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A não presença da Internet estava nos desumanizando!

Ouvi três palestras recentemente de pessoas que admiro, mas que as três defenderam que a Internet cria, com escalas diferente, algo virtual.

São eles: Marcelo Gleiser, Marilena Chauí e Sílvio Meira.

hacking

Cabe a filosofia problematizar o que não está devidamente problematizado.

Lévy escreve um livro inteiro sobre isso defendendo que o que temos na Internet é apenas comunicação a distância e de que o virtual não existe.

O virtual é um espaço real como indica Pierre Levy e nossa própria experiência do cotidiano no uso destas ferramentas comprova isso. (como está no Wikipédia).

Muitos perguntarão: ok, qual problema?

Muitos, pois ao chamarmos a Internet de virtual estamos, na verdade, querendo desumanizar o que aqui/lá acontece, como se fosse algo novo, como se não houvesse ocorrido na história e, de certa forma, anti-natural para nossa espécie – irreal – nos afastando e criando um estranhamento, dificultando as análises.

E, a partir dessa visão,  vamos passar a estudar esse ambiente como algo que nunca pisamos, algo estranho e que nos trará problemas.

O que é algo pouco eficaz.

spacestat_on

A meu ver não existe nada mais natural do que ir para um ambiente que possibilita a comunicação a distância, nos tornando mais humanos, diante da atual complexidade demográfica.

  • Na palestra de Chauí o virtual é trazido como algo que trará problemas, com um tom nostálgico pessimista, como defendi aqui.
  • Na de Gleiser, procura-se um equilíbrio, mostrando pontos positivos e negativos;
  • No de Meira é apenas um sinônimo para digital. Ele chama de suporte virtual, o que é digital, o que acaba embolando com o que diz Chauí ou Gleiser. A correção é menor.

Porém, em todos os casos, acredito, que o conceito está pouco problematizado e nos leva e tem levado a problemas.

Como vimos aqui, a filosofia discutiu pouco a questão da tecnologia.

Há a cada tecnologia que chega uma necessidade de acostumar o cérebro e a cultura, pois ambos são modificados por ela.

  • Existe, assim, o mundo dos que nascem depois da tecnologia que para estes a tecnologia é algo natural, pois sempre esteve aqui desde que nasci.
  • E aqueles que são migrantes que viram a tecnologia chegar e a estranham como algo diferente da nossa “naturalidade”, daí vem a nostalgia e, em alguns casos, a expressão virtual – não real, quando se trata de tecnologias cognitivas, reações similares à chegada da prensa, do rádio e da televisão, por exemplo.

Além disso, há outro problema sério ao lidar com o tema tecnologia, pois chamamos de tecnologia no singular algo que é plural e diverso.

Não existe tecnologia que chega, mas diferentes tecnologias com provocações de  “deslimitações” diferentes para a espécie humana.

No meu novo livro detalho isso, pois não podemos colocar no mesmo saco o alimento transgênico (tecnologia alimentar), o avião que agora vai à lua (tecnologia de transporte aéreo)  e a Internet (tecnologia cognitiva).

As tecnologias cognitivas são tecnologias de representação das nossas verdades, que precisam para circular na sociedade de instrumentos que vão além da nossa voz (uma tecnologia biológica incorporada).

Ao fazermos o primeiro desenho humano em uma caverna estávamos criando um símbolo fora de nós.

Cave Paintings 4

Aquele símbolo não é virtual, mas apenas uma representação daquilo que pensamos/sentimos, que pode, ou não, ser acessado por alguém, dependendo das tecnologias disponíveis.

A representação é real, pois é uma expressão de uma realidade que houve, que há. É algo que pode ser distante do tempo ou do lugar, mas é real, pois é uma expressão humana registrada. O fato de acessarmos depois não a tira de uma realidade.

Ao longo do tempo e como o aumento da complexidade demográfica, tivemos necessidade de sofisticar estas tecnologias cognitivas.

A escrita, portanto, é uma ferramenta que nos permite transmitir verdades a distância. Um livro impresso não é virtual, mas apenas um conjunto de códigos transmitidos fora do tempo e lugar.

Assim como o telefone, o rádio, a televisão.

Não há nada de virtual ali, apenas verdades circulando, conforme as características das tecnologias.

O que há quando chamamos a Internet de virtual é a expressão do nosso estranhamento de chamar de estranho algo que é novo.

Virtual, podemos dizer, que  é a comunicação a distância estranhada.

Muitos dirão que há pessoas que fingem ser o que não são na Internet, que entram em sala de chat com nomes diferentes do seu.

Mas isso é algo tão humano como quem escrevia cartas anônimas no passado, tal como Cyrano de Bergerac.

Ou não?

Muitos dirão, como até Gleiser sugere, que criarmos uma holografia para darmos palestras a distância seria a criação de uma virtualidade, tanto quanto, acho eu, é darmos um telefonema pelo Skype, só que uma tecnologia diferente, mais sofisticada.

O que há é uma comunicação mais sofisticada a distância, pois nada tem de diferente de um telefonema.

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Talvez, possamos dizer que virtual seria tudo aquilo que não existe, que é criado, mas toda a literatura está baseado naquilo que imaginamos, inventado.

Os filmes hoje, cada vez mais sofisticado em criar cenários, são todos uma extensão da literatura e do avanço do cinema.

Simuladores também não são virtuais, pois são como vídeo-games que simulam realidades por mais emoções reais que criem. São rodas gigantes digitalizadas.

Será que inventamos os jogos só agora ou os parques de diversão?

Nossa dificuldade em encarar a Internet como algo real é, talvez, assumir nossa tecno-espécie como ela é.

  • Quanto mais membros da espécie, mais tecnológicos seremos;
  • Há, assim, relação de humanidade, demografia e tecnologias disponíveis;
  • Quanto mais formos no planeta, só poderemos ser humanos com tecnologias adequadas;
  • Arrisco a dizer que o mundo sem Internet era um mundo desumano, pois crescemos em tamanho sem as tecnologias necessárias para nos expressarmos.

Estamos fazendo agora a reparação do que estamos chamando de virtual.

Não há nada mais real para 7 bilhões de habitantes, desse ponto de vista, que a Internet, a não ser para os nostálgicos que querem congelar o passado.

Deixemos o virtual, portanto, fora da tecnologia.

Algo como – você queria um beijo, mas ele não veio e você escreveu um poema. O beijo que você não deu, mas pensou este é virtual, enquanto esteve dentro de você, sem expressão, pois só aconteceu na sua imaginação, quando fez o poema ele virou real.

O virtual, ao contrário, do que dizem é tudo aquilo que não sai da nossa imaginação dentro de nós, em silêncio, saiu, se realizou, mesmo que em representação – é real!

Que dizes?

Versão 1.0 – 15/10/2013 – Colabore revisando, criticando e sugerindo novos caminhos para a minha pesquisa. Pode usar o texto à vontade, desde que aponte para a sua origem, pois é um texto líquido, sujeito às alterações, a partir da interação. 

 

11 Responses to “A Internet cria um mundo virtual?”

  1. Paulo Mello disse:

    Nepô, entendo que o conceito de “virtual” como “não-físico” e ao que parece o conceito utilizado aqui é o conceito de “não-real” o que muda tudo!

    Entendo o espaço virtual como sendo um ambiente que permite comunicação tanto síncrona, como assíncrona, desta forma o virtual já existia numa simples conversa por cartas… o ambiente virtual da conversa existia entre os interlocutores e o meio era o papel. Na internet o espaço virtual, a meu ver, ganha formas, cores e som, mas ainda continua virtual enquanto “não-físico”, mas continua 100% real (guardadas as devidas interpretações pessoais).

    Um exemplo, numa outra direção, seria uma peça encenada em um teatro real, com atores reais. Só que neste caso o espaço virtual criado (a peça) é ao mesmo tempo físico e não-real (ficcional).

  2. Carlos Nepomuceno disse:

    Paulo, o problema dos conceitos que na cabeça das pessoas virtual é algo que não existe, é fora do humano…e é um conceito, por causa disso que deve ser problematizado, pois atrapalha mais do que ajuda.

    Por que não a distância e evita-se duplo sentido?

  3. Bruno disse:

    Um holograma dando uma palestra é realmente um holograma dando palestra. O tomate que eu atiro no palestrante holograma não o atinge. Quem é virtual, o holograma, o tomate ou o gesto? São todos reais? Mas o tomate não o atinge…

  4. Carlos Nepomuceno disse:

    Assim, como se você chutar o Faustão na tevê…quem vai ter que comprar outra, na real, é você. 😉

  5. Geraldo Maia disse:

    Relacionado a este assunto, alguém pode me explicar o que é real e o que é virtual na musica Açaí do Djavan ”

    Solidão de manhã,
    Poeira tomando assento
    Rajada de vento,
    Som de assombração,
    Coração
    Sangrando toda palavra sã

    A paixão puro afã,
    Místico clã de sereia
    Castelo de areia
    Ira de tubarão, ilusão
    O sol brilha por si

    Açaí, guardiã
    Zum de besouro um ímã
    Branca é a tez da manhã

    Açaí, guardiã
    Zum de besouro um ímã
    Branca é a tez da manhã”

  6. Paulo Mello disse:

    Nepô,
    Virtual como “algo que não existe” não está no dicionário, porque virtual nunca foi sinônimo de “nada” ou “inexistente”, o Virtual existe. E o Aurélio dá a esta palavra uma concepção de “meio-termo”: “Que não se realizou, mas é suscetível de realizar-se” ou seja está mais cá do que lá, porque não permaneceu no “não-real”, desta forma negando o significado simples de “algo que não existe”, mas no mínimo para “algo que não existe, mas é suscetível de realizar-se”

    Um exemplo clássico: Um pescador em uma canoa vê um peixe e tenta atingir o peixe com uma lança, quem conhece um pouco de física (e o pescador por causa da prática) sabe que a imagem que ele vê do peixe é apenas virtual porque o peixe real está deslocado, devido a diferenças entre meio aquático e o ar.
    Neste caso, a imagem do peixe, sendo virtual (falando-se em Física) existe e só existe porque há um peixe para defini-la, não sendo irreal e também não real, mas de qualquer forma existe!
    Satisfazendo plenamente a definição dada no dicionário Aurélio.

    Você citou “na cabeça das pessoas” entendo isso como “Censo Comum”. Acho (e você vai concordar comigo) que o argumento “Está no dicionário” é muito um-ponto-zero e insuficiente para ganhar uma questão, mas no entanto (aqui você talvez discorde) “diz o censo comum” me parece um argumento ainda mais fraco que o primeiro.

  7. Paulo Mello disse:

    Geraldo Maia,

    Geraldo, estamos discutindo virtual enquanto conceito. Propus, (corajosamente) contra Pierre Lévy e Carlos Nepomuceno, que virtual seria antagônico a “físico”, mas mesmo assim sendo real e não um tipo sofisticado de sinônimo para “irreal”.

    Acho que as metáforas e outras figuras de linguagem da música do Djavan, apesar de seu real valor estético, não trazem nada de virtual, mas sim de onírico, ficcional, poético, metafórico.

    Aguardo seus argumentos.

  8. Carlos Nepomuceno disse:

    Paulo, veja bem o problema….

    Coloquei esse debate aqui (http://nepo.com.br/2013/10/17/benditos-conceitos-malditos-conceitos/) sobre quando discutir um conceito é perda de tempo e quando é algo relevante.

    Se você mesmo diz que: ““Que não se realizou, mas é suscetível de realizar-se”…ok, podemos aplicar em vários casos.

    Eu quero conhecer uma pessoa importante e mando email para ela, que responde. “Sim, podemos nos ver”. Podemos dizer, então, que meu encontro é quase certo, virtual ainda, mas está para se realizar.

    Isso realmente não é algo não real, mas é algo que está para ser real, uma expectativa que falta pouco.

    Adoro isso.

    E não tenho nada contra a sua questão.

    Porém, quando a Marilenah Chaui e o Gleiser dizem que a Internet é algo virtual como eu aplico o quase se realizou?

    O que na Internet, que é o que me interessa, para não nos perdemos em discussão de conceitos irrelevantes, é saber quando isso ocorre que é específico do digital.

    Não é nada diferente de outros lugares.

    Mandei email para fulano ele possivelmente vai me responder, é algo virtual, pois pode acontecer. Mas é o mesmo que eu deixasse um recado no telefone de alguém.

    Ou seja, aliar o digital e o virtual como sinônimos, eis o problema que é o que devemos rejeitar, nada há de virtual no digital, o virtual no digital é virtual em qualquer lugar, pois a digitalização não cria a virtualidade.

    O que cria a virtualidade é um dado contexto que pode acontecer em qualquer lugar, o digital não traz virtualidade, se traz, me diga onde para eu rever a ideia.

    Grato por continuar a me provocar..o papo tá ótimo.

  9. Paulo Mello disse:

    Nepô,
    O papo realmente está muito bom!

    Para mim o quase se realizou (como você mesmo diz, vamos olhar o radical da palavra) Realizar=tornar-se real. O quase-real em meu entender poderia ser: ser real, sem ser físico, como eu havia sugerido no início.
    Podem existir outras formas de quase-real, sem necessariamente serem virtuais?

    Vamos ver um exemplo vindo da Física quântica: O Gato de Schrödinger, um experimento fictício onde um gato está simultaneamente vivo e morto:

    “O Gato de Schrödinger: Um gato, junto com um frasco contendo veneno, é posto em uma caixa lacrada protegida contra incoerência quântica induzida pelo ambiente. Se um contador Geiger detectar radiação então o frasco é quebrado, liberando o veneno que mata o gato. A mecânica quântica sugere que depois de um tempo o gato está simultaneamente vivo e morto. Mas, quando se olha para dentro da caixa, apenas se vê o gato ou vivo ou morto, não uma mistura de vivo e morto.” (Wikipedia).

    Neste caso, antes de abrir a caixa temos uma DUPLA virtualidade?

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