um mundo menos mutante e que não havia sido abalroado por uma revolução cognitiva.

Os estrategistas que ando lendo (Christisen, Schwartz e Gavetti) apontam essa invisibilidade das grandes teorias o principal defeito das empresas ainda mais em um mundo mutante!

Dessa forma, as estratégias das organizações acabam sendo todas moldadas no sentido experiência –> estratégia (de baixo para cima da prática para o pensamento abstrato).

E muito pouco ou quase nada teoria –> estratégia (do pensamento abstrato para a prática)

Assim, as teorias gerais que temos, pois elas existem e foram construídas, passaram a ganhar um dom de invisibilidade.

Não conseguimos mais ver como pensamos, pois achamos que o que pensamos é a própria realidade!

Não achamos que nossas teorias precisam ser revistas, apenas os pequenos detalhes das melhores práticas, certo?

Esse fato dificulta tremendamente a capacidade dos gerentes e estrategistas a “pensar fora da caixa” a olhar o mundo de outra forma, ainda mais um mundo mutante e ainda mais um mundo sobre o efeito avassalador de uma revolução cognitiva.

Isso tem forte impacto em pensar estratégias cognitivamente distantes, construindo apenas cenários próximos, como foi detalhado na parte final deste post, nas reflexões de Gavetti.

São teorias tão arraigadas e inquestionáveis que não são repensadas, pois o que varia são os detalhes do  Quando? Quem? Como? Show me de Cases? Os detalhes e com que ferramentas?

Quando pensa-se em treinamento, basicamente, o que queremos é justamente um caminho mais curto para esse mar de ações para que não se perca tempo e dinheiro com o que não estão “dando certo”.

Sinto fortemente isso nos meus encontros quando vamos argumentar que precisamos repensar nossas teorias gerais e as pessoas querem saber o como, como, como.

Nem sempre o como pode ser aplicado, ainda mais quando as teorias gerais da sociedade estão ficando pouco eficazes.

Tal como:

“O sucesso de uma teoria deve ser medido pela exatidão com que é possível prever o resultado”  – Christensen e Raynor;

Certo?

Me parece que muitas ações oriundas da rede não estavam no script das teorias sociais.

Ou seja, as teorias que nos ancoravam passaram a ficar menos eficazes com a chegada da Internet.

Há um processo em que há uma incompatibilidade entre o que achávamos que ia acontecer, as previsões, com o que de fato está ocorrendo.

Nossas teorias que nos ajudam a ver o futuro de forma mais eficaz estão se mostrando falhas, pois estamos num mundo mutante digital em rede.

O que mudou?

Como disse aqui, Levy trouxe uma nova teoria fundamental para um ajuste na maneira de ver a sociedade.

O que ele disse (a partir das minhas interpretações e síntese)?

  • Que o papel que tínhamos na sociedade da informação, do conhecimento e da comunicação estava sub-valorizado.
  • Que estes três fatores formam uma ecologia social que define a sociedade com muito mais peso do que imaginávamos;
  • Que estes ambiente social, permeado por estes três fatores (nos quais vamos basear as nossas estratégias), não é contínuo, mas, pelo contrário, vive momentos de ruptura e que isso tem um forte impacto na sociedade e também na maneira de fazer negócios.
  • E, por fim, que estamos no início desse processo de mudança com a chegada da rede digital e isso vai impactar fortemente o futuro da sociedade e das organizações com mudanças na percepção de toda a sociedade sobre valor, organização, lucro, consumo, etc!

O que nos faz concluir que deve haver por parte das organizaçôes:

  • Um esforço de perceber a conjuntura e fazer um ajustes na forma de moldar suas estratégias, refazendo seu estudo não mais, apenas, das ações para a estratégia, mas reestudando a teoria para refazer a estratégia, o que vai contra o senso-comum e a prática atual, pois exige pensar cognitivamente de forma distante, prática pouco adotada;
  • Que este estudo deve ter como meta novas teorias gerais para podermos repensar as estratégias, e, por fim, estarmos pronto a rever as ações. Copiar estratégias e ações com teorias pouco eficazes é perda de tempo e dinheiro.

O problema é que esse tipo de ação demanda a consciência do momento histórico e vai contra o “modus-operandi” do mercado, na taxa 89% de foco na prática, no como, como, como.

Soará para muita gente como desperdício de tempo e de dinheiro, se já deu certo do jeito que fazemos há tanto tempo, por que não daria agora?

Porém, é o caminho de atalho para a geração de valor para o futuro.

E é o principal diagnóstico a ser feito, ou seja, refazer as teorias, para repensar a estratégia e, só então, começar a ter ações concretas é a coisa mais prática a ser feita nesse momento!

As organizações mais promissoras terão que se enquadrar nesse novo mundo mutante, tendo mais espaço para refletir sobre teorias,  com uma nova forma de conceber sua estratégia.

São universidades corporativas pensando o novo mundo e alinhando os riscos e oportunidades às estratégias, balizando de forma mais segura as ações concretas.

Que dizes?

 

 

10 Responses to “Quando estudar cases perde o sentido?”

  1. Raquel Balceiro disse:

    Nepô,
    Li o seu post e concordo muito com o que você está dizendo. Percebo, por exemplo, que o mundo corre atrás de check-lists, que ninguém quer se dar ao trabalho de pensar e adaptar modelos às suas necessidades. Os estudos de caso, então, se enquadrariam nessa categoria. São os check-lists, as melhores práticas, os padrões, e todo mundo tem que fazer igual. Para pensarmos em inovação, em ruptura, temos que ousar sermos diferentes. Mas, são poucos os que querem isso. Na empresa em que trabalho, ser “teórico” é um defeito enorme. Elogio é quando alguém diz: “ele é teórico, mas consegue trazer para a prática”. Ou seja, quando a pessoa consegue compreender uma teoria, e traduzi-la para as necessidades da empresa. Mas, isso não é o que deveriamos fazer sempre? Não entendo alguém pode estudar o tempo todo e não buscar estabelecer conexões com a realidade e com o contexto que está inserido…
    A gente não faz um bom Planejamento Estratégico. Tem gente que nem sabe que, ao levantar os fatores de uma Análise SWOT, tem que proceder a um cruzamento entre forças x fraquezas x oportunidades x ameaças. E não sabe porque não leu a teoria, certo? “Ah, está bem, eu sei quais são as fraquezas da minha empresa? E daí?”
    Eu gosto de estudos de caso. Mas, como pesquisadora que sou, estou sempre buscando as referências, tentando entender a teoria, indo atrás das motivações, e fazendo analogias com a minha realidade. Nem todo mundo entende isso. Trabalho intelectual é mais demorado do que aquele que fazemos quando seguimos um procedimento. Mas, sigo insistindo. Quem sabe um dia, a empresa mude, o trabalho se valorize, e a gente consiga mudar também as cabeças dos gestores?
    Parabéns pelo post. Como sempre, uma leitura muito agradável e com profunda consistência!
    Bjs

  2. Carlos Nepomuceno disse:

    Raquel, grato pelo apoio e elogios e acho que o momento é ainda mais particular, se era um fato que precisávamos mais substância, agora com a ruptura e um mundo mutante, quanto mais alto subirmos na montanha, mais fácil será ver o que está acontecendo no vale.

    É isso, grato pelo contínuo apoio,
    Nepô, volte e comente sempre.

  3. Walter Ruiz disse:

    Nepô
    muito interessante seu post e creio que para essa postura de repensar as teorias seja possivel no mundo empresarial é necessário que haja espaço para erros e acertos. E exigencia para resultados imediatos é um impeditivo para o ambiente de inovações disruptivas.
    Um outro ponto que considero fundamental é a capacidade de distinguir quando deve-se usar uma ou outra aproximação (novas teorias ou usar as já existentes). Creio esse ser um desafio tão grande como pensar diferente!
    Parabéns!

  4. Carlos Nepomuceno disse:

    Walter,

    ando lendo cada vez mais sobre planejamento estratégico e eles chamam mais do que ciência de arte, pois são tantas variáveis. De fato, às vezes complica, no caso da não inclusão das mudanças advindas da Internet no planejamento estratégico chega a algo patológico. Concordas?

    Bom, é isso, abraços,

    Grato pela visita e comentário,
    Nepomuceno.

  5. Carlos Nepomuceno disse:

    Walter, ainda diria mais, uma teoria deve ser utilizada quando ainda é eficaz para prever o futuro. Imagina uma editora ou o pessoal de música no passado, a teoria do mercado de distribuição garantido caiu por terra e eles insistiram em manter a crença no passado. O parâmetro é sempre se a teoria é eficaz…isso exige estudo e dedicação, mas as empresas investem em muita coisa para manter lucros pequenos e pouco em ampliar o que poderiam ser grandes oportunidades..é isso.

  6. Walter Ruiz disse:

    Nepô, concordo plenamente – acabam existindo situações patológicas com jeitão “de avestruz”; foi o caso do mercado fonográfico mundial e o de editoras no Brasil atualmente. Todas as empresas devem manter uma parte importante do seu investimento ($, tempo, equipe, etc) em buscar novas oportunidades através da busca de “novas teorias”, algo “fora da caixa”. O que comentei foi a dificuldade na tomada de decisão no dia a dia com relação a aonde, quanto, quando colocar essa atenção. Nossa empresa é de tecnologia e em alguns momentos acertamos “na mosca” e outras…… passamos bem longe, ou as vezes, não percebemos a necessidade. Ou seja, mesmo com a percepecção da necessiade, um DNA desbravador e com muito esforço….. tomamos muitos tiros..rssr é isso.. abraços e obrigado por despertar e aprofundar reflexões tão importantes.

  7. Carlos Nepomuceno disse:

    Walter,

    acho que é preciso ter uma visão geral que a meu ver deveria ser algo a ser refletido que é a questão da revolução cognitiva.

    Ela é algo que pode passar desapercebida? Ou tem forte impacto?
    Se tem forte impacto de que maneira vai moldar o pressente e o futuro próximo?

    Como vai agira especificamente em determinada área, com mais ou menos intensidade?

    Esse tipo de estudo, que procuro me dedicar, é o que tem me mantido no mercado apoiando meus clientes ao pensar Internet x sociedade.

    Não é uma tarefa fácil, dentro dessa medida macro de ruptura temos os detalhamentos, o problema é que a resposta adotada normalmente é ignorar o fenômeno, veja essa frase que acabo de ler:

    Liquidar um fenômeno somente por que não sabemos entendê-lo é contrário a qualquer regra – Ronald Laing.

    Sim, sei o que você falou, mas acho que no momento temos uma teoria geral sobre a sociedade derretendo e é sobre ela que temos que concentrar esforços, por ser uma força motriz muito poderosa para o futuro.

    abraços,

    Nepô.

  8. Nilton Jr. disse:

    Nepô,

    “São universidades corporativas pensando o novo mundo e alinhando os riscos e oportunidades às estratégias, balizando de forma mais segura as ações concretas.”

    A percepção que tenho é que as universidades corporativas ainda não despertaram para o seu verdadeiro papel (teórico-estratégico-prático) neste “novo cenário”.

    Permita-me uma rasa analogia… em sua extensa maioria, as UC’s parecem alguns adolecentes que realizam atividades físicas preocupados no crescimento de seus músculos na 1ª semana de exercício, preocupados mais com esta ação-micro (simples crescimento dos músculos) do que com uma ação-macro (qualidade de vida).

    Por isso que no primeiro resfriado (mudança de cenário), o corpo padece e os músculos vão se embora… e novamente eles voltam a pensar no crescimento dos músculos e assim o ciclo não se acaba.

  9. Carlos Nepomuceno disse:

    Nilton, seria aquela visão da difícil passagem entre uma empresa que aprende continuamente para outra que aprende, para, aprende…uma da era digital e outra ainda da industrial. Pois é.

    Mas um dia chegamos lá….me avisa 😉

    abraços,

    valeu visita e comentário,

    Nepô.

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